quarta-feira, 23 de novembro de 2016

ENSAIO SOBRE "OS DIAS ROUBADOS", POR ROSA VIRGÍNIA



Fortaleza, 13 de novembro de 2013
Caro amigo,
Viajante das almas belas e frágeis,
dos corpos esculturais e dos dilacerados,
Saudações.

De um Ensaio Subjetivo para Os Dias Roubados[1]

Chego até você vendo seus olhos de surpresa num riso tímido e feliz. Almejo à Rose e aos seus filhos as melhores horas de todos os dias na graça de tê-lo.
Somente agora pude viajar pelas páginas de Os Dias Roubados. Título bem apropriado ao enredo: roteiro inédito e criativo na arte da escrita e da imagem.
Seu magnífico olhar é lançado com a humildade dos que sofrem. Das mais sinceras confissões que o coração humano pode suportar. Penso e sinto como foi doloroso para o iluminado escritor compor personagens sem luz dentro de si. Tecer um véu de angústia e solidão intensa. Caminhar pelas sombras de solitárias figuras. Sentir a matéria dominar o espírito. Vivenciar o desamparo social e cósmico. Entrelaçar o passado e o futuro sempre perto de cada um de nós.
Prezado amigo, abro uma porta para mim. Preciso de luz para divagar por suas sombras. Um sobrevoo apenas. Mergulhar nelas eu nunca poderia, são suas, construídas no milagre da inventividade. Até porque o cárcere penitenciário é um tema obscuro para mim. Realidade de milhares de presos. Não posso invalidar o desespero sentido dos que nele morreram, sobreviveram e sobrevivem, suas condições sanitárias e assistência médica. Querer imaginá-la é “roubar” a dimensão de suas próprias angústias, uma dor única de cada um.
Querido amigo que muito me honra conhecer, em breve momento trago-lhe, em outro paradigma, minhas reflexões: já morri muitas vezes... E como Monalisa, eu descobri “todos os segredos do túmulo”. Perambulo entre raios de sol e gotas de chuva, num passo lento mais de dor no espírito do que dos anos que de mim se apoderam. O espírito domina a matéria. Neste patamar meu aprisionamento veste-se de azul.
A alma é livre! É policêntrica! Quando é subtraído do corpo o direito de seus desejos, a alma encontra um novo imput de sensibilidade. Novas colinas para a nostalgia. Pequenos grãos de bons sentimentos dão sabor à vida. Isto, porém não evita a dor, mas traz alívio. O sacrifício só é suportável pelo amor e pela fé.
Retomemos o livro. Diga-me quem de nós mortais não teve, em outras circunstâncias, os dias, as horas roubadas? Como diz Negri: “Quando trabalhamos nossa alma se cansa como um corpo, pois não há liberdade suficiente para a alma, assim como não há salário suficiente para o corpo.” O quanto nós não arriscamos em nome de mais um instante de amor? Em nome deste instante,assim como ocorre com muitos, o narrador-personagem de Os Dias Roubados se compromete para além do que gostaria. Ele sabe que o outro (Águida) que se apresenta, não abarca a dor da perda, ao perdê-lo. Sabe que neste amor não havia profundidade cultivada, nem respeito pelos mistérios que se encontram numa relação. Ele sabe deste abismo, mesmo assim se arrisca. Mas se perde nos labirintos da paixão por Danila, que no futuro próximo o abandona à solidão. Ele conhece o desamor. Infelizmente, nunca ouviu Adele em Someone Like You. Inocente ele paga o preço de 15 anos de cárcere sem manifestar raiva de Águida por ter se matado a ela e ao filho. Em seu íntimo ele acolhe a culpa, assim como alguns de nós. Mas em sua razão se revolta porque não é culpado e se consola na parede de Píramo e Tisbe. O amor do prisioneiro sem identidade era apenas humano e o de Águida, o lado escuro do amor, ambos caindo no reino do destino. Lembro Tosca - Puccini “É lua cheia e o perfume noturno das flores, arrebata-me o coração... é profunda a miséria dos profundos amores.” Mas se salva pela própria natureza de escritor que lhe sorri e, exorcizando no escorrer das palavras o tempo que lhe foi roubado, liberta-se dos grilhões da prisão; apesar de sua própria alma continuar encarcerada. Ou seja: ainda que liberto por Ascânio, que lhe revela a atitude trágica de Águida, ele permanece sem encontrar os tesouros da vida. Não compreende que o desejo de amor, que existe em nós, traz também uma ânsia de solidão.
Ouve apenas o grito que lhe persegue, face ao desatino cometido por Águida. E isso o conduz ao desespero. No suicídio contamos com a misericórdia de Deus. Ele não acolheu o sangue derramado de Águida e do suposto filho, por amor. O grito, cada vez maior, pouco a pouco silencia sua psiquê entorpecida.
Nenhuma proximidade com as pessoas devolve-lhe a alegria no coração. Não olhava mais para fora de si mesmo. Não havia mais espaço dentro dele, que morria nas páginas pelas quais vivia envolto na fragilidade da solidão. Ele estava para além do sentimento e da percepção de que é o outro que nos revela.
Quando Felícia, fonte de amparo e beleza, desaparece, o narrador-personagem, no habitual trânsito do pseudodiálogo, revela sua mente ao ser acometido por um pico esquizofrênico (páginas 87 e 88). Seria falta de Lítio ou fragilidade das Patologias do Amor?
Então compreendo porque ele não absorveu o mito clássico de Daphne e Apolo, que fala do sonho da fuga. A moça que vira árvore e seus ramos se bifurcam para o céu, sugerindo vários cominhos para a alma. Ele era sempre dois. Ambos sem nenhum clarão interior, Sem o equilíbrio da mente: sempre é noite!
Na célebre frase que permeia a narrativa e se torna o seu epitáfio, “A noite não tarda, mesmo para os que veneram o sol”, metaforicamente a noite é a sombra que lhe chega e acompanha; o sol, sua miséria humana. Isso enquanto ele não fecha os olhos para sempre e seu corpo passa a repousar sob a fria lápide materializada com a anunciada inscrição.
Quem era Felícia? Para mim, eram-lhe raios de sol, vindos à sua mente, uma Vênus nascida das espumas do mar, a diva do conto “Sobreviventes”, pags. 75 e 76 do livro Mundo dos Vivos[2]. Entre quatro paredes coube o universo. Ela vestia-se de eternidade com trajes de um momento. Poderia ser a princesa Tisbe − a paixão que deu cor às amoras − mostrando-lhe os obstáculos e os desencontros do amor. Poderia ser Daphne convidando-o a brincar, já que a fuga da intimidade tem algo sedutor para quem foge e para quem persegue.
Quem era Aglaís? Uma lembrança! Uma possibilidade!
Percorrido assim um pouco o caminho ontológico da condição humana, proponho que cada pessoa deve encontrar seus próprios mistérios de amor, de esperança, de verdade e de fé. E deste modo a história continua com nossas mentes povoadas de condicionais e dúvidas, pois, quem de nós não traz no coração os “se” e os “talvez” da vida?

