quarta-feira, 27 de agosto de 2014

O RETRATO - POEMA

                        

                          O RETRATO
                          Giselda Medeiros

                            Para onde for
                            levarei teu retrato.
                            Espelho de nossa história,
                            guarda ele indiferente
                            desviadas trajetórias.
                           
                            De teus olhos, quase apagados,
                            ilusões de madrugadas saltam
                            e vêm mirar-se
                            à luz de nossa história.

                            Da face um fiapo de ruga
                            em fina melancolia
                            mostra-me o tempo salubre
                            que te roubou a alegria.
                            E flocos leves como anjos
                            brancos nos teus cabelos
                            sussurram em meu descanso
                            inacabados poemas.


 Do livro "Tempo das Esperas"

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

PERFIL DE UM ESCRITOR - CRÍTICA LITERÁRIA POR RENATO CASIMIRO


Enquanto lia a mais recente obra do professor Vianney Mesquita – Arquiteto a Posteriori – ocorreu-me um sentimento de saudade em torno dos primeiros momentos que vivi nesta mui hermosa ciudad de Nossa Senhora da Assunção. Cheguei aqui há pouco mais de 49 anos, sem parentes importantes e vindo do interior, para que, em anos subsequentes, já me pudesse sentir razoavelmente integrado a este sentimento de cearensidade praiana, do qual emergiria um desfrutado encanto particular pela então exuberância de uma urbe ainda velha na sua cena urbana, o modo particular do Ceará moleque, entre a Praça do Ferreira e seus arredores, bem assim um certo requinte de sua vida intelectual, centrada em grêmios e livrarias, bem como intensa atividade cultural.
Restrinjo-me, especialmente, a esta derradeira menção para consignar o fato de que, sem saudosismos, aquela era uma época em que de fato, vivia o Ceará uma fase esplendorosa de bulício cultural, tanto da juventude universitária quanto da academia literária. Por isto, a manifestar tão diletante gosto, inúmeros nomes de confrarias diversas expressariam em muitos momentos e eventos, a seu gozo pessoal e coletivo no fomento dessas ocorrências, onde o centro, via de regra, era a apresentação formal e sempre solene e ritualístico de novos livros, de mais produções literárias. Recolho, por exemplo, de Braga Montenegro, extraordinário crítico analítico desta fase, num destes momentos, a asserção de que Um dos elos que ligam os homens na ação desinteressada, que ligam os homens pelo coração, pela inteligência e pelo sentimento, será, sem dúvida, a literatura, a poesia. Este sentimento de que nos fala, sem dúvida, é o assemelhado ao que, felizmente, diversos homens de letras do nosso Estado, por exemplo, conduziram a percorrer parte da grandeza de épocas e escolas no fazer intelectual e cultural da província.
Reconheceria, com a passar do tempo, da pessoa de Vianney Mesquita, ao amiudar o conhecimento do intramuros universitário, a presença irrequieta de suas ações professorais e literárias, como destes valores da mais sincera e obrigatória competência para a renovação das velhas tradições intelectuais do Estado.
Almejando conhecê-lo mais amplamente, recorri - malgrado a sinopse econômica de expressões – de Raimundo Girão e Maria da Conceição Sousa, que o registram no Dicionário da Literatura Cearense (1987), exatamente pela proximidade dos seus ainda primeiros passos, para encontrá-lo e reconhecê-lo com sinais evidentes de competência, zelo, dedicação e compromisso vocacionado aos misteres da Literatura e da Comunicação. E nisso, o que vinha – literalmente, me permitam a inocente irreverência, do Pinto do Mesquita (de sua patrilinearidade), já se revelava na vasta produção, de meritória e justa visibilidade e reverência entre o alunado e as academias. De lá para cá, a afluência e a abastança de vária colheita livresca, maturada ao calor de um acolhimento crítico, sincero e generoso de tantos observadores e leitores atentos, consagraram esta inserção do operário impenitente e criativo em meio à cena do maior brilho da intelectualidade do Ceará. E eis como vossa senhoria se encontra, sem maior favor da nossa admiração instalada.
Da sua expressiva produção literária, mais especificamente em livros, iniciada há 30 anos, com Sobre Livros – Aspectos da Editoração Acadêmica, passando por Estudos de Comunicação no Ceará (com Gilmar de Carvalho), Impressões, O Termômetro de McLuhan (com Fátima Portela Cysne), Resgate de Ideias, A Escrita Acadêmica (com Anchieta E. Barreto), Fermento na Massa do Texto, Repertório Transcrito, chegamos a este Arquiteto a Posteriori.
Antes mesmo de lhe dizer algo relevante sobre o que me cabe, não posso deixar de expressar-lhe, professor Vianney Mesquita, que o anterior Fermento na Massa do Texto, de 2001, encarregou-se de guardar a impressão crítica, gentil e sincera, de o primeiro livrinho perpetrado aí pela virada do século, recolhendo apressadamente, de gavetas e arquivos, textos desengonçados, reunidos temerariamente em papel e brochura de má qualidade. Nem assim, pela precariedade do continente, vossa senhoria, em palavras cordiais, deixou de apreciá-lo à sobra de algum valor que o conteúdo encerrava. A brochura Juazeiro é um Mundo, de tão miúda tiragem, ficou até para o folclore da minha terra e das expressões familiares, enquanto, felizmente, o Fermento na Massa do Texto se afirmou como mais uma grande contribuição ao exercício da crítica literária que tanto caracteriza os seus afazeres. Por ele, por este Fermento, um dia, por certo, ainda se saberá que existiu um pretenso autor e seu livrinho, o ufanista Juazeiro é um Mundo, embora não mais se ache nem nas ensebadas prateleiras dos antiquários.



