segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Instabilidade

Vês?
Aquela onda a tecer rendas de espanto,
na areia,
não sou eu.
Eu sou o contorno das espumas
lavrado como escritura
para o abissal exílio dos grãos
de areia.

Minha essência
são esses fragmentos de ausência
retidos na voz dos náufragos,
no desespero das algas e corais
afogados.

Entre ti e mim há sombras
que devoram horas,
que extraviam calendários;
há voos que perderam a estabilidade
e passos esquecidos na estrada.
Somos paisagens que se despedaçam
sob os látegos do tempo.

Em nós, apenas os murmúrios cegos
de um amor espetado
pelos dedos espinhentos do destino.

Somos a ânsia dos tardos andarilhos:
tu, as pegadas, lentas,
irremediavelmente tímidas;
e eu, o porto, a chegada final,
que espera em vão
o assentamento da âncora
dos teus andarilhos passos.

Giselda Medeiros
HOJE E AMANHÃ
Em ti gravita meu sol
que espanta as brumas
da dor.
Em ti habita minha palavra.
Sou teu texto
e sei que te movo a emoção.
Por isso é que canto
e trago, hoje, este poema
porque amanhã
não sei se ainda haverá Poesia.
Hoje sou tua estrela
Sirius, Aldebarã.
Mas, amanhã,
não sei se ainda haverá a Via-Láctea.
Hoje, sou a âncora que te sacia a sede,
mas, amanhã,
não sei se ainda haverá vinho
para a demanda.
Por isso, toma-me inteiramente,
hoje,
porque o amanhã
será como o voo da ave
que nascerá
da solidão da noite.
E quem lhe conhecerá as penas?
Giselda Medeiros