Minhas considerações finais na abordagem do caminho.
O narrador-personagem não tem identidade, não possui nome. Mas isso não o nega como pessoa, indivíduo, na sua realidade mental e moral. Não se trata aqui de negar o mal como oposição ao bem, sombra como oposição da luz, pois sabemos que os contrários andam juntos. Nem se trata de dizer que as sombras são somente negativas, reprimidas e ocultas, pois também trazem impulsos criadores. Ele veio da luz, perdeu-se nas profundezas das próprias angústias do seu ego e permaneceu retido em várias prisões enquanto exercia um papel simbiótico com o ato da escrita. Seus relatos nunca saíram da caverna, uma vez que ele nunca mais veria a luz, nem em si, nem no mundo exterior contemplado pela razão, o que não significou a invalidação de sua vida consciente. Seu corpo (discussão para outro momento), enquanto viveu a luz do mundo real e ele, lúcido, dissertou sobre leituras e mitos, descreveu ruas e a cidade, cafés e episódios do dia a dia.
Ao levar consigo para dentro da caverna (cárcere ou manicômio), as experiências e lembranças vão se misturando e se digladiando até matar o outro que existe em si. Estabelece-se em predominância no seu self o lado obscuro da sua personalidade, arquétipo sombrio da sua psiquê. Ele era um prisioneiro de si mesmo. E assim o seu ser vai se apagando até a morte.
O “Relato de Contraponto” surge como ponte do criador, Carlos Vaz, para que possamos compreender a criatura: o seu livro.
Os Dias Roubados, na perspectiva de seu brilhante autor, nos mostra como cada um de nós pode cair em abismos profundos, sombrios e frágeis de nossa psiquê, de nossa alma (anima) ou de nossos destinos.
Deixo como sugestão aos professores de Filosofia, encampar Os Dias Roubados aos estudos acadêmicos das universidades de seus magistérios. E como tal, uma obra apropriada à discussão da nova realidade contemporânea.
Se um inesquecível amigo, filosofo e poeta, funcionário do Banco Central e professor da UECE, vivo estivesse − falo de Nelson Castelo Branco Eulálio Filho, um homem que amava olhar o céu da noite; magrinho, não era alto, usava botas de couro pretas, antigo hábito que trouxe de Brasília − indicaria a ele Os Dias Roubados, um livro admiravelmente concentrado em 95 páginas, um Tratado dos Negros e Vermelhos abismos da Condição Humana, a ser discutido em suas aulas, à perspectiva da luz filosófica.
E ele, como filósofo existencialista, brindaria primeiro ao sabor do velho Teacher’s no barzinho defronte a faculdade.  Depois, afagando a longa barba grisalha, abriria um sorriso e me diria: “Putz grila! Rosinha!”. Nunca uma cadeira vazia significou tanto por tão longo tempo! Lá no céu azul, entre as estrelas ele cintila. Peço licença para um pouco desta carta ser dedicado a ele. Há mais de vinte anos não o vejo, nem mais o verei. ‘‘E nenhum outro cisne branco nadou mais ao meu lado”.
Sinceros agradecimentos pelo convite ao lançamento de sua obra-prima. Quem sabe, num futuro momento, eu lhe chegue como as simpáticas cartas que o personagem sem identidade recebia de seus leitores ao repartirem uma dor consentida.
Meu caro Carlos Vaz, eu fico por aqui compartilhando a famosa solução do poeta Rainer Maria Rilke para os relacionamentos: cada pessoa proteja a solidão da outra. Vou-me, deixando esta carta nas mãos de Hermes, o mensageiro da alma, e de Mercúrio, que presidiu a escrita.
Um afetuoso abraço de
Sol, flores, chuvas, luas e estrelas. A você e aos seus,
Porque assim as grandes almas são feitas.
Rosa Virgínia Carneiro de Castro.




