FAÇA TAMBÉM A SUA ESCOLHA PARA 2013
sexta-feira, 28 de dezembro de 2012
domingo, 16 de dezembro de 2012
É TEMPO DE NATAL! VIVAMO-LO!!!
Natal
Dimas
Macedo
Os
Sinos de Natal
são cristalinos
testemunhos de Deus
e fazem bem.
Os Sinos de Natal
nas Torres de Belém
tocam matinas de luz
para um menino.
Nos Sinos de Natal
bronzes divinos
se fundem
e fazem hinos de amor
ao Santo Graal.
Nos Sinos de Natal
a minha infância adolesce
e em seus badalos de ouro
eu ponho a minha prece.
Ouço Jesus falando
em suas partituras.
Teço escrituras de luz
às notas musicais
dos Sinos de Belém.
quarta-feira, 5 de dezembro de 2012
POESIA
MOTIVOS
Giselda Medeiros
Sinto-me renascer, se te
contemplo,
ó poeta, mesmo
quando finges
esse pasmo
indefinível suspenso em tua fronte
– espelho que te
mostra a lágrima
geratriz
de incansáveis solidões.
Inútil
o gesto, inútil o grito e a tristeza de Narciso:
o
espelho não reflete nada senão a lágrima.
A
face te revela o que não queres decifrar:
a
inexorável corrida do tempo à espera de ninguém.
Lembra-te,
no entanto, poeta,
de
que há cânticos celebrando a passagem dos sóis
e
o lento alvoroço das auroras
despencadas
das paredes onde as puseste
ou
o sono dos ocasos dormindo em teus lençóis.
(do livro ÂNFORA DE SOL)_
sexta-feira, 23 de novembro de 2012
JOSÈ ALVES FERNANDES REVERENCIADO NA ACADEMIA CEARENSE DA LÍNGUA PORTUGUESA
Noite de muita emoção pra nós que testemunhamos hoje a imortalidade do caráter, da terna coragem, da inteligência e do compromisso do nosso amado José Alves Fernandes com a língua pátria e com a educação. Sei que estava conosco hoje nos corredores da mais antiga Academia de Letras do Brasil, a nossa, Cearense, na posse das novas acadêmicas da Academia Cearense da Língua Portuguesa (Maria Luísa Bonfim, Regine Limaverde e Ana Paula Medeiros) . Muito choro de saudade e emoção, mas sobretudo de alegria por saber que a cadeira de meu pai agora é ocupada pela filha de sua grande amiga Giselda Medeiros, a valorosíssima também Profª. Dra. Ana Paula Medeiros. Eu e minha filha Camila testemunhamos esse grande momento há poucas horas e compartilhamos com carinho. No cemitério não fiquei tão emocionada porque ali estava sendo enterrado o corpo do meu pai, mas hoje minha alma feliz e saudosa reencontrava seu espírito impregnado naquele ambiente de tantas lembranças felizes, de cultura, de arte e na presença viva dos amigos e companheiros de tantas jornadas pelo encantado reino das palavras e da intelectualidade cearense.
KARLA KARENINA ALVES FERNANDES
22/11/2012
sexta-feira, 16 de novembro de 2012
GISELDA MEDEIROS EM "ÂNFORA DE SOL"
O ENCONTRO DAS MÃOS
Postas
sobre o silêncio da mesa,
nossas
mãos são como pássaros
querendo
bicar o azul de um sonho adormecido.
A
melodia do ar açoita-lhes as plumas,
macios
desejos de voar.
Qual
pássaro, tua mão pousa sobre a minha
e
grita o silêncio que há em mim.
E
eu querendo dizer-te da beleza das auroras...
Mas
meu lábio mudo geme fagulhas de palavras,
para
a lavratura do incêndio iminente.
De
súbito, elas se erguem imantadas
e,
atraídas, nossas mãos se juntam,
ajustam-se
entrelaçadas.
Como
pálpebras, vão-se fechando, lentamente,
conchas
silentes,
na
agonia do instante entre o gesto e o olhar
suspensos
na palavra que não é dita,
mas
sentida,
nos
fragmentos dos espelhos
de
nossa memória.
atiçam-nos as vértebras, músculos e nervos,
e sangram desejos
na geometria de nossos dedos unidos.
GISELDA MEDEIROS
sexta-feira, 9 de novembro de 2012
Clarice Vianna Silva, 26, estudante da Faculdade de Direito da UFRJ, Premiada em Concurso pela UNESCO,
SERÁ QUE A GLOBO VAI FAZER UMA ENTREVISTA COM ESSA ESTUDANTE?
SERÁ QUE A NOSSA PRESIDENTE VAI LHE DAR ALGUMA CONDECORAÇÃO? ELA IRÁ GANHAR BOLSA
DE ESTUDOS? VAMOS VER...
REDAÇÃO DE ESTUDANTE CARIOCA VENCE CONCURSO DA UNESCO COM
50.000 PARTICIPANTES
Tema:'Como vencer a pobreza e a desigualdade'
Por Clarice Zeitel Vianna Silva
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro - Rio de
Janeiro - RJ
'PÁTRIA MADRASTA VIL'
Onde já se viu tanto excesso de falta?
Abundância de inexistência...
Exagero de escassez...
Contraditórios?
Então aí está!
O novo nome do nosso país!
Não pode haver sinônimo melhor para BRASIL.
Porque o Brasil nada mais é do que o excesso de falta de
caráter, a abundância de inexistência de solidariedade, o exagero de escassez
de responsabilidade.
O Brasil nada mais é do que uma combinação mal engendrada -
e friamente sistematizada - de contradições.
Há quem diga que 'dos filhos deste solo és mãe gentil', mas
eu digo que não é gentil e, muito menos, mãe.
Pela definição que eu conheço de MÃE, o Brasil, está mais
para madrasta vil.
A minha mãe não 'tapa o sol com a peneira.'
Não me daria, por exemplo, um lugar na universidade sem
ter-me dado uma bela formação básica.
E mesmo há 200 anos atrás não me aboliria da escravidão se
soubesse que me restaria a liberdade apenas para morrer de fome. Porque a minha
mãe não iria querer me enganar, iludir.
Ela me daria um verdadeiro Pacote que fosse efetivo na
resolução do problema, e que contivesse educação + liberdade + igualdade. Ela
sabe que de nada me adianta ter educação pela metade, ou tê-la aprisionada pela
falta de oportunidade, pela falta de escolha, acorrentada pela minha
voz-nada-ativa.
A minha mãe sabe que eu só vou crescer se a minha educação
gerar liberdade e esta, por fim, igualdade.
Uma segue a outra...
Sem nenhuma contradição!
É disso que o Brasil precisa: mudanças estruturais,
revolucionárias, que quebrem esse sistema-esquema social montado; mudanças que
não sejam hipócritas, mudanças que transformem!
A mudança que nada muda é só mais uma contradição.
Os governantes (às vezes) dão uns peixinhos, mas não ensinam
a pescar.
E a educação libertadora entra aí.
O povo está tão paralisado pela ignorância que não sabe a
que tem direito.
Não aprendeu o que é ser cidadão.
Porém, ainda nos falta um fator fundamental para o alcance
da igualdade: nossa participação efetiva; as mudanças dentro do corpo
burocrático do Estado não modificam a estrutura.
As classes média e alta - tão confortavelmente situadas na
pirâmide social - terão que fazer mais do que reclamar (o que só serve mesmo
para aliviar nossa culpa)...
Mas estão elas preparadas para isso?
Eu acredito profundamente que só uma revolução estrutural,
feita de dentro pra fora e que não exclua nada nem ninguém de seus efeitos,
possa acabar com a pobreza e desigualdade no Brasil.
Afinal, de que serve um governo que não administra?
De que serve uma mãe que não afaga?
E, finalmente, de que serve um Homem que não se posiciona?
Talvez o sentido de nossa própria existência esteja ligado,
justamente, a um posicionamento perante o mundo como um todo. Sem egoísmo.
Cada um por todos.
Algumas perguntas, quando auto-indagadas, se tornam
elucidativas.
Pergunte-se: quero ser pobre no Brasil?
Filho de uma mãe gentil ou de uma madrasta vil?
Ser tratado como cidadão ou excluído?
Como gente... Ou como bicho?
Clarice Zeitel Vianna Silva, 26, estudante que termina
Faculdade de Direito da UFRJ em julho, concorreu com outros 50 mil estudantes
universitários. Ela acaba de voltar de Paris, onde recebeu um prêmio da
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO)
por uma redação sobre 'Como vencer a pobreza e a desigualdade.' A redação de
Clarice intitulada 'Pátria Madrasta Vil' foi incluída num livro, com outros cem
textos selecionados no concurso. A publicação está disponível no site da
Biblioteca Virtual da UNESCO.
É FESTA NA UBT - IZO GOLDMAN COMEMORA 80 ANOS
06 de novembro de 2012 é uma data mais do que especial, porque marca os oitenta anos de vida de Izo Goldman. Torna-se impossível, no Brasil, falarmos de trova sem associarmos a imagem do Mestre Izo. Como autor, esplêndido! Como trabalhador pela Trova, indescritível!
