Há de se
cuidar da amizade e do amor
26/10/2013
A amizade e o amor constituem as relações maiores e mais realizadores
que o ser humano, homem e mulher, pode experimentar e desfrutar. Mesmo o
místico mais ardente só consegue uma fusão com a divindade através do caminho
do amor. No dizer de São João da Cruz, trata-se da experiência da “a amada(a
alma) no Amado transformada”.
Há vasta literatura sobre estas duas experiências de base. Aqui restringimo-nos ao mínimo. A amizade é aquela relação que nasce de uma ignota afinidade, de uma simpatia de todo inexplicável, de uma proximidade afetuosa para com a outra pessoa. Entre os amigos e amigas se cria uma como que comunidade de destino. A amizade vive do desinteresse, da confiança e da lealdade. A amizade possui raízes tão profundas que, mesmo passados muitos anos, ao reencontrarem-se os amigos e amigas, os tempos se anulam e se reatam os laços e até se recordam da última conversa havida há muito tempo.
Cuidar da amizade é preocupar-se com a vida, as penas e as alegrias do
amigo e da amiga. É oferecer-lhe um ombro quando a vulnerabilidade o visita e o
desconsolo lhe oculta as estrelas-guias. É no sofrimento e no fracasso
existencial, profissional ou amoroso que se comprovam os verdadeiros amigos e
amigas. Eles são como uma torre fortíssima que defende o frágil castelo
de nossas vidas peregrinas.
A relação mais profunda é a experiência do amor. Ela traz as mais
felizes realizações ou as mais dolorosas frustrações. Nada é mais misterioso do
que o amor. Ele vive do encontro entre duas pessoas que um dia cruzarem seus
caminhos, se descobriram no olhar e na presença e viram nascer um sentimento de
enamoramento, de atração, de vontade de estar junto até resolverem fundir as
vidas, unir os destinos, compartir as fragilidades e as benquerenças da vida.
Nada é comparável à felicidade de amar e de ser amado. E nada há de
mais desolador, nas palavras do poeta Ferreira Gullar, do que não poder dar
amor a quem se ama.
Todos esses valores, por serem os mais preciosos, são também os
mais frágeis porque mais expostos às contradições da humana
existência.
Cada qual é portador de luz e de sombras, de histórias familiares e
pessoais diferentes, cujas raízes alcançam arquétipos ancestrais, marcados por experiências bem sucedidas ou trágicas que deixaram marcas na memória genética
de cada um.
O amor é uma arte combinatória de todos estes fatores, feita com
sutileza que demanda capacidade de compreensão, de renúncia, de paciência e de
perdão e, ao mesmo tempo, comporta o desfrute comum do encontro amoroso,
da intimidade sexual, da entrega confiante de um ao outro. A experiência do
amor serviu de base para entendermos a natureza de Deus: Ele é amor essencial e
incondicional.
Mas o amor sozinho não basta. Por isso São Paulo em seu famoso
hino ao amor, elenca os acólitos do amor sem os quais ele não consegue
subsistir e irradiar. O amor tem que ser paciente, benigno, não ser ciumento,
nem gabar-se, nem ensoberbecer-se, não procurar seus interesses, não se
ressentir do mal…o amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera e tudo suporta…o amor
nunca se acaba (1Cor 13, 4-7). Cuidar destes acompanhantes do amor é fornecer o
húmus necessário para que o amor seja sempre vivo e não morra pela indiferença.
O que se opõe ao amor não é o ódio mas a indiferença.
Quanto mais alguém é capaz de uma entrega total, maior e mais forte é o
amor. Tal entrega supõe extrema coragem, uma experiência de morte pois não
retém nada para si e mergulha totalmente no outro. O homem possui especial
dificuldade para esta atitude extrema, talvez pela herança de machismo,
patriarcalismo e racionalismo de séculos que carrega dentro de si e que
lhe limita a capacidade desta confiança extrema.
A mulher é mais radical: vai até o extremo da entrega no amor, sem resto
e sem retenção. Por isso seu amor é mais pleno e realizador e, quando se
frustra, a vida revela contornos de tragédia e de um vazio abissal.
O segredo maior para cuidar do amor reside no singelo cuidado da
ternura. A ternura vive de gentileza, de pequenos gestos que revelam o
carinho, de sacramentos tangíveis, como recolher uma concha na praia e levá-la
à pessoa amada e dizer-lhe que, naquele momento, pensou carinhosamente nela.
Tais “banalidades” tem um peso maior que a mais preciosa joia. Assim
como uma estrela não brilha sem uma atmosfera ao seu redor, da mesma forma, o
amor não vive sem um aura de enternecimento, de afeto e de cuidado.
Amor e cuidado formam um casal inseparável. Se houver um divórcio entre
eles, ou um ou outro morre de solidão. O amor e o cuidado constituem uma
arte. Tudo o que cuidamos também amamos. E tudo o que amamos também cuidamos.
Tudo o que vive tem que ser alimentado e sustentado. O mesmo vale
para o amor e para o cuidado. O amor e o cuidado se alimentam da afetuosa
preocupação de um para com o outro. A dor e a alegria de um é a alegria e a dor
do outro.
Para fortalecer a fragilidade natural do amor precisamos de Alguém
maior, suave e amoroso, a quem sempre podemos invocar. Daí a importância dos
que se amam, de reservarem algum tempo de abertura e de comunhão com esse
Maior, cuja natureza é de amor, aquele amor, que segundo Dante Alighieri da
Divina Comédia “move o céu e as outras estrelas” e nós acrescentamos: que
comove os nossos corações.
Leonardo Boff é autor de O Cuidado necessário, Vozes 2012.
(Colaboração de Eugênio Eduardo Pimentel)
(Colaboração de Eugênio Eduardo Pimentel)