[1]             VAZCONCELOS, Carlos. Os dias roubados. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2013.
[2]             VAZCONCELOS, Carlos. Mundo dos vivos. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2008.

terça-feira, 15 de novembro de 2016

SONETO PREMIADO DE J. UDINE


O Poeta J. Udine foi contemplado com a publicação de seu soneto "A Morte do Velho Monge" no livro "Os 50 Melhores Sonetos", em concurso promovido pela Academia Jacarehyense de Letras. Ei-lo:


PARABÉNS, POETA!

sábado, 5 de novembro de 2016

PUBLICAÇÃO DE SOCORRO LIMA MESQUITA E VIANNEY MESQUITA


Versão Sintetizada

O Autocídio sob a Óptica do Filósofo, Teólogo e Bioeticista Paranaense Luiz Antônio Bento (1)

                                                                                Socorro Lima Mesquita (2)
                                                                                Vianney Mesquita (2)


O Deus que em nós impera proíbe que partamos sem o seu consentimento. (Marco Túlio CÍCERO).

Procedeu-se, em atendimento a fins acadêmicos, à leitura do livro Bioética – desafios éticos no debate contemporâneo, onde o sacerdote católico, filósofo e teólogo paranaense Luís Antônio Bento evoca o fato de o ser humano atual perpassar difícil fase da história, permeada por múltiplas e rápidas transformações, alastradas globalmente. Essas mudanças – aduz o Autor - interferem nos modos de pensar e agir, afetando as relações socioculturais e até vinculações religiosas.
Na interpretação livre operada em parte do texto, compreendeu-se o ato suicida, do modo como divisa o Escritor - sob o ponto de vista da confissão católica e sem descer a explicações da Ciência Psicológica nem de outras fontes disciplinares - ao expressar a noção de que, perante tantas inovações, a pessoa entra em crise, sente-se insegura, de modo que não sabe o caminho a seguir.
Há de se convir na ideia de que jamais a humanidade experimentou tanta abertura de liberdade como nos dias de hoje. Contrastando com esse panorama, apontado pelo Padre Luiz Antônio Bento, surgem outras modalidades de escravidão social e psicológica, de modo que são muitas as forças destrutivas a molestar os seres humanos. Dentre estas, estão conflitos políticos, sociais, econômicos, raciais e ideológicos.
 Influenciado, então, por tantas interferências complexas, o ente humano sente dificuldades de autoafirmação. Seu pensamento balança entre a esperança e a angústia, e ele não sabe se posicionar ante tais desafios – exprime o Filósofo sob estudo.
  A história caminha tão celeremente que os seus protagonistas não logram acompanhar o próprio ritmo. Esse descompasso põe na berlinda, muitas vezes, os valores da estrutura familial. Surge, pois, outro modelo de humanismo, marcado por contradições e desequilíbrios, e os grupos familiares são importunados por tensões decorrentes das condições demográficas, como também por circunstâncias econômicas e sociais.
De efeito, esses conflitos desencadeiam desgraças, das quais o gênero humano é, simultaneamente, origem e vítima (GAUDIUM ET SPES).

2 ANTECIPAÇÃO DO FIM À PRÓPRIA VIDA – INCÓGNITA

         Não obstante o grande desenvolvimento das Ciências Sociais e de outras vertentes do conhecimento ordenado, particularizando a Psicologia e a Psicanálise, o óbito autoinfligido continua sendo um enigma, pois tem continuidade por séculos a fio, como incógnita, sem explicação plausível, de sorte que seu espectro não se limita apenas a causas psicológicas, psicanalíticas ou sociológicas, porquanto é expresso como bem mais abrangente, o que não compete aqui debater.