Figura contestada por muitos? Sim! E ele sabe disso, mais do que qualquer um. Porque seu estilo é único. Intransigente a respeito do que considera o melhor para a UBT e a Trova, esse seu jeito polêmico já lhe valeu muitas quizílias. Por outro lado, é idolatrado por outra parte de trovadores que veem nele um “Papa da Trova”.
As histórias sobre ele são muitas. Uma delas eu presenciei. Foi em um dos últimos Jogos Florais realizados em Amparo/SP, sob a coordenação da poeta Eliana Dagmar. Izo perguntou-lhe: “Eliana, vai ter palestra em trovas?” Eliana respondeu que não, pois não houvera tempo hábil para preparar uma. Izo sugeriu: “Se quiser, posso apresentar a palestra pra você”. Ao que ela retrucou, perguntando qual seria o tema. Resposta do Izo: “O tema que você quiser. Basta escolher”.
À noite, durante a solenidade, ele apresentou uma belíssima palestra em trovas (uma de suas marcas registradas), de improviso, fazendo uso de sua prodigiosa memória para enriquecer a apresentação com trabalhos de autores os mais diversos, cada qual mais primoroso que o outro. Resumo: a apresentação foi tão bem sucedida que a direção da Unimed Amparo (que patrocinava o evento) convidou-o a voltar, semanas depois, à cidade, para proferir outra palestra, aos membros da instituição.
Mas… quem é Izo Goldman, afinal? IZO GOLDMAN, filho de Alberto e Esperança, nascido em Porto Alegre em 06 de novembro de 1932, está na Trova desde 1972, levado por Magdalena Léa, em Niterói. Em 1976 transferiu-se para a capital paulista, onde reativou a Seção da UBT/SP e criou o tradicional “Boletim Informativo”. “Magnífico Trovador” por Nova Friburgo, “Notável Trovador” por Pouso Alegre, também já foi presidente estadual da UBT São Paulo, e Secretário da UBT Nacional, entre outros cargos. Padrinho de fundação da UBT, seção de Pindamonhangaba, a cujos festejos tem comparecido quase todos os anos. Lançou em 2008 o livro “Trovas de quem ama a Trova”, cujo título, por si, é o cartão de apresentação do autor. Amado por uns, odiado por outros, pouco importa: seu estilo contundente é inconfundível, em defesa daquela que é sua maior paixão na vida: a TROVA! Juntamente com os cumprimentos deste colunista, transcrevemos, abaixo, para deleite dos leitores, algumas de suas obras-primas:
Figura contestada por muitos? Sim! E ele sabe disso, mais do que qualquer um. Porque seu estilo é único. Intransigente a respeito do que considera o melhor para a UBT e a Trova, esse seu jeito polêmico já lhe valeu muitas quizílias. Por outro lado, é idolatrado por outra parte de trovadores que veem nele um “Papa da Trova”.
As histórias sobre ele são muitas. Uma delas eu presenciei. Foi em um dos últimos Jogos Florais realizados em Amparo/SP, sob a coordenação da poeta Eliana Dagmar. Izo perguntou-lhe: “Eliana, vai ter palestra em trovas?” Eliana respondeu que não, pois não houvera tempo hábil para preparar uma. Izo sugeriu: “Se quiser, posso apresentar a palestra pra você”. Ao que ela retrucou, perguntando qual seria o tema. Resposta do Izo: “O tema que você quiser. Basta escolher”.
À noite, durante a solenidade, ele apresentou uma belíssima palestra em trovas (uma de suas marcas registradas), de improviso, fazendo uso de sua prodigiosa memória para enriquecer a apresentação com trabalhos de autores os mais diversos, cada qual mais primoroso que o outro. Resumo: a apresentação foi tão bem sucedida que a direção da Unimed Amparo (que patrocinava o evento) convidou-o a voltar, semanas depois, à cidade, para proferir outra palestra, aos membros da instituição.
Mas… quem é Izo Goldman, afinal? IZO GOLDMAN, filho de Alberto e Esperança, nascido em Porto Alegre em 06 de novembro de 1932, está na Trova desde 1972, levado por Magdalena Léa, em Niterói. Em 1976 transferiu-se para a capital paulista, onde reativou a Seção da UBT/SP e criou o tradicional “Boletim Informativo”. “Magnífico Trovador” por Nova Friburgo, “Notável Trovador” por Pouso Alegre, também já foi presidente estadual da UBT São Paulo, e Secretário da UBT Nacional, entre outros cargos. Padrinho de fundação da UBT, seção de Pindamonhangaba, a cujos festejos tem comparecido quase todos os anos. Lançou em 2008 o livro “Trovas de quem ama a Trova”, cujo título, por si, é o cartão de apresentação do autor. Amado por uns, odiado por outros, pouco importa: seu estilo contundente é inconfundível, em defesa daquela que é sua maior paixão na vida: a TROVA! Juntamente com os cumprimentos deste colunista, transcrevemos, abaixo, para deleite dos leitores, algumas de suas obras-primas:
sábado, 3 de novembro de 2012
APRENDA SOBRE A VIDA COM ESSA ENTREVISTA !
Coma os morangos
Rubem Alves: "Jovem não fala retrato, fala
foto.
Tenho que escrever rápido porque
não
sei quando vou
partir"
- “Tempus fugit”. Portanto, “carpe diem”. O
tempo voa. Então, colhamos o dia. Vivamos o momento, pois envelhecer é só
canseira e enfado. É como a luz do crepúsculo, que vai se transformando rápida e
melancolicamente, até o mergulho final na escuridão da noite. O pior da velhice,
entretanto, é que as pessoas passam a nos tratar por diminutivos, como fazem com
as crianças. “Você está doentinho?” “Quer um docinho?” É humilhante.
Essas imagens sobre o envelhecer são descritas
pelo escritor, psicanalista e teólogo Rubem Alves em seu livro “Pimentas - Para
Provocar Um Incêndio Não É Preciso Fogo” (Planeta), no qual trata dessa “fase
crepuscular” da vida com poesia, ironia e melancolia. São 74 fragmentos sobre
temas variados — educação, política, poesia, céu e inferno e passagens curiosas
do Antigo Testamento — de um autor que completou 79 anos em setembro.
Ele soa um pouco triste ao telefone, falando da
varanda de seu apartamento, na cidade de Campinas. “O tempo me foge. Não tenho
mais tempo para escrever um romance. Não tenho mais tempo para escrever uma
coisa com começo, meio e fim. ‘Pimentas’ é uma coleção de fragmentos - sou um
retratista. Outra palavra que revela idade.”
Leia abaixo a entrevista na íntegra.
Valor: O senhor conta no livro
um episódio engraçado sobre um “flerte” no metrô que não terminou como gostaria.
Como foi isso?
Rubem Alves: Eu descobri que
estava velho numa situação surpreendente. Isso foi há vinte anos. Estava em São
Paulo, peguei o metrô, estava lotado. Eu era jovem, pernas fortes, segurei no
balaústre e comecei a olhar para os rostos das pessoas. Rostos contam histórias.
Olhando para as pessoas você pode imaginar contos, muitas coisas. Eu estava ali,
imaginando as crônicas que poderia escrever, quando vi uma moça me olhando com
mansidão, quase com ternura. Eu fiquei comovido com aquele olhar. Eu olhava para
ela, ela olhava para mim. Percebi que ela devia estar comovida com a minha
presença. Houve um momento de suspensão romântica. Pensei: manchete do meu conto
— ‘Rubem Alves encontra inesperadamente no metrô o grande amor de sua vida’.
Comecei a ter fantasias. Foi nesse momento que ela me fez um gesto de carinho.
Ela se levantou e me ofereceu o lugar. Quando ela fez isso, é como se dissesse
para mim: o senhor (certamente ela estava pensando em senhor, não em você) não
pertence ao meu mundo. O senhor deve ter pernas bambas. Naquele instante eu
percebi que estava perto dela, mas estava muito longe dela. Ela era uma moça e
eu era um velho. A partir dali o tema da velhice começou a ser importante para
mim. Comecei a prestar atenção no que acontece com as pessoas quando elas se
descobrem velhas. Fiz então uma série de observações sobre isso.
"A percepção é que a hora de partir está
chegando.
O crepúsculo é essa consciência de
que o tempo passa rapidamente,
a vida passa rapidamente."
Valor: Cite algumas.
Alves: A gente é velho quando
as moças nos oferecem lugar no metrô. A gente é velho quando uma moça lhe dá o
braço para ajudar a subir a escada e você tem que aceitar a delicadeza. Eu agora
tenho que ter cuidado, tenho que olhar pro chão e medir os meus passos. Coisas
que eram naturais - andar, subir escada, descer escada - coisas simples passam a
não ser mais.
Valor: Mas o senhor não está
se concentrando muito no aspecto físico do envelhecimento?
Alves: É, mas o olhar das
pessoas também muda.
