domingo, 15 de setembro de 2013

A CRÍTICA DE GISELDA MEDEIROS - DIMAS MACEDO



                         A expressão da crítica literária cearense e a sua inserção na cultura brasileira é uma das nossas tradições mais afortunadas. O pioneirismo de Rocha Lima (1855-1878) e do seu clássico Crítica e Literatura (São Luiz/MA, Typografia do Paiz, 1878) me parecem exemplos que se bastam a remarcar essa tradição e essa tenacidade, próprias da nossa inteligência criadora.
E como se isso não bastasse, Araripe Júnior, ainda no século dezenove, se encarregaria de dar à literatura brasileira o seu definitivo estatuto no terreno da crítica. E bem assim os rumos que esse gênero literário tomaria entre nós.
Depois, eu colocaria o papel relevante das Cartas Literárias (Rio, 1895) de Adolfo Caminha, o engenho crítico e a argúcia intelectiva de Frota Pessoa (Crítica e Polêmica, 1902), a essencialidade do exercício crítico de Braga Montenegro, as intuições estruturalistas de F. S. Nascimento e o recorte estético de acento indiscutivelmente teórico que permeia a produção de Pedro Paulo Montenegro.
A chamada crítica literária de formação acadêmica tem no Ceará se desenvolvido com algum desassombro. Lembro, aqui, os nomes de Linhares Filho, Batista de Lima, Lemos Monteiro e Sânzio de Azevedo, e ponho em destaque mais especificamente o nome deste último, que é, como sabemos, o maior historiador da nossa literatura. E trago à discussão também os nomes de alguns poetas que exerceram ou exercem, entre nós, a crítica literária de uma forma mais acentuada. Aluisio Medeiros, Francisco Carvalho e José Alcides Pinto entre esses nomes a que me refiro.
Agora, quem aspira a inscrever-se nessa tradição afortunada, é a escritora Giselda Medeiros, uma das mais argutas expressões da nossa intelectualidade e do nosso tirocínio cultural e acadêmico. E aspira a inscrever-se nessa tradição com a reunião, em livro, dos seus artigos de crítica, escritos nos últimos anos e pulverizados em diversos veículos da imprensa e em espaços outros onde se fez presente com a sua inteligência iluminada e a sua sensibilidade indiscutivelmente criativa.
Giselda já firmou definitivamente o seu nome como poetisa e já se revelou, de permeio, como uma das nossas contistas mais imaginosas. Contista da condição humana e do imponderável, onde Eros e Tanatos se abraçam. Poetisa também de escol, que paga tributo à lírica e à arte literária de qualidade estética relevante. Crítica Reunida é o livro da sua diversidade e do seu engenho sofisticado e mais ambicioso. Sei que falar em ambição, no caso de Giselda, é agredir um pouco à sua sensibilidade e à sua leveza. Mas a sua ambição literária se fez exatamente contra a sua vontade, e se fez exatamente a partir da sua discussão e da sutilidade com que dissemina no texto que elabora as marcas inconfundíveis do seu tirocínio teórico.
Não raro nos seus textos, faz-se presente o sistema literário e o contexto teórico em que insere o postulado das suas recensões, as quais saltam aos olhos do leitor como testemunho da erudição da autora. Não faz Giselda política de jornalismo literário tão-somente. Mais do que isso, ela nos mostra o seu viés estético e as suas linhas maiores de pesquisa em busca das formas supremas da arte literária.
A leitura para Giselda é um pretexto e não uma contingência aleatória. E o texto de crítica que a autora elabora é mais que uma instância comunicativa de acento verbal, pois nele se agrega igualmente um valor e, não raro, um sentido filosófico e uma perspectiva ontológica muito proveitosa. E esses traços, me parece, é tudo o que remarca o seu estilo e a sua discussão, a sua engenharia lingüística e a sua busca incessante de conhecimento.
Para Giselda Medeiros, a crítica literária é metacriação e não apenas desvelamento e argúcia para com a intelecção do texto literário. E dessa forma a autora nos vai revelando a poética da crítica literária que empreende, isto é, faz da estética do seu texto o pano de fundo das suas intenções e dos seus grandes acertos no campo literário.
O que destacar no seu novo livro? Creio que tudo em Crítica Reunida está sincrônico com o pensamento literário de Giselda e com a expectativa do leitor que dele se acerca. O livro condensa um conjunto de recensões e ensaios de diversas épocas e oportunidades. Mas em todos os textos reunidos, é possível vislumbrar a maturidade de Giselda Medeiros, a sua argúcia literária, a sua austeridade acadêmica, o seu vigor criativo e, acima de tudo, a sua possessão estilística e as marcas inconfundíveis do seu talento e da sua indiscutível leveza, em busca das formas puras da comunicação.
O rigor metodológico está presente em Crítica Reunida como em nenhum outro livro de crítica publicado no Ceará nos últimos anos. Existem no livro referências bibliográficas de monta, alinhamento de uma bibliografia no final do volume e um índice onomástico que facilita em muito a consulta de cada um dos textos ou a localização do discurso teórico no qual Giselda apoiou as suas conclusões e ou seus pontos-de-vista.
Louvo, por fim, a decisão da autora de assumir, de público, a maternidade desse novo gênero literário, e a decisão também de incorporá-lo, definitivamente, ao estuário da sua multifacetada visão. Giselda não é escritora de poucos recursos literários. É proprietária de sonhos e de um patrimônio literário que todo o Ceará já aprendeu a cultuar. Que seja assim também o destino e a recepção deste indispensável Crítica Reunida.

Dimas Macedo

Membro da Academia Cearense de Letras