No seu magnificamente delineado escrito, o bioeticista Luís Antônio Bento ensina que o fato de pôr termo à própria existência representa morte intencional, a si cominada, quando a pessoa experimenta uma situação-limite, não suporta mais a pressão criada por ela mesma, por terceiros, ou pela sociedade, indiretamente.
As condições psicológicas, por consequente, sobram alteradas, restando difícil raciocinar com clareza. Parece que só existe um foco, ficando aquele sob essa compressão polimotivada a maquinar o intento, até alcançar efetivá-lo.
Os registros históricos  - consoante alvitra o ensaísta de Bioética: desafios éticos no debate contemporâneo (2008) - assentam a constante ocorrência de autopassamentos, e as tentativas visando a este propósito se expandem por toda a Terra nas mais diversas épocas.
 Consoante ele informa no ensaio sob comentário, dados da Organização Mundial da Saúde dão conta de que, atualmente, um milhão de pessoas se matam por ano no mundo. Os índices globais de suicídios oscilam de 25 óbitos em cada cem mil habitantes. No Japão e países do Continente Europeu, como Espanha, Itália, Irlanda e Holanda, bem assim no Egito, a taxa é reduzida para até menos de dez trespasses a cada cem mil habitantes.
A maior incidência de vítimas está no segmento de adolescentes e jovens abaixo dos 30 anos. Fato curioso – sugere o Teólogo cujo texto é agora interpretado - é que o suicídio atinge maior percentual de homens, apesar de as mulheres tentarem mais.
Visando ao caráter social, destacam-se os desempregados como maioria das vítimas, ao passo que os profissionais liberais representam minoria. São as mais incidentes causas geradoras desse agravo lamentável a solidão, o sentimento de inutilidade, a privação afetiva e de integração social. Daí a constante ocorrência entre viúvos, divorciados e outros que vivem sozinhos – completa o Padre  Cornélio-procopiense.
Na lição do Sacerdote paranaense, suicida é uma pessoa que decide se anular, pois seu projeto é fugir de sofrimentos, físicos ou psicológicos. Quando uma personagem está enfrentando crise depressiva, é mais passível de ser alvo de suicídio, prefere a morte no lugar da vida insuportável.
O Filósofo e bioeticista sob nota dá conta do fato de que a Igreja Católica, Apostólica e Romana abominava esse evento. Não assentia em que se efetivassem nem missas de corpo presente. No tempo que ora flui, a Filosofia eclesiástica decodifica diferentemente tal acontecimento, pois não o considera mais uma ação moral. Assim, não faz julgamentos da vítima e a recebe com misericórdia.
              Ele indigita três motivos básicos para a taxinomia do autocídio como imoral:
              a) é uma fuga individual que atenta contra o princípio da autoconservação vital;
              b) cuida-se de negação social, deixando-se de contribuir para o bem da sociedade; e
               c) constitui falha no âmbito religioso, pois atenta contra o quinto mandamento do Decálogo Mosaico – NÃO MATAR.
 O suicídio direto representa falha contra si, desfavoravelmente ao próximo e sem mercê a Deus. É oposto à dimensão da moral religiosa. O catecismo da Igreja Católica acentua: ”O suicídio é gravemente contrário à justiça, à esperança e à caridade. É proibido pelo quinto mandamento”. (Nº 2325). As pessoas que o demandam arrostam conflitos internos e externos e não vislumbram possibilidades de solvê-los.
 O Catecismo da Igreja Católica aponta “distúrbios psíquicos de natureza grave, a angústia ou o medo grave da provação, do sofrimento ou de tortura podem diminuir a responsabilidade do suicida”. (Nº 2282).