Valor: O que muda nesse
olhar?
Alves: Você deixa de ser o
homem másculo, viril, objeto de contemplação das jovens, e passa a ser um ser
crepuscular. O que é o crepúsculo? Nele, o tempo passa muito mais rápido. Neste
instante, eu estou sentado aqui na minha varanda, o céu está muito azul, o tempo
está parado. Assim é a juventude — na juventude, o tempo para. Mas quando chega
o crepúsculo, começa a haver transformações rápidas no céu. Rapidamente, as
cores vão se alterando, o azul fica verde, o verde fica amarelo, amarelo fica
abóbora, abóbora fica vermelho, o sol está se pondo, tudo fica roxo e logo o céu
está mergulhado na escuridão. A percepção é que a hora de partir está chegando.
O crepúsculo é essa consciência de que o tempo passa rapidamente, a vida passa
rapidamente.
"Uma das coisas da velhice é o
cansaço.
Dá uma canseira de viver, sabe?
Deus quer, o homem sonha, a obra
nasce.
Mas a gente não tem mais
disposição
para fazer a obra nascer."
Valor: O senhor cita numa das
crônicas o livro de Eclesiastes, quando fala do envelhecer como os anos nos
quais o homem não encontra mais prazer nenhum.
Alves: Sim, a gente descobre
que o tempo é curto. Aqui na minha varanda tem duas frases que mandei gravar em
madeira - Tempus Fugit. Se o tempo foge, eu preciso correr. Então mandei gravar
Carpe Diem, colha o dia. Viva o momento. Mas isso dá uma tristeza na
gente.
Valor: Envelhecer também não é
sobre perder a capacidade de sonhar? A sua escrita, contudo, revela uma pessoa
que não perdeu essa capacidade. Que sonhos o senhor tem cultivado?
Alves: Tem uma frase de
Fernando Pessoa que diz assim - Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. Talvez
essa pressa em produzir tenha a ver com essa sensação de que os dias passam
muito rapidamente . Comecei a ler esses dias um livro enorme de John dos Passos,
um livro monumental. Eu não tenho mais tempo para escrever livros enormes. O
tempo me foge. Não tenho mais tempo para escrever um romance. Não tenho mais
tempo para escrever uma coisa com começo, meio e fim. “Pimentas” é uma coleção
de fragmentos - sou um retratista. Olha aí, eu já disse uma palavra que revela a
idade. Jovem não fala retrato, fala foto. Eu tenho que escrever rápido porque
não sei quando é que vou partir.
"Agora, a felicidade aqui da minha
varanda
é ver os ipês, que teimam em
florescer.
Para florescer eles têm que perder todas as
folhas.
Árvore pelada, na cabeça da gente,
está se preparando para morrer.
Mas em vez de morrer o que os ipês
fazem?
Eles florescem."
Valor: O senhor parece
cansado.
Alves: Uma das coisas da
velhice é o cansaço. Dá uma canseira de viver, sabe? Deus quer, o homem sonha, a
obra nasce. Mas a gente não tem mais disposição para fazer a obra nascer. A
gente tem que agarrar o que resta. Gosto de contar a história de um homem que ia
caminhando pela floresta, a mata estava escura. De repente, ele ouve o rugido de
um leão e sai correndo, mas como está escuro ele cai num precipício. Ele se
agarra a um galho preso no abismo, olha para cima, o leão, para baixo, o abismo;
então ele nota que bem à sua frente está brotando um galho com uma fruta
vermelha. É um morango. Ele estende o braço e come o morango e se delicia. As
pessoas perguntam - qual o final da história? O homem caiu? E eu respondo, não
tem final, é só isso mesmo. Você não entendeu? Quem está pendurado sobre o
abismo sou eu, é você , todos estamos sobre o abismo, portanto, o que nos resta
a fazer é comer os morangos.
Valor: E quais são os morangos
que o senhor tem apreciado atualmente?
Alves: São coisas pequenas,
simples. Ontem, por exemplo, ouvi pela internet a Pour Elise, de Beethoven,
tocada num órgão feito de taças de cristal, um som inesperado, que vai surgindo
aos poucos. Qual é a importância disso? Nenhuma! Mas me feliz naquele
momento.
Valor: Na realidade, não
deveríamos viver sempre desse jeito, ter essa capacidade de tirar alegria de
coisas pequenas?
Alves: O Guimarães Rosa tem
uma frase verdadeira: alegria, só em raros momentos de distração. Agora, a
felicidade aqui da minha varanda é ver os ipês, que teimam em florescer. Para
florescer eles têm que perder todas as folhas. Árvore pelada, na cabeça da
gente, está se preparando para morrer. Mas em vez de morrer o que os ipês fazem?
Eles florescem. No livro conto a história de uma escola que organizou uma
exposição de desenhos dos alunos sobre coisas que escrevi. A professora
perguntou para as crianças: quem é Rubem Alves? E uma menina respondeu: Rubem
Alves é um homem que gosta de ipês amarelos. Isso é muito comovente.
Valor: Algumas crônicas falam
sobre educação, de uma maneira crítica, e da proximidade entre velhos e
crianças. “As crianças nos salvam de um envelhecimento triste.”
Alves: Os avós estão mais
próximos dos netos que os pais. Os pais ficam preocupados em colocar o filho em
escola forte, para passar no maldito vestibular. É uma perda de tempo isso, as
escolas não ensinam a sabedoria da vida, e os avós não têm tanto essa
preocupação com desempenho. A alma dos velhos é muito parecida com a alma das
crianças.
"Quem tem muitas vinganças a
realizar
faz mosaicos de infernos, diz o
[filósofo Gaston] Bachelard.
Deus não tem vingança
nenhuma a realizar.
Se é que Deus existe.
Deus não pune nada,
vai punir o quê?"
Valor: Nos fragmentos, o
senhor fala também sobre céu e inferno. Uma frase que me chamou a atenção é: “É
inimaginável que um Deus de amor castigue com sofrimentos eternos pecados que
foram cometidos no tempo”. Qual a sua ideia de inferno?
Alves: São Tomás de Aquino tem
uma frase horrenda que diz que “Deus e os salvos contemplam, dos céus, os
condenados, dos estertores da sua agonia, para que sua alegria se cumpra”. Quem
foi que criou o inferno? Não foi o diabo. Se Deus é onipotente, então o inferno
é produto da vontade de Deus. Eu já acreditei nisso, sabe? Já perdi o sono por
causa disso. Quem tem muitas vinganças a realizar faz mosaicos de infernos, diz
o [filósofo Gaston] Bachelard. Deus não tem vingança nenhuma a realizar. Se é
que Deus existe. Deus não pune nada, vai punir o quê? Um pobre mortal que foi
enrolado pelas artimanhas da estupidez humana? Acreditar que o universo tem essa
dimensão de vingança? Deus não está se vingando de seus desafetos. Além disso,
os pecados humanos são cometidos no tempo — por uma pessoa que vai viver
setenta, oitenta anos. E o inferno é por toda a eternidade, é para sempre. Se eu
fosse Deus mandaria um castigo para todas as pessoas que pensaram essas coisas
horríveis de mim. O mesmo castigo que aconteceu entre o povo de Israel e os
filisteus lá no Velho Testamento. Ele castigou com uma praga terrível — todos os
filisteus ficaram tomados de hemorróidas. Numa região que não tinha nem um
riachinho onde pudessem se refrescar.
Valor: O senhor cita esse e
outros episódios muito esquisitos do Antigo Testamento. Um deles é sobre o
profeta Eliseu, amigo de Elias.
Alves: O que tem de maluquice
no Velho Testamento, de maldade... O profeta Eliseu era discípulo de Elias.
Eliseu era vaidoso e tinha muita raiva por ser careca. Mas ele era muito
poderoso. Um dia, Eliseu estava caminhando pela estrada e vinham em sua direção
42 crianças, que começaram a rir dele. Sabe o que ele fez? Ele invocou o poder
de Jeová, que fez sair do mato duas ursas que devoraram as crianças. E o
profeta, sem se comover com isso, simplesmente continuou a sua caminhada. Não
fez nada para defendê-las. Tá lá na Bíblia.
"As mudanças vêm de dentro, quando alguma coisa começa a
operar dentro da gente e a gente
começa a perceber os absurdos."
Valor: É difícil convencer as
pessoas que o Deus do Antigo Testamento é o mesmo do Novo Testamento?
Alves: Ah, eu não tento mais
convencer ninguém de nada. As pessoas acreditam no que querem acreditar. As
mudanças vêm de dentro, quando alguma coisa começa a operar dentro da gente e a
gente começa a perceber os absurdos. Tem que separar o trigo do joio. Na Bíblia
tem coisas lindas - o Senhor é meu pastor, nada me faltará, conduz-me por águas
tranquilas.. Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte não temerei mal
algum porque tu estás comigo ...
Valor: Pura poesia.
