domingo, 21 de fevereiro de 2010

INTERAÇÃO - Giselda Medeiros




Buscas, além, no infindo espaço, aquela
que, em luz, te banhe a fronte esmaecida,
a fronte que se alteia e chora e vela
a amada estrela, a luz da tua vida.

Persegue-a com a exaustão que te esfacela
a rima, o canto, o choro, o verso, a lida,
até o vazio imenso – a sentinela
do sonho que, em teu peito, se lapida.

Assim, também, sigo buscando o amor,
aquele que à minha alma, alegre, cante
uma canção que transfigure a dor.

Não vês? Iguais, então, são nossas dores,
igual, nossa paixão eletrizante
em procurar a luz desses amores...

A CANÇÃO DOS ESPELHOS - Giselda Medeiros




Na lâmina dos espelhos
o teu olhar de beduíno
crestou-me os caminhos.
Os olhos vermelharam espigas
e espigas pariram grãos.

Na noite vigiei-te os passos
que iam e vinham
no doce mistério de secar os grãos
nesse intróito dos rituais
(lira incendiada de sol)
que a noite sonha conquistar.

Na lâmina dos espelhos
o meu olhar (harpa desafinada)
dilacerava-se em notas
para alimentar a canção andarilha
de tuas carnes
- ofertório, loucura, tempestade -
na noite do meu silêncio
posto na alvura das dunas
a refletir-se na lâmina dos espelhos...

Meus olhos ficaram cegos,
ficaram cegos os teus,
cúmplices da geometria
ambígua daquele adeus

A TRAVESSIA - Giselda Medeiros




Não sei onde deixei meu barco.
Na linha do horizonte, há teias que me confundem,
E há fuligem e pátina no cais onde me encontro.
Miro o oceano. Azul... Esmeralda...
Confundem-se em mim mar e firmamento,
Dor e alegria,
Melancolia e excitação,
Vontade de partir, desejos de ficar...
Mas, ir para onde?
Ficar, para quê?
De repente, o vento tange uma ária de Bach...
E, dispersas pelo espaço azul,
As nuvens dançam seu balé aéreo.
O passado distingue Isolda, O Lago dos Cisnes...
Principio a esvoaçar com as etéreas bailarinas,
Tão brancas e tão leves,
Tão únicas e múltiplas... sem começo, meio e fim.
Ah, saudades dos sonhos
Enfiados nas sapatilhas róseas!
Do brilho das finas saias,
Rodopiando, rodopiando...
E a bailarina, então, se alçava,
Quase levitando, livre, lépida, linda...

O vento. O vento me sacode...
A Realidade. A Travessia. La Traviata!
Meus Deus, a Travessia!

Ao longe, um barco...
Só de espumas é seu rastro.
Imóvel, o vejo sumir.
Não há mais rastro nem espuma.
Um ponto flutuante, apenas,
Longe, longe...

O Príncipe e sua Palavra - Giselda Medeiros


Para Artur Eduardo Benevides

A ti, ó Príncipe da Poesia,
meu louvor, feito prece,
feito estrela, e arco-íris
no céu de nossa amizade.
Glória a ti, ó deus sagrado da palavra,
essa força dionisíaca,
que em ti habita e rumoreja,
para resplandecer bela
no coração de teus súditos.
Abençoado sejas, ó Príncipe
Divino da Poesia,
em todos os séculos dos séculos,
por saberes espalhar sementes da palavra
grávida de Poesia!