segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Instabilidade

Vês?
Aquela onda a tecer rendas de espanto,
na areia,
não sou eu.
Eu sou o contorno das espumas
lavrado como escritura
para o abissal exílio dos grãos
de areia.

Minha essência
são esses fragmentos de ausência
retidos na voz dos náufragos,
no desespero das algas e corais
afogados.

Entre ti e mim há sombras
que devoram horas,
que extraviam calendários;
há voos que perderam a estabilidade
e passos esquecidos na estrada.
Somos paisagens que se despedaçam
sob os látegos do tempo.

Em nós, apenas os murmúrios cegos
de um amor espetado
pelos dedos espinhentos do destino.

Somos a ânsia dos tardos andarilhos:
tu, as pegadas, lentas,
irremediavelmente tímidas;
e eu, o porto, a chegada final,
que espera em vão
o assentamento da âncora
dos teus andarilhos passos.

Giselda Medeiros

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