Alves: Poesia. Veja o que
aconteceu bem agora. Aqui na minha varanda, acabo de ouvir um barulho. Olhei e
vi que tinha entrado uma cigarra pela janela. Você sabe que as cigarras são
seres subterrâneos, elas vivem nas raízes das árvores. Elas não veem nada. Mas
há um momento em que alguma coisa diz para esses seres subterrâneos: cigarra,
está na hora de se transformar num ser alado. Então elas saem da terra, sobem o
tronco das árvores, tiram a casca dura que as envolve e ganham asas. Daí elas
cantam, cantam, cantam. Cantam para quê? Para celebrar o amor, para chamar os
machos. Depois de realizar o amor, elas esperam a morte.
Valor: Por que razão o senhor
terminou um livro tão poético com um assunto tão árido quanto a diabetes?
Alves: Para chamar a atenção
dos diabéticos para o fato de que eles e eu estamos pendurados sobre o abismo e
vai chegar a nossa hora. E por isso a gente precisa tomar cuidado, a menos que
você queira morrer. Para dizer às pessoas que vivam bem. Cuidem da vida, não vão
comer bombom, porque bombom é bom, mas melhor é ficar vivo.
--------------------
Reportagem
Por Marília Camargo Cesar | Valor
domingo, 14 de outubro de 2012
SALVEMOS O PROFESSOR!
Verdades sobre a Profissão de Professor
Paulo Freire
Ninguém nega o valor da educação e que um bom professor é imprescindível. Mas, ainda que desejem bons professores para seus filhos, poucos pais desejam que seus filhos sejam professores. Isso nos mostra o reconhecimento que o trabalho de educar é duro, difícil e necessário, mas que permitimos que esses profissionais continuem sendo desvalorizados. Apesar de mal remunerados, com baixo prestígio social e responsabilizados pelo fracasso da educação, grande parte resiste e continua apaixonada pelo seu trabalho. A data é um convite para que todos, pais, alunos, sociedade, repensemos nossos papéis e nossas atitudes, pois com elas demonstramos o compromisso com a educação que queremos. Aos professores, fica o convite para que não descuidem de sua missão de educar, nem desanimem diante dos desafios, nem deixem de educar as pessoas para serem “águias” e não apenas “galinhas”. Pois, se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a sociedade muda.
Paulo Freire
Ninguém nega o valor da educação e que um bom professor é imprescindível. Mas, ainda que desejem bons professores para seus filhos, poucos pais desejam que seus filhos sejam professores. Isso nos mostra o reconhecimento que o trabalho de educar é duro, difícil e necessário, mas que permitimos que esses profissionais continuem sendo desvalorizados. Apesar de mal remunerados, com baixo prestígio social e responsabilizados pelo fracasso da educação, grande parte resiste e continua apaixonada pelo seu trabalho. A data é um convite para que todos, pais, alunos, sociedade, repensemos nossos papéis e nossas atitudes, pois com elas demonstramos o compromisso com a educação que queremos. Aos professores, fica o convite para que não descuidem de sua missão de educar, nem desanimem diante dos desafios, nem deixem de educar as pessoas para serem “águias” e não apenas “galinhas”. Pois, se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a sociedade muda.
terça-feira, 9 de outubro de 2012
domingo, 7 de outubro de 2012
CECÍLIA MEIRELES
A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la. A inclinação do sol vai marcando outras sombras; e os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua vida para a primavera que chega.
Finos clarins que não ouvimos devem soar por dentro da terra, nesse mundo confidencial das raízes, — e arautos sutis acordarão as cores e os perfumes e a alegria de nascer, no espírito das flores.
Há bosques de rododendros que eram verdes e já estão todos cor-de-rosa, como os palácios de Jeipur. Vozes novas de passarinhos começam a ensaiar as árias tradicionais de sua nação. Pequenas borboletas brancas e amarelas apressam-se pelos ares, — e certamente conversam: mas tão baixinho que não se entende.
Oh! Primaveras distantes, depois do branco e deserto inverno, quando as amendoeiras inauguram suas flores, alegremente, e todos os olhos procuram pelo céu o primeiro raio de sol.
Esta é uma primavera diferente, com as matas intactas, as árvores cobertas de folhas, — e só os poetas, entre os humanos, sabem que uma Deusa chega, coroada de flores, com vestidos bordados de flores, com os braços carregados de flores, e vem dançar neste mundo cálido, de incessante luz.
Mas é certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação.
Algum dia, talvez, nada mais vai ser assim. Algum dia, talvez, os homens terão a primavera que desejarem, no momento que quiserem, independentes deste ritmo, desta ordem, deste movimento do céu. E os pássaros serão outros, com outros cantos e outros hábitos, — e os ouvidos que por acaso os ouvirem não terão nada mais com tudo aquilo que, outrora se entendeu e amou.
Enquanto há primavera, esta primavera natural, prestemos atenção ao sussurro dos passarinhos novos, que dão beijinhos para o ar azul. Escutemos estas vozes que andam nas árvores, caminhemos por estas estradas que ainda conservam seus sentimentos antigos: lentamente estão sendo tecidos os manacás roxos e brancos; e a eufórbia se vai tornando pulquérrima, em cada coroa vermelha que desdobra. Os casulos brancos das gardênias ainda estão sendo enrolados em redor do perfume. E flores agrestes acordam com suas roupas de chita multicor.
Tudo isto para brilhar um instante, apenas, para ser lançado ao vento, — por fidelidade à obscura semente, ao que vem, na rotação da eternidade. Saudemos a primavera, dona da vida — e efêmera.
***
(Texto extraído do livro "Cecília Meireles - Obra em Prosa - Volume 1", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1998, pág. 366)
Finos clarins que não ouvimos devem soar por dentro da terra, nesse mundo confidencial das raízes, — e arautos sutis acordarão as cores e os perfumes e a alegria de nascer, no espírito das flores.
Há bosques de rododendros que eram verdes e já estão todos cor-de-rosa, como os palácios de Jeipur. Vozes novas de passarinhos começam a ensaiar as árias tradicionais de sua nação. Pequenas borboletas brancas e amarelas apressam-se pelos ares, — e certamente conversam: mas tão baixinho que não se entende.
Oh! Primaveras distantes, depois do branco e deserto inverno, quando as amendoeiras inauguram suas flores, alegremente, e todos os olhos procuram pelo céu o primeiro raio de sol.
Esta é uma primavera diferente, com as matas intactas, as árvores cobertas de folhas, — e só os poetas, entre os humanos, sabem que uma Deusa chega, coroada de flores, com vestidos bordados de flores, com os braços carregados de flores, e vem dançar neste mundo cálido, de incessante luz.
Mas é certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação.
Algum dia, talvez, nada mais vai ser assim. Algum dia, talvez, os homens terão a primavera que desejarem, no momento que quiserem, independentes deste ritmo, desta ordem, deste movimento do céu. E os pássaros serão outros, com outros cantos e outros hábitos, — e os ouvidos que por acaso os ouvirem não terão nada mais com tudo aquilo que, outrora se entendeu e amou.
Enquanto há primavera, esta primavera natural, prestemos atenção ao sussurro dos passarinhos novos, que dão beijinhos para o ar azul. Escutemos estas vozes que andam nas árvores, caminhemos por estas estradas que ainda conservam seus sentimentos antigos: lentamente estão sendo tecidos os manacás roxos e brancos; e a eufórbia se vai tornando pulquérrima, em cada coroa vermelha que desdobra. Os casulos brancos das gardênias ainda estão sendo enrolados em redor do perfume. E flores agrestes acordam com suas roupas de chita multicor.
Tudo isto para brilhar um instante, apenas, para ser lançado ao vento, — por fidelidade à obscura semente, ao que vem, na rotação da eternidade. Saudemos a primavera, dona da vida — e efêmera.
***
(Texto extraído do livro "Cecília Meireles - Obra em Prosa - Volume 1", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1998, pág. 366)
terça-feira, 2 de outubro de 2012
RELÍQUIAS - Giselda Medeiros
Trago junto a mim
o doce lamento
do vento
nas palmas da minha infância.
E o som lúgubre
das cantigas silenciosas
das baladas
junto às rosas.
Trago um mafuá
de sonhos. Mais nada...
e nestes teu nome
a despertar-me em auroras.
o doce lamento
do vento
nas palmas da minha infância.
E o som lúgubre
das cantigas silenciosas
das baladas
junto às rosas.
Trago um mafuá
de sonhos. Mais nada...
e nestes teu nome
a despertar-me em auroras.
domingo, 23 de setembro de 2012
MOTIVOS - GISELDA MEDEIROS
E esta solidão de lajes
a velar o sono
do sonho
adormecido em mim,
terra e mar,
metáfora alucinada,
mastigando o silêncio das estrelas!...
sexta-feira, 21 de setembro de 2012
GISELDA MEDEIROS
É TEMPO DE SEMEAR
Não te pedirei mais nada.
Se
já me amas
e
cantas comigo
a
doce canção da Poesia
já
me basta.
É
tempo de semear.
sexta-feira, 14 de setembro de 2012
terça-feira, 11 de setembro de 2012
MUITO TARDE - REGINE LIMAVERDE
MUITO TARDE
Uma tarde e outra tarde.