*Antônio Renato Soares de Casimiro é docente da Universidade Federal do Ceará, escritor consagrado com obras de vulto, acadêmico titular da Academia Cearense de Química. Engenheiro químico.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

A CHEGADA DE ARIANO SUASSUNA NO CÉU - Autores: Klévisson Viana e Bule-Bule


Nos palcos do firmamento
Jesus concebeu um plano
De montar um espetáculo
Para Deus Pai Soberano
E, ao lembrar de um dramaturgo,
Mandou buscar Ariano.
Jesus mandou-lhe um convite,
Mas Ariano não leu.
Estava noutro idioma,
Ele num canto esqueceu,
Nem sequer observou
Quem foi que lhe escreveu.
Depois de um tempo, mandou
Uma segunda missiva.
A secretária do artista
Logo a dita carta arquiva,
Dizendo: — Viagem longa
A meu mestre não cativa.
Jesus sem ter a resposta
Disse torcendo o bigode:
— Eu vejo que Suassuna
É teimoso igual a um bode.
Não pode, mas ele pensa
Que é soberano e pode!
Jesus, já perdendo a calma,
Apelou pra outro suporte.
Para cumprir a missão,
Autorizou Dona Morte:
— Vá buscar o escritor,
Mas vê se não erra o corte!
A morte veio ao País
Como turista estrangeiro,
Achando que o Brasil
Era só Rio de Janeiro.
No rastro de Suassuna,
Sobrou pra Ubaldo Ribeiro.
Porém, antes de encontrá-lo,
Sofreu um constrangimento
Passando em Copacabana,
Um malfazejo elemento
Assaltou ela levando
Sua foice e documento.
A morte ficou sem rumo
E murmurou dessa vez:
— Pra não perder a viagem
Vou vender meu picinez
Para comprar outra foice
Na loja de algum chinês.
Por um e noventa e nove
A dita foice comprou.
Passando a mão pelo aço,
Viu que ela enferrujou
E disse: — Vai essa mesma,
Pois comprar outra eu não vou!
A morte saiu bolando,
Sem direção e sem tino,
Perguntando a um e a outro
Pelo escritor nordestino,
Obteve informação,
Gratificando um menino.
Ao encontrar João Ubaldo,
Viu naufragar o seu plano,
Se lembrando da imagem
Disse: — Aqui há um engano.
Perguntou para João
Onde é que estava Ariano.
Nessa hora João Ubaldo,
Quase ficando maluco,
Tomou um susto arretado,
Quando ali tocou um cuco,
Mas, gaguejando, falou:
—Ele mora em Pernambuco! 
A morte disse: — Danou-se
Dinheiro não tenho mais
Para viajar tão longe,
Mas Ariano é sagaz.
Escapou mais uma vez,
Vai você mesmo, rapaz!
Quando chegou lá no Céu
Com o escritor baiano,
Cristo lhe deu uma bronca:
— Já foi baldado o meu plano.
Pedi um da Paraíba
E você trouxe um baiano.
João Ubaldo é talentoso,
Porém não escreve tudo.
“Viva o Povo Brasileiro”
É sua obra de estudo,
Mas quero peça de humor,
Que o Céu tá muito sisudo.
Foi consultar os arquivos
Pra ressuscitar João,
Mas achou desnecessário,
Pois já era ocasião
Pra ele vir prestar contas
Ali na Santa Mansão.
Jesus olhou para a Morte
E disse assim: — Serafina,
Vejo não és mais a mesma.
Tu já foste mais malina,
Tá com pena ou tá com medo,
Responda logo, menina?!
— Jesus, eu vou lhe falar
Que preciso de dinheiro.
Ariano mora bem
No Nordeste brasileiro.
Disse o Cristo: —Tenho pressa,
Passe lá no financeiro! 
— Só faço que é pra o Senhor.
Pra outro, juro não ia.
Ele que se conformasse
Com o escritor da Bahia.
Se dependesse de mim,
Ariano não morria.
A morte na internet
Comprou passagem barata.
Quase morria de susto
Naquela viagem ingrata.
De vez em quando dizia:
— Eita que viagem chata!
Uma aeromoça lhe trouxe
Duas barras de cereais.
Diz ela: — Estou de regime.
Por favor, não traga mais,
Porque se vier eu como,
Meu apetite é voraz!
Quando chegou no Recife,
Ficou ela de plantão
Na porta de Ariano
Com sua foice na mão,
Resmungando: — Qualquer hora
Ele cai no alçapão!
A morte colonizada,
