SONETO VAI, SONETILHO VEM
Vianney Mesquita*
Sentimental
é o homem que vê um valor absurdo em tudo e não sabe o preço exato de nada. (OSCAR Fingal O’Flahertie Wills WILDE. Dublin, 16.10.1854; Paris, 30.11.1900).
Obtive de Cima a mercê de haver conhecido e
privado, por muitos anos, da companhia e
benquerença do magistrado, homem de letras e linguista Dr. Sinésio Lustosa
Cabral Sobrinho, natural de Várzea Alegre-CE (22.05.1915), autor de qualidade incontendível, cujas obras fazem
eco em todo o País, pois docente de
língua portuguesa de alçados recursos, poeta inventivo e, em especial, pessoa de fina educação e esmerada
urbanidade.
O Dr. Sinésio Cabral exerceu a
Presidência da Academia Cearense da Língua Portuguesa de 03.03 1984 a 03.03.
1986, tendo ocupado a Cátedra número 03, patroneada pelo filólogo e etnógrafo
carioca Antenor Nascentes. Ele editou por quase quarenta anos o Mensageiro da Poesia, ao lume com
absoluta regularidade, até seu trânsito para a Dimensão Etérea, em 10 de maio
de 2012, às portas dos 97 anos.
Mencionado periódico – cujo teor privilegiava poemas e comentários
analíticos – chegava aos consulentes sem nenhum custo, pois as despesas de
produção gráfica e editorial, bem assim os dispêndios de postagem, corriam a
expensas dele, numa louvável peleja para que não afracasse a prática do metro
no nosso meio.
Enviei-lhe, certa vez, algumas
colaborações, a primeira das quais foi publicada no número 209, relativo a
abril de 2004, registada na coluna Recebemos
e Agradecemos. Aqui a reproduzo – o soneto que foi, como também o faço com o sonetilho de resposta – ambos
publicados no meu Arquiteto a Posteriori
– Apreciações Críticas (Fortaleza: Imprensa Universitária da UFC, 2013).
BILHETE
Sinésio amigo, muito boa tarde,
Neste nubloso mês de
fevereiro.
A Graça Inata
eternamente o guarde
E a todo o contingente
seu herdeiro.
Assinta, por favor,
ficar ciente:
Grande afeição eu por
você sustento,
Porquanto este mundo é
carecente
De benquerer e paz – da
vida o alento.
Precisamos, também,
neste comenos,
Agricultemos traços bem
amenos
Para não amargarmos a
desdita.
De sua atenção na
expectativa,
Aguardo
uma resposta positiva
Com os amplexos do
Vianney Mesquita.
A
resposta ao Bilhete excele em
qualidade poética e graça na técnica da versificação. Diverso de mim, ao
aplicar o decassilábico do pé português, ele se firmou no sonetilho, composição não obrigada ao rigorismo canônico no tocante
às rimas das quadras e trísticos.
Feito, então, excelso poeta,
obediente às medidas, aprestou a consonância métrica das estâncias, aplicando o
verso redondilho maior – ou de arte menor – isto é, com sete acentos (ictos),
semelhante ao da escrita de cordel nordestina, fazendo consoar nas quadras o
primo verso da primeira estrofe com o quarto desta e o secundário e quaternário
da segunda.
Consociou, entrementes, o segundo
verso da primeira estância com o quarto desta e o secundário e o quarto versos
da segunda.
Já nos tercetos, rimou o primeiro do
trístico número um com o terceiro deste e o segundo do último; e o segundo pé
do primeiro com o primo e o terceiro do outro conjunto de três versos. Com
efeito, nas quadras, aplicou ABAB-ABAB, ao passo que nos trísticos utilizou-se
da craveira compositiva ABABAB.
Como desfecho destas notas, onde
descansa a saudade da enorme pessoa que foi Sinésio Lustosa Cabral Sobrinho,
comprovemos seu estro e apreciemos o quinau a este escrevente, em castigo pelo
mau soneto Bilhete.
S O N E T I L H O
Meu caro Vianney
Mesquita,
Em seu bilhete ouço a
voz
De quem não quer que a
desdita
Projete sombra entre
nós.
E sobre a afeição descrita,
Ao dizê-la tanto a sós,
No papel me trouxe
escrita
Bem oito dias após.
Dando conta do recado,
Em sonetilho, afinal,
Relembro: bem-humorado,
Sim, no apê residencial,
Com meu abraço apertado
Do irmão. Sinésio
Cabral.