Muitas tardes vão passando.
Que não tardes ao meu lado,
pois é tarde e vou findando.
É tão tarde e não chegaste
e na tarde vou ficando.
Muitas tardes vão correndo,
já é tarde, estás tardando.
Outras tardes hão de vir.
Oh! Não tardes meu amor.
Já é noite entardecendo.
Como arde a minha dor!
(do livro: Eternas Lanternas do Tempo).
domingo, 9 de setembro de 2012
MAR INTERIOR - GISELDA MEDEIROS
(para Maria Luísa Bomfim)
Mar bravo. Ondas batendo revoltosas
em loucas e
alternantes vindas e idas,
ora a gemer, ora a
chorar, feridas,
sob o látego das
águas furiosas.
O sol lança seus
raios... surgem rosas,
cristais de luz
sobre águas indormidas,
as quais se vão, das
águas refletidas,
alçar-se aos céus em
pétalas olosas.
Ante a grandeza augusta
da paisagem,
cala-me a pequenez –
ai... nada sou
além de triste e
efêmera miragem!
Mas, ao pulsar-me o
peito, diz-me o ar:
– Dentro de ti se move tanto amor
que no teu peito, também, bate um mar!
quinta-feira, 6 de setembro de 2012
O BRASIL- Renato Sêneca Fleury
— Por que é todo cor de anil?
Ele me disse, sorrindo:
— Eu sou o céu do Brasil!
Perguntei ao Sol, então,
A causa de tanta luz.
— Sou a glorificação
Da Terra de Santa Cruz!
Depois perguntei à Lua:
— Por que noites de luar?
— É para enfeitar a tua
Grande Pátria à beira-mar.
Perguntei às claras fontes:
— Por que correis sem cessar?
— Nós brotamos destes montes
Para a terra fecundar!
Então eu disse à floresta:
— És tão bela, verde inteira!
Ela respondeu em festa:
— Sou a mata brasileira!
Perguntei depois às aves:
— Por que estais a cantar?
— Cantamos canções suaves
Para tua Pátria saudar.
Céu e sol, luar e cantos,
Florestas e fontes mil
Enchem de eternos encantos
És minha Pátria, — o Brasil!
Renato Sêneca de Sá Fleury ( SP
1895- SP 1980) Pseudônimo: R. S. Fleury, ensaísta, pedagogo, escritor de
Literatura Infantil, professor, professor catedrático de Pedagogia e
Psicologia, jornalista, membro da Academia de Ciências e Letras de São Paulo,
membro fundador do Centro Sorocabano de Letras.
sexta-feira, 31 de agosto de 2012
UM POEMA DE GISELDA MEDEIROS NA NOITE DA LUA AZUL
INDECIFRÁVEL
(para Rejane Costa Barros)
Será o meu amado um verde gesto,
inaudível palavra, não expressa,um vento brincalhão entre os palmares
ou indormida pétala de rosa?
indiferente às ânsias, às esperas
e ao mormaço da tarde a declinar?
Será o meu amado aflita gota
do espelho d’água que reflete o
céucom seu cortejo de anjos e de nuvens?
Não! O meu amado é alvo
pensamento
a correr sobre as dunas da
poesia,trazendo-me as areias do lirismo.
quinta-feira, 30 de agosto de 2012
sábado, 18 de agosto de 2012
CECÍLIA MEIRELES
Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade
que parecia ser feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase
seco. Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde e, em silêncio, ia atirando com
a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era uma espécie de
aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas,
para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu
coração ficava completamente feliz. Às vezes abro a janela e encontro o
jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que
vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os
olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refelectidas
no espelho do ar. Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega.
Às vezes um galo canta. Às vezes um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar,
cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz. Mas, quando falo
dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem
que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas,
e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.
sábado, 4 de agosto de 2012
DE OLHOS ENTREABERTOS
ENSAIO
A poética de Aíla Sampaio
A vida nunca se faz
plena como se um passe de mágica estivesse por trás das aparências
A eternidade não depende do tempo, mas do desejo com que
buscamos possuir a plenitude das coisas. Existir não é o mesmo que viver, assim
como escrever é possuir o indizível da língua, e, assim, traduzir também o seu
mistério, em face da sua transcendência. De Olhos Entreabertos, os escritores
costumam conversar com as estrelas, representar o brilho dos cristais e acolher
em seu texto a solidão dos que vegetam enquanto o cosmos agoniza. Leia-se o
poema "Tela":
(Texto I) O ato da criação literária é o mais atomizado de
todos os processos de representação da arte; é o mais denso e o mais sagrado de
todos os prazeres do corpo, e é a forma mais sólida de representação do mundo
perante os apelos da história. A pós-modernidade compreende o oblívio de Deus
substituído pela ilusão do Capital, como se a mercadoria fosse capaz de intuir
o sentido supremo do sagrado; como se a estética do gosto fosse superior à
estética da arte, como se o sagrado fosse assim, capaz de sucumbir diante da
sedução do efêmero.
A arte da palavra
As marcas e as grifes são apenas miçangas ou enfeites de uma
civilização em ruína, esmagada pelo consumo e pela tentação do capital e das
suas formas miseráveis de alienação e acumulação. Vejam-se, então, os versos de
"Desvarios de maio":
(Texto II)
Assim sendo, urge que a arte, a arte mais sutil e prazerosa,
a arte mais pura e a mais sofisticada assumam o seu lugar no discurso do caos,
para que a linguagem poética e a sua liturgia possam reconquistar o espaço
soberano do texto. A representação da poesia nunca perdeu o seu lugar na
história. Na era em que o homem mais decididamente mergulhou na guerra, em nome
da ilusão do mito, Ulisses ressurgiu como o herói de todas as idades; e quando
o céu e o inferno se fundiram na idade escura da magia, Dante segurou a mão de
Virgílio e nos devolveram, por fim, a claridade, o sentido poético da alegoria
e a escansão do verso refletido. Os tempos de enfrentamento da linguagem agora
são outros, mas a poesia está sutilmente em toda parte. Poetas existem no mundo
de todas as maneiras, e poetas ruins é o que não falta em todos os quadrantes
do globo. O Ceará é uma terra povoada de muitos escritores e de Academias que
não valem o preço com que foram feitos os seus estatutos, mas é também uma
terra de veras escritoras, da estirpe de Ana Miranda, Marly Vasconcelos,
Natércia Campos, Inez Figueredo, Giselda Medeiros e Tércia Montenegro, dentre
outras.
A essa elite de escritoras de talento pertence o nome de
Aíla Sampaio, que conheci ainda por ocasião da sua estreia, e cuja evolução
venho acompanhando com respeito e curiosidade, porque profícua a sua produção,
porque profundos os seus conhecimentos, porque sincero e visceral o seu
compromisso com a palavra ritmada e com a palavra fundadora do belo. Como, por
exemplo, nos versos de "Silêncio antigo": (Texto III)
Depois de chamar a atenção do público, com a sua tese de
mestrado sobre os mistérios de Lygia, e de esquadrinhar as vozes da sua
escritura sutil e polifônica, Aíla entrega-se agora à sedução da poesia,
abrindo o seu baú de desejos e expondo totalmente aos ventos a vertigem fatal
da sua poética fulgurante. E, por entre curvas e desvios, Aíla Sampaio vai
construindo a sua arte, tecendo as suas teias, e mergulhando na sua solidão
compartilhada, entretendo os seus leitores com a força aliciante da palavra e
da sua beleza metafórica.
Das temáticas
A poesia de Aíla Sampaio, nesse seu livro, de título
sugestivo, faz-se a um só tempo verbo e escansão, solidão e reticência, e
purgação da morte em face da libido do tempo.
O amor, a comunhão a dois e a busca incessante de Eros, para
aplacar os desafios da vida e os sentidos cambiantes do corpo, se entrelaçam,
nesse livro novo de Aíla Sampaio, como se fossem os seus esteios de maior
destaque. Leiam-se os versos do poema "De outro tempo": (Texto IV)
Eis, portanto, De Olhos Entreabertos (Fortaleza, Editora
Sponti, 2012), um livro cuja linguagem nos seduz, um livro que dignifica a sua
autora e que não desmerece a ensaísta. E que faz da sintaxe do desejo (e também
do verso refletido) o espaço poético da arte literária.
O QUE ELES PENSAM
"Na poesia de Aíla Sampaio, uma das marcas mais
expressivas reside no cultivo de metáforas entrelaçadas a impressões
sensoriais".
CARLOS AUGUSTO VIANA
Escritor
"Nesse livro, o tema do amor, explorado sob múltiplos
ângulos, abre caminho para a reflexão sobre a própria fragilidade do ser
humano".
JOSÉ TELLES
Poeta
Trechos
TEXTO I
O tempo costura a vida com pontos de cruz, / fazendo
desenhos multicores no véu dos dias. / Na tela em que meu destino foi bordado,
/ não há manchas de dedos / nem frouxos alinhavos / desfazendo a harmonia. /
Nasci, certamente, das bordadeiras de sonhos / que tecem lenços azuis todas as
manhãs / para que a realidade, com seu duro fardo, / não pesponte escuridão
onde o traço é de luz.
