domingo, 24 de janeiro de 2010


SONHAR É MEU OFÍCIO
Giselda Medeiros



Estou atada à âncora do sonho.
Sonhar é meu ofício,
mesmo sobre abismos.
Eu sonharei
entre as frias espadas do sofrimento
e o voo do pássaro do amor.


Sonhar é meu ofício.
Mesmo no silêncio das tocaias,
na estreiteza das veredas,
entre o uivar dos cães da ignorância
e o leve palpitar da rosa entreaberta,
eu sonharei.


Sonhar é meu ofício.
Mesmo que as lâmpadas da fé se apaguem
e gritos firam minha alma
na dança macabra da dor com suas mãos de antílope,
eu sonharei um sonho tão grande e belo
como o mar sob o farol das estrelas.


Sonhar é meu ofício.
Sempre. E depois,
quando etérea substância me envolver,
eu sonharei, ainda assim,
nos versos que compus.


E quando os leres, cheios de mim,
eu estarei sonhando
na voz silenciosa dos poemas
que estarão cheios de ti.

(Tempo das Esperas)

CANÇÃO PARA BUSCAR-TE
Giselda Medeiros
Deixarei que o vento perpasse
o meu ser e dele retire
teu nome, teu gesto, teu vulto
para que eu possa respirar.
Deixarei que as estrelas roubem
teu brilho e em seu olhar azul
prenda-o, assim verei luzir
uma outra vez o meu olhar.
E deixarei que o mar te alcance
com sua voz potente e rouca
para que eu possa ouvir em mim
a minha voz, já quase morta.
E deixarei que o tempo leve
a solidão que o teu silêncio
bordou nas fímbrias do meu ser,
naquela tarde que chovia.
E depois de tudo... ah! depois...
quero ver minha alma cansada
ainda assim te procurar,
sofregamente, e nada, nada
nada de ti reencontrar.
Talvez quem sabe não te achando,
desesperada, e louca, e tonta,
se volte para si, sonâmbula,
para encontrar-se, enfim, a sós.
Mas, como poderei achar-me
se não estiveres em mim?
pois é no teu caminho vago
que traço o meu destino andante
de estrela, de rio, de vento,
margeando sempre a solidão...
(Cantos Circunstanciais)
CONSAGRAÇÃO
Giselda Medeiros

Quando chegares

cansado das noites de vigília,

vem bater-me à porta.

Nesta soleira empoeirada,

encontrarás em pálido espanto

um coração tresloucado

sazonando de indormidas ilusões.

Um coração que não se mostra,

acorrentado qual Prometeu.

Vem. liberta-o da horrível solidão

(abutre que lhe carcome o sonho)

pois livre

há de tecer a liraAdicionar vídeo

e reacender a pira

para a consagração, enfim, do amor.

(Cantos Circunstanciais)