quinta-feira, 2 de abril de 2020

Crônica/Poesia (soneto decassilábico português) - VIANNEY MESQUITA





OCIOSIDADE INDUZIDA
Quinze dias hoje, 29.3.2020


 Na ociosidade e na abundância,
desequilibra-se a razão.
(TITO LÍVIO).


Perfaz, hoje, 29.03.2020, exatos quinze dias que, ex-vi de determinação das autoridades sanitárias do Mundo, muitos se afastaram das suas constâncias laborais, culturais, de ócio público – como cinemas, teatros, circos entre outras - para permanecer no recesso das próprias casas, a fim de driblar a temerária covid-19 (não merece letra maiúscula).

  Este acrimonioso e odiento mal pandêmico – insensível, invisível, inodoro, insípido e inaudível – avesso, pois, aos sensos humanos - já mexeu com 600 mil viventes ou mais, mandando-os para as casas de saúde e aos carneiros de cemitérios, obrigando o orbe inteiro a uma reserva forçada e difícil, que muito preocupa e deixa buliçosos e traquinas os seus circunstantes.

Defesos de participar dessas intimidades e frequências sociais em todas as situações, sem o natural deleite social, ínsito aos hominídeos, após essas duas semanas de convívio físico-social interdito, em remissa forçosa em seus lares (e nem são todos os que os possuem!), os habitantes da Terra prosperam na sua vontade firme de se verem livres desse portentoso vírus, de tudo fazendo e ao geral se obrigando com vistas à conquista desse desiderato.

Felizmente, também – sem me reportar aos inomináveis males econômicos que esta circunstância fez pojar à sociedade, mormente às comunidades pobres e miseráveis, o que é de gravidade desemparelhada – a condição de isolamento nos deixa mais cuidadosos e conscientes, ainda, acerca dos nossos procedimentos de cariz humano-procedimental.

De tal maneira, a ocasião agora perpassada nos concede o lance de revistar nosso transato ético, comportamental e deontológico, a cujo raciocínio não era dado azo em virtude do tempo consumido com o labor, a vida urbana, os cuidados com o corpo e, em muitos casos, a transcendência para o sobrenatural, um “pouco” esquecida quando sob o perfeito confortamento vital.

Esta comodidade, fluente no âmbito da normalidade vivífica, parece nos isentar das responsabilidades relacionadas à existência posterior ao exício corporal – a pós-animação terrena - para todos os credos, quer cristãos ou adeptos de motos confessionais outros e - por que não – até os ateus e agnósticos – para alguns dos quais guardo a certeza de que adquiriram bilhete para bons assentos na vida eterna, de tão perfeitos que são seus procederes...

Sem muitos quefazeres, na fruição da remissa forçada, então, comecei a pensar, tendo essas reflexões abicado neste soneto decassilábico português, assentado no texto-prosa expresso na sequência.

Conquanto não seja simpático a férias longas, como esta quarentena, vou, a pouco e pouco, cumprindo meu castigo, merecido, no concerto deste “inferno” de suspiros que solto há quinze dias.

A quarentena, tal como os sais diapiros, conforme exprime a Geologia, que rasgam as rochas e a terra para aparecer em cima e estragar plantações, leva o remisso a fazer tudo o que puder para matar o tempo, no exemplo do quarteto dois, que recorre ao lúdico, como os jogos de gamão e firo, conservando-se no lar para o coronavírus não invadir.

Então, em ambiência tranquila, embora acossada, tendo o lugar de morada como fortaleza, remansa amortecido o tempo vagaroso, para, nessas férias, remuneradas – diga-se - pôr nas mãos da Santíssima Trindade esta lida remanchona que, tenho convicção, logo terá termo.

Veja o caríssimo leitor o emprego da rima encadeada nos quartetos, o que parece conceder um pouco mais de estesia aos versos decassilábicos portugueses.  
OCIOSIDADE INDUZIDA
Não saboreio extensos retiros,
Em cujos giros vou pagando a pena,
Nesta geena de infaustos suspiros,
Sob autogiros, há uma quinzena.

Na quarentena, os sais dos diapiros
Furam os papiros, rochas à centena
Forçando a arena a gamões e firos
E o torpe vírus não adentra a cena.

Nesta tranquilidade induzida,
Em casa, valhacouto de guarida,
Amorteço o Chronos vagaroso.

Assim, em férias (com féria) da vida,
Entrego esta preguiçosa lida
Ao nosso Trio Todo-Poderoso!