TEXTO II
Desse olhar esgarçado sobre o poente, / dessa lamúria que é
o vento antes da chuva, / fiz a tarde com seus desvarios de maio. /// Não fosse
hoje um domingo qualquer / eu teria motivos para não ler nada / e veria TV,
bandeira branca a meio-palmo / e mansidão para seguir as procissões de Maria. /
Mas não é assim o meu desenho / tão fácil de distinguir as cores e as linhas /
rascunhadas. /// Surpreendem-me vontades de sesta, / sono profundo ao meio-dia / e saudades que não posso
mais matar. / Tanta abstinência, tantas orações / e o coração não sara... /
continua a sangrar ao menor esforço / e a me matar aos poucos todos os dias.
TEXTO III
Há sempre uma casa / com seu silêncio antigo / e seus
conhecidos fantasmas / a nos habitar. / Há sempre a memória / de um amor
interdito, / a dar a ilusão / de que a felicidade está / apenas / no que
poderia ter sido. /// O tempo vivido desliza, / guardando abismos que / devoram
a carne do tempo. / O que nos pertence / é apenas o presente / e a certeza de
que eterno / é somente o que não se realiza.
TEXTO IV
Essa casa desabitada / perdida no abandono dos ventos / (que
sopram sem direção) / é o corpo que veste a minha alma. / Suas portas batem /
atrás de um adeus sem data, / cavando feridas nas paredes retintas, / guardando
ferrugem nas trancas / e escoriações nos portais. /// Há hera nas vigas e nos
muros, / fechando porteiras, lacrando janelas / até sempre ou nunca mais. ///
No jardim, presente e passado / perdem-se soterrados / pelo musgo que cresceu.
/// Dentro de mim, acordado, / geme um silêncio de muitas eras / e grita a
lembrança de um tempo / que não é o meu.
DIMAS MACEDO
COLABORADOR*
*Da Academia Cearense de Letras
quarta-feira, 1 de agosto de 2012
quinta-feira, 26 de julho de 2012
ÚLTIMA ENTREVISTA DE CASTRO ALVES
Quem é o poeta Castro Alves?
Sou um homem que escreve e
declama seus poemas. Por amor, por compulsão e por herança. Um poeta brasileiro
nascido em 14 de
março de 18 47 lá na fazenda Cabaceiras, sete léguas distante de
Curralinho. Um baiano do sertão. Meus pais foram o doutor Antônio José Alves e
dona Clélia Brasília da Silva Castro, que também nasceu em um 14 de março.
A família mudou para Salvador
quando eu tinha sete anos de idade. Aqui completei o curso primário e fiz o
ginasial. Aos 15, em 1862, eu e meu irmão José Antônio fomos morar no Recife
para fazer o Curso Anexo, um ano de aulas preparatórias que habilitavam às
provas da Faculdade de Direito, onde fiz o 1º e o 2º ano. Lá, ainda em 62, pela
primeira vez tive um poema publicado pela imprensa, “A destruição de
Jerusalém”, no Jornal do Recife. No ano seguinte saiu no nº 1 de um jornal
acadêmico, chamado A Primavera, o meu primeiro poema contra a escravidão: “A
canção do africano”. Em 68, fui para São Paulo continuar meus estudos
jurídicos. Completei apenas o 3º ano, sem bacharelar-me por conta de problemas
relacionados à saúde.
Mas as publicações se
sucederam, tanto no Recife como em Salvador, no Rio de Janeiro e São Paulo;
muita vez em seqüência às declamações que eu fazia nas ruas, nos saraus e nos
teatros, sempre com grande sucesso, diga-se de passagem. Alguns desses versos,
junto com muitos inéditos, hoje fazem parte do meu livro Espumas flutuantes,
primeiro e único até agora, e que foi lançado em outubro do ano passado, aqui
mesmo na Bahia, para onde voltei no final de 69.
Fale um pouco mais sobre sua família e a infância em
Salvador.
Éramos muitos irmãos: José
Antônio, Zezinho, o primogênito, poeta que se suicidou aos 19 anos; eu, Antônio
Frederico de Castro Alves, era chamado de Cecéu pelos de casa e pelos amigos;
João, que faleceu recém-nascido; Guilherme, o quarto, também poeta; aí vem a
primeira mulher, Elisa; depois Adelaide, a Sinhá, minha preferida, mas que
ninguém nos ouça; e Amélia, uma bela poetisa. Bem mais tarde, Cassianinho,
nascido das segundas núpcias de meu pai.
Papai foi um médico famoso.
Estudou na Europa, foi professor da Faculdade de Medicina, homem de talento
artístico apreciável, com o que conseguiu grupar em nossa casa uma galeria de
pinturas estrangeiras e nacionais de grande fama. Dessa paixão resultou fundar
em 56, aqui na Bahia, a Sociedade das Belas-Artes. No lar, essa influência se
exerceu na nossa educação artística: todos inclinados à música, ao canto, ao
desenho, à pintura, às letras, favorecendo disposições da natureza que seriam
consagradas. Mas papai e mamãe tinham pouca saúde. Perdi-os cedo, ela de
tuberculose, em 1859, com apenas 34 anos de idade, e papai há cinco anos, aos
48.
Voltemos ao ano de 1854,
quando fomos morar na capital, no pequeno sobrado da Rua do Rosário no 1. Essa
casa, que marcaria de forma definitiva a minha vida, era cheia de lendas e
mistérios: uma linda moça, Júlia Feital, nela foi assassinada pelo noivo que,
louco de ciúmes, a fulminou com uma bala de ouro. Eu, menino, imaginava a cena
e tinha muito medo. Ainda bem que logo depois nos mudamos.
Assim que chegamos a
Salvador, fui estudar no Colégio Sebrão, uma escola tradicional, e depois no
Ginásio Baiano, de conceitos pedagógicos avançados para a época: estudávamos
várias matérias ao mesmo tempo, não recebíamos castigos físicos e ainda por
cima éramos incentivados a participar de torneios literários. Para mim, que já trazia
o amor à arte cultivado pela família, foi uma espécie de preliminar, desculpem
a imodéstia, para a glória futura. Celebrávamos principalmente as datas
cívicas, o que me deixava envaidecido, pois meu avô materno, José Antônio da
Silva Castro, foi um dos heróis da independência da Bahia, que só foi
conquistada em 2 de
Julho de 18 23. É que em muitas províncias, como o Senhor sabe, os
portugueses não acataram a proclamação do Sete de Setembro e queriam nos manter
atados à Coroa lusitana. Na Bahia, meu avô ajudou a derrotar as tropas
inimigas, para assim confirmar a independência do Brasil. Ele foi condecorado
por bravura no comando de um batalhão de voluntários, por ele mesmo criado. Vou
lhe contar uma coisa que pouca gente sabe: foi nesse batalhão que, sob suas
ordens, lutou a heroína baiana Maria Quitéria. Ainda vou escrever um poema em
homenagem a essa grande mulher.
Como o Senhor vê a poesia nesta segunda metade do séc.
XIX?
Olhe bem. A poesia na terra
dos Andradas, dos Pedros Ivos, e dos Tiradentes deve ser majestosa como as
matas virgens da América; arrojada como seus rios gigantes; livre como os
ventos que passam gementes por suas várzeas, e que zurzem os costados
pedregosos dos seus gigantes de granito. A poesia enfim deve ser o reflexo
desta terra. Isto no que toca à natureza, é claro.
No que toca às idéias desta
metade de século, eu diria que a poesia deve ser o arauto da liberdade - esse
verbo na redenção moderna - e o brado ardente contra os usurpadores dos
direitos do povo.
Quanto a sua forma, a
literatura, sendo a expressão da humanidade, libertou-se dos preceitos
asfixiadores da escola clássica - essa jaula do pensamento - assim como a
humanidade despedaçara o feudalismo - essa jaula da dignidade popular.
O povo - esse condor gigante
- sacudindo as longas asas pairou na ordem social por sobre a realeza, na ordem
científica por sobre a autoridade. O espírito popular tem sido iluminado pelos
luzires do cometa da civilização.
Tudo tende a idealizar-se. No
entanto, lanço uma censura a dois erros, que em geral permanecem em nossa
literatura, e neles eu sei que a minha poesia não está:
Um - a falta de brasileirismo
nas composições. O segundo erro, que ainda lavra, especialmente na Bahia, é o
classicismo. Deus me livre de maldizer das obras-primas que a antiguidade nos
legou. Não. Homero, Dante, Virgílio e outros hão de ser sempre admirados. Mas
não queirais, homens da atualidade, mandar, como primor de escultura, uma
cabeça de esfinge para a Exposição, nem apresentar nos banquetes de Napoleão
III a paródia dos vasos soterrados de Pompéia... passou esse tempo... A poesia
hoje é Byron, Barthélemy, Lamartine, Victor Hugo - esses Cristos humanos.
