E como se isso não bastasse, Araripe Júnior,
ainda no século dezenove, se encarregaria de dar à literatura brasileira o seu
definitivo estatuto no terreno da crítica. E bem assim os rumos que esse gênero
literário tomaria entre nós.
Depois, eu colocaria o papel relevante das Cartas
Literárias (Rio, 1895) de Adolfo Caminha, o engenho crítico e a argúcia
intelectiva de Frota Pessoa (Crítica e Polêmica, 1902), a essencialidade
do exercício crítico de Braga Montenegro, as intuições estruturalistas de F. S.
Nascimento e o recorte estético de acento indiscutivelmente teórico que permeia
a produção de Pedro Paulo Montenegro.
A chamada crítica literária de formação
acadêmica tem no Ceará se desenvolvido com algum desassombro. Lembro, aqui, os
nomes de Linhares Filho, Batista de Lima, Lemos Monteiro e Sânzio de Azevedo, e
ponho em destaque mais especificamente o nome deste último, que é, como
sabemos, o maior historiador da nossa literatura. E trago à discussão também os
nomes de alguns poetas que exerceram ou exercem, entre nós, a crítica literária
de uma forma mais acentuada. Aluisio Medeiros, Francisco Carvalho e José
Alcides Pinto entre esses nomes a que me refiro.
Agora, quem aspira a inscrever-se nessa
tradição afortunada, é a escritora Giselda Medeiros, uma das mais argutas
expressões da nossa intelectualidade e do nosso tirocínio cultural e acadêmico.
E aspira a inscrever-se nessa tradição com a reunião, em livro, dos seus
artigos de crítica, escritos nos últimos anos e pulverizados em diversos
veículos da imprensa e em espaços outros onde se fez presente com a sua
inteligência iluminada e a sua sensibilidade indiscutivelmente criativa.
Giselda já firmou definitivamente o seu nome
como poetisa e já se revelou, de permeio, como uma das nossas contistas mais
imaginosas. Contista da condição humana e do imponderável, onde Eros e Tanatos
se abraçam. Poetisa também de escol, que paga tributo à lírica e à arte
literária de qualidade estética relevante. Crítica Reunida é o livro da
sua diversidade e do seu engenho sofisticado e mais ambicioso. Sei que falar em
ambição, no caso de Giselda, é agredir um pouco à sua sensibilidade e à sua
leveza. Mas a sua ambição literária se fez exatamente contra a sua vontade, e
se fez exatamente a partir da sua discussão e da sutilidade com que dissemina
no texto que elabora as marcas inconfundíveis do seu tirocínio teórico.
Não raro nos seus textos, faz-se presente o
sistema literário e o contexto teórico em que insere o postulado das suas
recensões, as quais saltam aos olhos do leitor como testemunho da erudição da
autora. Não faz Giselda política de jornalismo literário tão-somente. Mais do
que isso, ela nos mostra o seu viés estético e as suas linhas maiores de
pesquisa em busca das formas supremas da arte literária.
A leitura para Giselda é um pretexto e não
uma contingência aleatória. E o texto de crítica que a autora elabora é mais
que uma instância comunicativa de acento verbal, pois nele se agrega igualmente
um valor e, não raro, um sentido filosófico e uma perspectiva ontológica muito
proveitosa. E esses traços, me parece, é tudo o que remarca o seu estilo e a
sua discussão, a sua engenharia lingüística e a sua busca incessante de
conhecimento.
Para Giselda Medeiros, a crítica literária é
metacriação e não apenas desvelamento e argúcia para com a intelecção do texto
literário. E dessa forma a autora nos vai revelando a poética da crítica
literária que empreende, isto é, faz da estética do seu texto o pano de fundo
das suas intenções e dos seus grandes acertos no campo literário.
O que destacar no seu novo livro? Creio que
tudo em Crítica Reunida está sincrônico com o pensamento literário de
Giselda e com a expectativa do leitor que dele se acerca. O livro condensa um
conjunto de recensões e ensaios de diversas épocas e oportunidades. Mas em
todos os textos reunidos, é possível vislumbrar a maturidade de Giselda
Medeiros, a sua argúcia literária, a sua austeridade acadêmica, o seu vigor
criativo e, acima de tudo, a sua possessão estilística e as marcas
inconfundíveis do seu talento e da sua indiscutível leveza, em busca das formas
puras da comunicação.
O rigor metodológico está presente em Crítica
Reunida como em nenhum outro livro de crítica publicado no Ceará nos
últimos anos. Existem no livro referências bibliográficas de monta, alinhamento
de uma bibliografia no final do volume e um índice onomástico que facilita em
muito a consulta de cada um dos textos ou a localização do discurso teórico no
qual Giselda apoiou as suas conclusões e ou seus pontos-de-vista.
Louvo, por fim, a decisão da autora de
assumir, de público, a maternidade desse novo gênero literário, e a decisão
também de incorporá-lo, definitivamente, ao estuário da sua multifacetada
visão. Giselda não é escritora de poucos recursos literários. É proprietária de
sonhos e de um patrimônio literário que todo o Ceará já aprendeu a cultuar. Que
seja assim também o destino e a recepção deste indispensável Crítica Reunida.
Dimas Macedo
Membro da Academia
Cearense de Letras