CANÇÃO EXTRAVIADA
Giselda Medeiros
Sou um rio
que se vai
nas sombras –
alimento – da paisagem
que escorre
de meus dedos.
Minha voz é
este verso
que carrego
nas entranhas.
Com ele,
expulso meus medos
construo
sílabas na cartilha do Amor
ou rezo
salmos à passagem dos mortos.
Com meu verso
velo o sono
dos que se entregam a Eros
no desespero
dos espelhos narcísicos
ou na
obstinada esperança de Orfeu.
Com ele, coso
a túnica dos sonhos
que resta,
alva, entre solitários lençóis.
Meu verso é
vento que se derrama
nos pórticos
dos oráculos
e sabe o
martírio dos surdos,
o desespero
de Tântalo,
a
perplexidade dos andarilhos
que não têm
aonde ir.
Por isso, meu
verso
é este tempo
que não quer ruir
é esta linha
que não se espanta
ante o
martírio da pauta extraviada
pelo incêndio
das horas metálicas
que
interceptaram o som da nossa canção.
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