De que forma o Senhor situa a sua obra dentro deste
contexto?
É muito difícil a um poeta
situar sua própria obra no contexto de uma literatura. Talvez possa dizer que
segui um caminho que é normal a todo escritor: o de fazer com que a vida e a
obra entrem em acordo e possam viver bem juntas.
Olhe bem. Hoje, a palavra da
poesia, além de ser íntima, também deve ser cívica. Tenho o sangue militar do
meu avô e cheguei até a me alistar no Batalhão Acadêmico de Voluntários que foi
à Guerra do Paraguai, mas nunca fui um apologista da guerra. Amo sim a minha
pátria, luto pela abolição da escravidão, canto os feitos heróicos, as batalhas
vitoriosas contra a opressão e confesso o meu amor em tom vibrante; só em
louvor ao Dois de Julho escrevi cinco poemas. Muitos dizem que minha obra está
composta de uma parte política e de uma parte lírica. Penso que vigora sempre o
mesmo amor à humanidade, sob roupagens diversas: amor coletivo e amor pessoal,
e não saberia dizer qual o mais importante.
Acho que o poeta deve falar
aos corações. Eu falo. Mas, não é com sussurros que se incendeia o público; é
com entusiasmo, dramaticidade, retórica. O poeta é às vezes um corcel sem
freios... Eu tenho consciência de que faço alguns poemas para voz alta, e não
para leitura com um chá, no aconchego das cadeiras de balanço. Algumas vezes,
anoto ao lado do texto: “Não se publica”. Não sei se será publicado, pois tenho
a certeza de que o poeta, quando muito, é o dono dos versos, mas não é nunca o
dono do destino do poema.
Particularmente, acho
exagerado o gosto pelo doentio que os poetas da geração anterior a minha
desenvolveram. Eles estavam voltados para eles mesmos, amavam a musa distante,
idealizada, intocada e etérea. A minha amada é de carne e osso (o poeta sorri).
Eu aposto no amor, na vida; às vezes perco, às vezes ganho... Deixo aos
críticos do futuro o julgamento do meu trabalho.
Que figuras exerceram influência na sua formação de
escritor?
Tudo o que o escritor vê,
vive ou lê o influencia. Assim, sou filho de Horácio, de Byron, Barthélemy,
Lamartine, Musset, do grande Hugo principalmente... Aprecio Gonçalves Dias,
Álvares de Azevedo e Junqueira Freire, mas se tivesse que escolher apenas dois
brasileiros, citaria dos contemporâneos, meu amigo Fagundes Varela e dos
passados, o Casimiro de Abreu.
O Senhor está começando a ser chamado “O poeta dos
escravos”. Como se sente?
Eu me orgulho do epíteto.
Estou, inclusive, na fase final de negociações para a impressão de meu livro Os
escravos, que até o final do ano será publicado. A escravidão é uma das
mazelas, talvez a mais horrenda, que devemos combater em prol da liberdade. É
certo que, desde 1850, instituíram-se pesadas penas para o tráfico negreiro, já
abolido pela legislatura de 31, mas ainda vigente. Há dois anos foi proibida a
venda de seres humanos em pregão público e até o fim deste ano - não sei se o
Senhor sabe - será votada a Lei do Ventre Livre. Mas é pouco. Muito pouco.
Sempre fui devotado às causas
sociais. Fundei, com Rui Barbosa - meu antigo colega do Ginásio Baiano - e
outros alunos da Faculdade de Direito, a Sociedade Abolicionista do Recife.
Esse pendor abolicionista vem do berço. Lembro de papai a reclamar, sempre, do
tratamento cruel que era dado ao negro. O amor que eu tive e tenho pela minha
bá, que já se foi, a negra Leopoldina, minha ama de leite, minha segunda mãe, a
me contar as histórias de senzalas, mucamas e amores proibidos... O meu tio, o
alferes João José, herói da Guerra do Paraguai, brincando comigo de cavalinho,
montado em seus joelhos, dizendo-me: “A liberdade, filho, é o maior bem do
mundo”. Ah! Como essas coisas ainda me comovem...
Ser chamado de “poeta dos
escravos” é uma honra. Acho, porém, que não diz tudo; sempre quis ser “O poeta
da Liberdade”. E para mim, Abolição e República são palavras quase irmãs: uma
puxa a outra, naturalmente. Tanto que, em paralelo à minha luta pela libertação
dos escravos, participei também de alguns comícios republicanos. Lembro-me bem
de um deles, dissolvido pela polícia, quando criei de improviso os versos de “O
povo ao poder” (nesse momento o poeta abre um sorriso e levanta-se, com
esforço, da cadeira de balanço austríaca). A segunda estrofe desse poema começa
com dois versos que agitaram a multidão, aos gritos e assobios (o poeta de pé,
com a voz já rouca e entrecortada por um pigarro renitente):
A praça! A praça é do povo
Como o céu é do condor
É o antro onde a liberdade
Cria águias em seu calor.
Senhor!... pois quereis a
praça?
Desgraçada a populaça
Só tem a rua de seu...
(um acesso de tosse
interrompe a fala; ele se senta novamente, e com dificuldade termina a estrofe)
Ninguém vos rouba os castelos
Tendes palácios tão belos...
Deixai a terra ao Anteu.
Desculpe-me, Senhor...
Desculpe-me... (aparentemente refeito) Prossiga, prossiga...
Além dos comícios
republicanos e da campanha abolicionista, é sabido que o Senhor tem participado
de debates sobre a liberdade de imprensa e de muitos outros movimentos civis,
como a luta pelo voto feminino. Por outro lado, as discussões literárias também
não foram poucas. Fale-nos sobre sua polêmica com o poeta Tobias Barreto.
O Tobias? Isso é coisa do
passado, não tem mais importância... Nem sei se vale a pena voltar ao assunto.
Mas o que posso dizer?... Vamos ver...
Começamos como amigos -
temos, inclusive, poesias dedicadas um ao outro; passamos a colegas,
tornamo-nos rivais e acabamos inimigos. Intrigas pessoais e literárias.
Discordamos em quase tudo, tanto na poesia quanto no teatro. Olhe que nossos
desencontros se acaloraram a partir de 66, quando ele teve o desplante de, em
público, dizer que a atriz Adelaide Amaral era superior a minha amada D.
Eugênia Câmara, um talento fulgurante que Portugal nos legou; inigualável, como
o Brasil jamais tivera oportunidade de assistir.
O Senhor Tobias Barreto é
feio, velho, escreve mal e declama pior ainda. Não conhece a língua que fala, o
significado das palavras; já o aconselhei a fazer, de quando em quando, uma
viagenzinha ao Morais. Nos recitativos fica nervoso, tem um jeito desastrado,
não controla a voz. Não possui o domínio cênico que eu tenho, se veste mal. Eu
entro no palco vestido de negro, chique, com uma flor na lapela, óleo nos
cabelos, madeixas minuciosamente espontâneas e pó-de-arroz no rosto, para
parecer mais pálido. Começo logo com uma das minhas bombas “O século”, “Pedro
Ivo”, “Visão dos mortos”..., com resultado previsto e certo: a platéia me
ovaciona. Lembro-me de um sarau em São Paulo , organizado pelo Arquivo
Jurídico, no Salão Concórdia. Nessa noite todas as honras foram minhas; o
entusiasmo tocou ao delírio, quando arrematei a última estrofe de “Visão dos
mortos” e, a pedido geral, encetei “O livro e a América”. Se algum dia obtive um
triunfo, não foi noutro lugar. Até a senhora do cônsul inglês Richard Burton
veio entusiasticamente dizer-me: “Mim gostar muito de sua recitativa” (rindo e
imitando um sotaque inglês).
Atualmente não tenho mais
debatido com o Tobias Barreto. Como o Senhor sabe, pouco tenho saído de casa. A
minha última declamação em público foi, se a memória não me falha, em 10 de
fevereiro deste ano, no salão nobre da Associação Comercial da Bahia, quando se
realizava ali um meeting em favor das famílias francesas sacrificadas pela
guerra franco-prussiana. Eu recitei o poema “No meeting du Comité du Pain”,
escrito no dia anterior. Fiz especialmente para a ocasião.
Aproveitando a sua lembrança, o Senhor poderia nos
falar da grande atriz D. Eugênia Câmara?
A minha admiração pela atriz
D. Eugênia Câmara se confundiu com meu amor pela mulher Eugênia. Quando a vi
pela primeira vez, no palco do Teatro Santa Isabel, no Recife, eu tinha 16 anos
e ela 26. De minha parte, amor à primeira vista. Ela era a estrela do drama
Dalila, de Octave Feuillet. Difícil descrever o impacto que a presença dela
exerceu sobre mim. Digo apenas que ela foi a mulher mais importante da minha
vida, a musa celeste que me arrastou, como um turbilhão, ao mais profundo fundo
dos cafundós do inferno. E ainda mais, o que muitos não sabem: é poetisa. Já
tem dois livros publicados.
