DIFERENÇAS
Ana Paula
de Medeiros Ribeiro
Ser professor universitário é sempre uma oportunidade de
observar os anseios e pensamentos da juventude sobre as coisas do mundo.
Ontem,
foi o primeiro dia de aula do semestre – um momento de expor aos estudantes a
dinâmica da disciplina, as regras institucionais e de convivência. Ao final
disso tudo, houve a rodada de apresentações em que os estudantes puderam se
apresentar e dizer algo de si.
Nesta
pequena incursão ao universo discente, no primeiro dia de aula, podem ser
identificados aqueles mais extrovertidos e engraçados, os mais tímidos e
reservados, aqueles que já trabalham e aqueles que ainda não possuem
experiências profissionais. Estes, no entanto, ainda são maioria. Muitos
declararam que ainda não trabalham.
No
contexto atual, ter a possibilidade de dedicar-se exclusivamente aos estudos e
ainda estar em uma Universidade pública é um grande privilégio. Isso provocou
em mim várias reflexões porque relembrei uma conversa que tive com Nino, meu
sogro, um homem de 80 anos, ali, ao lado de sua oficina, espaço que o
possibilita ainda ser muito produtivo.
Em
meio a uma conversa bastante agradável, ele me disse:
–
Se eu tivesse tido a oportunidade que meus filhos tiveram de estudar e de se
formar, eu teria sido um profissional melhor, de mais saberes e conhecimentos.
Eu sempre tive muita vontade de progredir nos meus estudos e, um dia, eu tomei
coragem e me aproximei de meu pai fazendo o pedido para que ele me permitisse
estudar. Embora eu gostasse muito do ambiente das oficinas e de tudo o que eu
fazia por lá, era meu desejo saber mais, ler mais para poder entender mais e
trabalhar melhor. Mas, após meu pleito, meu pai deu um longo suspiro e,
olhando-me de modo melancólico, disse: “Eu poderia lhe dar a oportunidade para
continuar seus estudos, mas eu, necessariamente, teria que dar também para
todos os outros filhos”. E, espalmando ambas as mãos, nomeou um filho em cada
dedo.
Nino
disse que após aquela explanação do pai, ficou sem palavras, sem argumento
algum e aceitou seu destino, embora não fosse aquilo que seu espírito sedento
de conhecimento desejasse.
Àquela
época, seguir nos estudos demandava muito esforço econômico dos pais e inúmeras
renúncias. Lembrei-me também das histórias de minha avó que, mesmo viúva e com
muitas dificuldades, enviou os cinco filhos para a capital a fim de estudarem,
uma vez que na cidadezinha do interior em que moravam, o máximo que conseguiam
era finalizar o primário. Os filhos vieram para Fortaleza, ficaram na casa de
uma tia severa e completaram o ginásio, o científico e o nível superior. Mas,
tudo às custas de muito sacrifício. Muito provavelmente isso não teria sido
possível se minha avó tivesse a quantidade de filhos que tinha o pai de Nino.
Então,
diante desses relatos e lembranças, me pus a pensar em o quanto nós, a geração seguinte,
fomos privilegiados, uma vez que estudamos em excelentes escolas e
universidades e tivemos mais conforto e tranquilidade para seguir nos estudos.
Uma coisa interessante é que nossa geração conseguiu estudar e trabalhar ao
mesmo tempo. Havia muitas dificuldades, também, para conciliar ambas as coisas,
mas a maior parte das pessoas que conheço, da minha geração, passou pelas
mesmas situações.
Todavia,
interessante é observar o quanto nos tornamos protetores de nossos filhos. Eles
já possuem maior conforto e acesso a recursos do que nós tivemos. Entretanto,
uma coisa que identifico nesta geração de jovens de agora é uma espécie de
apatia, de ceticismo, creio que fruto de uma acomodação alimentada por nossa
extrema proteção.
Antes,
trabalho e estudo eram muito incompatíveis por fatores expostos nos relatos de
Nino e de minha avó, mas, atualmente, com os recursos disponíveis, as
facilidades e a flexibilidade oriunda das formas de trabalhar e de estudar,
creio que há poucas justificativas para a falta de vontade dos jovens em buscar
oportunidades e autonomia. A vida profissional apresenta muitos desafios, mas
pelo modo como os enfrentamos é que ela se constrói.
Por
fim, ficou em mim esta conclusão: Sejamos gratos ao que obtivemos de nossos
pais e comedidos ao que damos aos nossos filhos. Amor não se expressa pela
permissividade e, sim, por atitudes sensatas e firmes diante das necessidades e
desejos de nossos rebentos.
Ana Paula Medeiros - Da Academia Cearense da Língua Portuguesa e da Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil - AJEB/CE.