Pensando em lhe agradar,
Uma faixa com uma frase
Ela mandou preparar,
Dizendo: “Welcome Ariano”,
Mas ele não quis entrar.
Vendo a tal faixa, Ariano
Ficou muito revoltado.
Começou a passar mal,
Pediu pra ser internado
E a morte foi lhe seguindo
Para ver o resultado. 
Eu não sei se Ariano
Morreu de raiva ou de medo.
Que era contra estrangeirismos,
Isso nunca foi segredo.
Certo é que a morte o matou
Sem lhe tocar com um dedo.
Chegou no Céu Ariano,
Tava a porta escancarada.
São Pedro quando o avistou
Resmungando na calçada,
Correu logo pra o portão,
Louvando a sua chegada.
Um anjinho de recado
Foi chamar o Soberano,
Dizendo: - O Senhor agora
Vai concretizar seu plano.
São Pedro mandou dizer
Que aqui chegou Ariano.
Jesus saiu apressado,
Apertando o nó da manta
E disse assim: — Vou lembrar
Dessa data como santa
Que a arte de Ariano
Em toda parte ela encanta.
São Pedro lá no portão
Recebeu bem Ariano,
Que chegou meio areado,
Meio confuso e sem plano.
Ao perceber que morreu,
Se valeu do Soberano.
Com um chapelão de palha
Chegou Ascenso Ferreira,
O grande Câmara Cascudo,
Zé Pacheco e Zé Limeira.
João Firmino Cabral
Veio engrossar a fileira. 
E o próprio João Ubaldo
(Que foi pra lá por engano)
Veio de braços abertos
Para abraçar Ariano.
E esse falou: - Ubaldo,
Morrer não tava em meu plano!
Logo chegou Jorge Amado
E o ator Paulo Goulart.
Veio também Chico Anysio
Que começou a contar
Uma anedota engraçada
Descontraindo o lugar.
Logo chegou Jesus Cristo,
Com seu rosto bronzeado.
Veio de braços abertos,
Suassuna emocionado
Disse assim: — Esse é o Mestre,
O resto é papo furado!
Suassuna que, na vida,
Sonhou em ser imortal,
Entrou para Academia,
Mas percebeu, afinal,
Que imortal é a vida
No plano celestial.
Jesus explicou seus planos
De fazer uma companhia
De teatro e ele era
O escritor que queria
Para escrever suas peças,
Enchendo o Céu de alegria.
Nisso Ariano responde:
— Senhor, eu me sinto honrado,
Porém escrever uma obra
É serviço demorado.
Às vezes gasto dez anos
Para obter resultado. 
Nisso Jesus gargalhou
E disse: — Fique à vontade.
Tempo aqui não é problema,
Estamos na eternidade
E você pode criar
Na maior tranquilidade.
Um homem bem pequenino
Com chapeuzinho banzeiro,
Com um singelo instrumento,
Tocou um coco ligeiro
Falando da Paraíba:
Era Jackson do Pandeiro.
Logo chegou Luiz Gonzaga,
Lindu do Trio Nordestino,
E apontou Dominguinhos
Junto a José Clementino
E o grande Humberto Teixeira,
Raul e Zé Marcolino.
Depois chegou Marinês
Com Abdias de lado
E Waldick Soriano,
Com um vozeirão impostado,
Cantou “Torturas de Amor”,
Como sempre apaixonado.
Veio então Silvio Romero
Com Catulo da Paixão,
Suassuna enxugou
As lágrimas de emoção
E Catulo, com seu pinho,
Cantou “Luar do Sertão”.
Leandro Gomes de Barros
Junto a Leonardo Mota,
Chegou Juvenal Galeno,
Otacílio Patriota.
Até Rui Barbosa veio
Com título de poliglota. 
Chegou Regina Dourado,
Tocada de emoção,
Juntinho de Ariano,
Veio e beijou sua mão
E disse: — Na sua peça
Quero participação.
Ariano dedicou-se
Àquele projeto novo.
Ao concluir sua peça,
Jesus deu o seu aprovo
E a peça foi encenada
Finalmente para o povo.
Na peça de Ariano
Só participa alma pura.
Ariano virou santo,
Corrigiu sua postura.
Lá no Céu ganhou o título
Padroeiro da cultura.
Os artistas que por ele
Já nutriam grande encanto
Agora estando em apuros,
Residindo em qualquer canto,
Lembra de Santo Ariano
E acende vela pro santo.
Ariano foi Quixote
Que lutou de alma pura.
Contra a arte descartável
Vestiu a sua armadura
Em qualquer dia do ano
Eu digo: viva Ariano
Padroeiro da Cultura!