Escrevi para ela o drama
Gonzaga ou A Revolução de Minas, onde falo de liberdade, escravidão, traição,
paixões... em suma, de tudo que atormentava ou deliciava minha existência, e se
confundia com a própria Eugênia, para quem, é evidente, eu havia reservado o
papel principal. Meu sonho era vê-la em cena interpretando meu texto.
O nosso amor foi sempre
tumultuado. Em 66, após um longo período de indecisões e recuos, que nunca
soube se eram meus ou dela, finalmente consegui arrancá-la do empresário com
quem vivia, e levei-a junto com a filha, para morar comigo num subúrbio do
Recife. Nosso ninho de amor... Dediquei-lhe muitos poemas... Ah! Bons tempos
aqueles...
No ano seguinte, fui para a
Bahia, levando minha mulher e uma certeza: iríamos conseguir encenar o Gonzaga
em Salvador. O que, de fato, aconteceu no dia 7 de setembro, no Teatro São
João, tendo à frente do elenco Eugênia no papel de Maria, a Marília de Dirceu.
Foi uma brilhatura como há poucas! Fui chamado à cena depois de cada ato, sob
estrondosa ovação. Não satisfeita, a multidão carregou-me em triunfo, sobre os
ombros, até minha casa. Tive um triunfo como não consta que alguém tivesse na
Bahia. Era a glória, mas era a glória baiana. Até aí a alegria do sucesso e o
amor de Eugênia me completavam, mas eu queria a consagração nacional...
Foi por isso que o Senhor resolveu ir para São Paulo?
Sim, sim. Foi com essa
intenção que decidi continuar os estudos de Direito em São Paulo ,
interrompidos quando viemos para Salvador. Eugênia foi comigo. Incluí no
roteiro de viagem uma visita ao Rio de Janeiro, onde conheci o grande escritor
José de Alencar. Chegamos a São Paulo em março de 68, a terra de Azevedo,
cidade das névoas e mantilhas, ainda acanhada e provinciana, onde não há senão
frio, mas frio da Sibéria; cinismo, mas cinismo da Alemanha, um tédio infinito.
Entretanto prefiro São Paulo ao Recife, apesar das péssimas recordações daquele
tempo, pois foi lá que o nosso amor chegou ao fim. O meu objetivo era terminar
os estudos na Faculdade do Largo de São Francisco e o de D. Eugênia retornar
aos palcos. No início retomamos a vida intelectual e boêmia, freqüentando
saraus e salões, sempre com muito sucesso. Porém, rapidamente, o nosso relacionamento
se deteriorou. Eram cada vez mais constantes as nossas desavenças. Cenas
violentas, ciúmes, brigas, precárias reconciliações. Sopravam-me histórias de
adultério. No entanto, sei que ela me amou, como sei que, talvez, meu amor
tenha sido insuficiente para sua paixão. Não a recrimino. Em determinado
momento, largou a carreira para me seguir. Depois, me largou para seguir a si
própria. Rompemos em 68 e a última vez que a vi foi no ano seguinte
apresentando-se no Teatro Fênix Dramática, no Rio de Janeiro, quando pude lhe
oferecer meus derradeiros aplausos. Despedi-me de Eugênia com a poesia “Adeus”,
que termina assim (acomodando-se na cadeira):
Quis te odiar, não pude. -
Quis na Terra
Encontrar outro amor. -
Foi-me impossível.
Então bendisse a Deus que no
meu peito
Pôs o germe cruel de um mal
terrível.
Sinto que vou morrer! Posso,
portanto,
A verdade dizer-te santa e
nua:
Não quero mais teu amor!
Porém minh'alma
Aqui, além, mais longe, é
sempre tua.
E Eugênia me respondeu com
uma outra e que sei de cor. Vou dizer-lhe a primeira e a derradeira das 14
estrofes (a voz um pouco mais baixa):
Adeus, irmão desta alma,
digo-te Adeus!
Mas deixa que eu evite esse -
jamais! -
Que o céu se compadeça aos
rogos meus
E um dia cessarão teus e meus
ais!
Adeus! Se um dia o Destino
Nos fizer ainda encontrar
Como irmã ou como amante
Sempre! Sempre me hás de
achar.
Como foi seu contato com José de Alencar?
Ah! Esse foi um dia
inesquecível: 17 de
fevereiro de 18 68. Levei uma carta de apresentação do estadista
baiano Dr. Joaquim Fernandes da Cunha, amigo de meu pai e padrinho da minha
irmã Amélia. Visitei Alencar no Rio, como já lhe disse. Ele residia lá nos
cerros da Tijuca. Segundo suas palavras, lugar puro e são, montanha encantadora
que a natureza colocou a duas léguas da Corte, como um ninho para as almas
cansadas de pousar no chão. E foi lá que o primeiro literato brasileiro
provou-me que a ninguém cedia em cavalheirismo e urbanidade.
Sabendo que tocava numa corda
sensível do mestre, além de declamar alguns poemas, li para ele o Gonzaga. Meu
anfitrião era um obcecado pela construção de um teatro brasileiro, mesmo tendo
fracassado na tentativa. Ele pregava um teatro baseado em nossa História -
exatamente o que eu fizera, ao invocar em meu drama a Inconfidência Mineira. A
receptividade foi muito boa, a ponto de Alencar recomendar-me a outro talento
que se firmava na literatura fluminense: o jovem Machado de Assis, que me
visitou no domingo de carnaval. O resultado desses encontros se traduziu nas
crônicas publicadas no Correio Mercantil, a de Alencar em 22 de fevereiro e a
de Machado em 1o de março, ambas muito favoráveis ao Gonzaga. Saiba que ainda
guardo comigo esses exemplares do Correio.
Quando e por que o Senhor decidiu deixar o sul do país
e retornar à Bahia?
Devido a meus problemas de
saúde; não ia nada bem. Quando me separei de Eugênia, a minha sorte piorou. Não
sai da minha mente o fatídico dia 11 de novembro de 68 , em que para espairecer
minha solidão dirigi-me ao Brás, onde costumava caçar; era um mato cerrado,
animais em abundância. Fui saltar uma pequena valeta e um disparo da espingarda
atingiu-me o pé. Como todos sabem, surgiram complicações no ferimento e os
antigos padecimentos pulmonares acordavam, impressionantes. Então busquei ajuda
médica no Rio de Janeiro e o diagnóstico foi implacável: teria que amputar a
perna esquerda no seu terço inferior. Devido ao meu estado debilitado, a
intervenção cirúrgica se daria sem anestesia, pois a cloroformização seria
perigosa. Se não operasse poderia morrer; então reuni todas as minhas forças e
dei a autorização aos médicos, em tom de blague, disfarçando sob o riso, a dor
física e moral da mutilação que deveras sentia. Ainda lembro de minhas
palavras: “Corte-o, corte-o doutor... ficarei com menos matéria que o resto da
humanidade”.
A convalescença foi demorada,
agravada pela tísica renitente. Após alguns meses consegui levantar-me com a
ajuda de um pé de madeira e apoiado em muletas. Porém , não me entreguei ao
infortúnio. Nesse período de recuperação, estive hospedado na casa de meu
grande amigo Luís Cornélio, cercado de carinho e atenção. Não deixei de
escrever e recitar meus poemas para o pessoal da casa e para as bonitas moças
que me visitavam e inspiravam. É... Não foram tão maus aqueles tempos (risos).
No entanto, os meus pulmões não iam nada bem; acessos de tosse e febre
deixavam-me constrangido. A saudade da minha pátria e a necessidade de cura em
outro ambiente me fizeram retornar ao aconchego da família. Em novembro de 69,
deixei o Rio de Janeiro. A travessia, transposta a enseada maravilhosa da
Guanabara, sugeriu-me, com a saudade e o desengano, a idéia de reunir os meus
poemas num volume que denominei Espumas flutuantes. Os meus versos eram as
espumas que se formavam, flutuando à volta do navio. Essa lembrança está
relatada no Prólogo do meu livro.
Quais são seus planos para o futuro?
Como já lhe disse, estou com
Os escravos pronto, deve sair até o final do ano ou, no máximo, no princípio do
ano que vem. A cachoeira de Paulo Afonso, livro de poemas, também já está
acabado. E quero publicar o texto do meu Gonzaga, que já viajou por todo o
Brasil, e, como o Senhor sabe, com grande sucesso de público e de crítica.
Infelizmente nos últimos tempos não tenho trabalhado muito, a minha saúde não
anda boa, e os médicos e as manas não querem que eu faça esforço. Para dar-lhe
esta entrevista, tive que impor a minha autoridade de irmão mais velho (risos).
Mas Deus vai me dar ânimo, pois tenho planos de voltar a declamar em público,
no máximo daqui a um mês. Já encomendei até um novo terno preto, bem cortado,
pois estou um pouco mais magro e quero me apresentar bem. Se Deus quiser.
NOTA: O poeta Castro Alves faleceu às 15h30 min do dia 6 de julho de 18 71, um mês
após esta entrevista.
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