segunda-feira, 25 de janeiro de 2010
TÃO JUNTOS
CANÇÃO AZUL
Quero esse azul, desnudo, orvalhado.
Com esse azul
farei uma canção tão bela
que até Orfeu a tomará
e seguirá pelos campos de Prosérpina
tangendo-a em sua lira
para encantar Eurídice.
Giselda Medeiros
(Cantos Circunstanciais)
RITUAL
SE TU ME QUERES
SONATA AO LUAR
domingo, 24 de janeiro de 2010
Giselda Medeiros
Estou atada à âncora do sonho.
Sonhar é meu ofício,
mesmo sobre abismos.
Eu sonharei
entre as frias espadas do sofrimento
e o voo do pássaro do amor.
Sonhar é meu ofício.
Mesmo no silêncio das tocaias,
na estreiteza das veredas,
entre o uivar dos cães da ignorância
e o leve palpitar da rosa entreaberta,
eu sonharei.
Sonhar é meu ofício.
Mesmo que as lâmpadas da fé se apaguem
e gritos firam minha alma
na dança macabra da dor com suas mãos de antílope,
eu sonharei um sonho tão grande e belo
como o mar sob o farol das estrelas.
Sonhar é meu ofício.
Sempre. E depois,
quando etérea substância me envolver,
eu sonharei, ainda assim,
nos versos que compus.
E quando os leres, cheios de mim,
eu estarei sonhando
na voz silenciosa dos poemas
que estarão cheios de ti.
(Tempo das Esperas)
Giselda Medeiros
Quando chegares
cansado das noites de vigília,
vem bater-me à porta.
Nesta soleira empoeirada,
encontrarás em pálido espanto
um coração tresloucado
sazonando de indormidas ilusões.
Um coração que não se mostra,
acorrentado qual Prometeu.
Vem. liberta-o da horrível solidão
(abutre que lhe carcome o sonho)
pois livre
há de tecer a lira
e reacender a pira
para a consagração, enfim, do amor.
(Cantos Circunstanciais)
sexta-feira, 22 de janeiro de 2010
O Tempo varre o sótão do meu sonho,
limpa o telhado do meu pensamento,
refaz o alpendre branco, onde me ponho
a conversar, à noite, com o vento.
Não ouço nada, além do que deponho,
em voz sofrida, em lúgubre lamento
ao Tempo que, veloz, segue e, medonho,
vai dissipando os sonhos que acalento.
E fico, horas a fio, indiferente
a esse mister de desapropriação
que o Tempo em nossa vida, mudo, faz.
Depois... depois, o que resta na gente
é este vazio - a flor da solidão -
que se abre e não fenece nunca mais...
Giselda Medeiros
quinta-feira, 21 de janeiro de 2010
Giselda Medeiros
Ouves, acaso, no tanger do vento,
doce murmúrio que, em silêncio, tece?
Escuta, amor, pois é meu pensamento
que te procura, fértil, como a prece.
Sentes, acaso, naquele momento,
em que a manhã de luz se resplandece,
cair sobre teu peito um novo alento?
Sou eu, do amor, a te trazer a messe...
Pois nesse instante, amor, minha presença,
faz-se sentir em todos os lugares,
como teu sol, teu lar e tua crença.
Desperta, abre a janela e o espaço fita,
que eu estarei em tudo o que tocares
em tudo o que pensares, me acredita!
quarta-feira, 20 de janeiro de 2010
Ah, como queria ter
no teu esplêndido corpo
um lugar só para mim
onde a música que ouvisse
Onde, em tardes sonolentas,
sibilos de amor houvesse.
Onde a ternura varresse
esses estúpidos tédios.
Depois um incêndio sonoro
de beijos, abraços mil
carbonizasse nossa alma.
Nossas cinzas voariam
pela amplidão deste mundo,
pelos espaços ao léu.
E lá, entre astros luzentes,
da lua roubando o mel,
seríamos mais do que amantes,
seríamos mais do que amados...
... seríamos o próprio céu.
Giselda Medeiros
terça-feira, 19 de janeiro de 2010
segunda-feira, 18 de janeiro de 2010
Vês?
Aquela onda a tecer rendas de espanto,
na areia,
não sou eu.
Eu sou o contorno das espumas
lavrado como escritura
para o abissal exílio dos grãos
de areia.
Minha essência
são esses fragmentos de ausência
retidos na voz dos náufragos,
no desespero das algas e corais
afogados.
Entre ti e mim há sombras
que devoram horas,
que extraviam calendários;
há voos que perderam a estabilidade
e passos esquecidos na estrada.
Somos paisagens que se despedaçam
sob os látegos do tempo.
Em nós, apenas os murmúrios cegos
de um amor espetado
pelos dedos espinhentos do destino.
Somos a ânsia dos tardos andarilhos:
tu, as pegadas, lentas,
irremediavelmente tímidas;
e eu, o porto, a chegada final,
que espera em vão
o assentamento da âncora
dos teus andarilhos passos.
Giselda Medeiros
domingo, 17 de janeiro de 2010
DO SILÊNCIO
Se faço uma canção
de madrugadas e luares,
de brisas e de silêncios,
é que te espero o sorriso
na solidão do meu riso,
amarelo e sem vigor,
querendo alçar o seu voo
de Ícaro.
Teu corpo resvala
no silêncio do meu corpo,
metáfora e alegoria
domadas, tão bem urdidas,
desferidas como dardos
no texto de minha vida.
E o silêncio grita indomado
no instante buliçoso
amordaçando o sorriso
no lábio cheio de versos.
Giselda Medeiros
quinta-feira, 14 de janeiro de 2010
Pedregosos são os caminhos da vida.
Ínvios os lugares de vigília
desde as horas matutinas
ao rosnar exangue dos crepúsculos.
A vida é ilha
cercada de imensas dores.
Se lhe açoitam ventos de alegria,
espreitam-nos segredos insolúveis.
E o pó,
o mesmo que pisamos nas estradas,
com seu tímido olor de mortos,
vitorioso nos espera
em qualquer crepúsculo,
na intemporalidade de seu mister.