Dimas Macedo - Um Poeta Órfico
Giselda Medeiros
Estilo sóbrio,
vocabulário de densa beleza sugestiva fazem de Estrela de Pedra
(Brasília, Editora Códice, 1994), livro de poemas de Dimas Macedo, uma espécie
de talismã, a realçar as nossas emoções e viagens espirituais, integrando-as
numa perspectiva plural e criadora.
A tonalidade semântica
de seus versos, comprometida com a angústia existencial do homem, leva-nos a um
estado de perplexidade, e vemos, pari
passu, o onírico e o apelo social, o
metafisicismo e a reflexão mística, revelados pelo alto potencial de
expressionismo poético do autor.
No poema “Elegia”, há
uma reavaliação do mundo infanto-juvenil, permanentemente presente nas linhas
de flagrante nostalgia agônica, refletindo a essência lírico-dramática do menino-poeta,
de alma largamente sensível às complexidades do mundo. Esse mesmo quadro da
infância está presente também em “Espumas”, evocando o fascínio e o mistério
desse tempo mágico de seres e de cousas da natureza. É o rio da infância
correndo no leito de seu cotidiano a lembrar-lhe a quadra querida e, ao mesmo
tempo, a mostrar-lhe a desagregação dessa paisagem nostálgica. A seqüência
final do poema é um crescer em sonoridade até a explosão caótica da verdade
profética: e a ausência das águas desse Rio.
Em todo o poema
“Lavragem”, o poeta demonstra o cumprimento de percurso do seu
instrumental artístico, de seu artesanato de emoções, tudo isso em linguagem
poética de extrema sensibilidade, diante de gritante cosmoagonia.
Já no poema “Dilúvio”, pode-se
perceber um jogo de sensações provocadas por impressões internas e externas,
resvalando para uma ampla visão do real / irreal, o que nos leva a uma
perspectiva trágica e (por que não dizer?) profética da existência atribulada
do homem, extenuado por crises de angústia, de incessantes buscas, no seu
desarranjado universo humano.
Essa
expressão dos vastos mundos interiores do homem também está presente no poema
“Palavras”, sob a vestimenta de imagens, símbolos e alegorias, remetendo-nos a
uma explosão de sentidos e emoções, fortemente alinhados à riqueza da expressão
poética.
O confronto Eros /
Thanatos está presente no mundo lírico desse poeta, autor de Lavoura Úmida (Fortaleza,
Editora Oficina, 1990), conforme se vê nestes versos: A morte é um vendaval
e em tudo / (...) / meu corpo a fuga. Meu prazer o medo (“Mistério”).
Como ninguém / sei representar / e sei como morrer. (“Canção”). E a
morte se fez medo / onde lancei os dados / e ofertei os dedos / e afaguei...
(“Diário”). Mas é em “Metáforas” e “Banquete”, que o poeta deixa extravasar a
carga máxima de erotismo, em que a sonoridade e a sensualidade das palavras
exercem uma provocadora e natural disposição para o entendimento semântico de
expressões, como: Entre ostras e pêssegos eu bailo / e bêbedo / beijo o
frugal / das tuas algas. / E te possuo entre ostras e aspargos. / Entre vinhos
e pêssegos te consumo / e te presumo mar absoluto e furioso. E
todas essas imagens vêm pomposamente dispostas num jogo sinestésico visão /
paladar / olfato, movidas por vibrantes notas acústicas que nos envolvem e nos
seqüestram no seu labirinto poético.
No poema “Memória”, há
uma fluição de nostalgia, reforçada pela perda de sonhos e fantasias. Aliás, é
essa ausência de encantos que torna o homem um angustiado habitante de sua
própria existência: E na vertigem do caos, / deliberadamente, / eu me deixei
flutuar / entre as minhas espadas sorridentes.
Enfim, é todo um rio de metáforas o livro Estrela de Pedra, em que o poeta mantém
uma varinha mágica, com a qual nos vai tocando e acendendo emoções inusitadas.
Sentimo-lo como um Midas, transformando em Poesia tudo o que entra em contato
com sua pena de artesão, fecunda pena, misteriosa pena, cosmovisão do eterno e
do efêmero fazer poético de Dimas Macedo, um dos mais brilhantes vates da
literatura cearense.
Tudo o que foi
dito acerca de Estrela de Pedra, pode ser conferido, se feita uma
viagem através de suas páginas de vibrante poesia. E vale a pena conferir, caro
leitor. Deixo-lhe, portanto, o prazer dessa comprovação.
(do Livro Crítica Reunida)