3 O SUICÍDIO INDIRETO

No entendimento do Escritor agora comentado, a justificativa da morte perante valorações superiores é havida pela tradição moral como suicídio indireto. A morte não é o fim, e sim o meio, para se atingir bom resultado. Os mártires doam sua vida para testemunhar o amor de Deus. A doação da vida numa dedicação aos enfermos contagiosos provoca a morte gradual. No caso, o óbito não é o fim útil, porém um gesto caritativo. Os doutrinadores católicos consideram de duplo efeito, porque a morte não é intencional, mas acidental. A atitude pode ser havida como ato heroico de demonstração de amor ao próximo.           
No concernente à responsabilidade pelo suicídio, as compreensões da Sociologia, Psicologia e outros saberes – como alvitra o Investigador ora glosado - acentuam o fato de que aquele a impor um termo à própria vida não é responsável por esse ato. Sob o espectro eclesiástico, em contraposição, o autocida responde por isso, pois, pelo fato de ser ato humano, comporta, minimamente, algo de liberdade.
Além da de perfil direto, existem outras modalidades de suicídio: o de ordem indireta pode ser classificado de ato consciente, inspirado na caridade heroica, de modo que se configura, de maneira equivocada, como uma obediência aos desejos de Deus.
              O ato de se aniquilar por amor está embasado no benquerer ao próximo, tendo como paradigma a generosidade de Jesus Cristo.  A pessoa se expõe ao martírio, acreditando solidarizar-se com os sofredores.
 O Teólogo, filósofo e bioeticista católico sob modesto exame também protege a noção de que a eutanásia, por exemplo, é algo muito complexo, bastante questionado, ou seja, se vale a pena prolongar a vida em situação de sofrimento extremo, ou deixar seguir o curso normal.
É notório o fato de que a prática da autodestruição se dá em qualquer instância, desencadeia-se pela existência de um vazio, uma falta de sentido para a vida. No momento em que surgir uma centelha de esperança, de possibilidade de uma vida feliz, certamente, o intento de autoimposição ao fim vital é eliminado. A fé em Deus muito contribui para afastar a infelicidade, que pode despertar a vontade de desistir de viver.
O autocídio nega o cumprimento do dever social e histórico, sendo o individualismo um dos grandes agravantes para o surgimento da ideia de autodestruição, consoante expresso em Bioética - desafios éticos no debate contemporâneo.

4 O OUTRO COMO CONCORRENTE

O reverendíssimo Padre Luís Antônio Bento entende – evidentemente, como o orbe inteiro o faz – o homem com estrutura de ser social. Quando, por qualquer motivo, se isola, começa a sofrer a solidão e perder o sentido da vida. Falta, por parte da sociedade, atenção para com os semelhantes.
              Comum é considerar o outro apenas como um concorrente, alguém que disputa algo conosco. Inexiste o diálogo, uma troca sempre tão rica que se experimenta no convívio social. A deficiência, sob este aspecto, o sentido de proximidade, tem consequências funestas.
 Na opinião de Pellizzaro (apud BENTO, 2008), esse questionamento é de fundamental importância, uma vez que essa lacuna pode ensejar o desencanto em relação à vida. Na perspectiva do Autor opinante - ora chamado pelo Padre Bento -  para se solucionar essa deficiência nos relacionamentos sociais, é necessário algo fundamental e simples, a todos ensinado por Jesus Cristo: o amor ao próximo.
Mera é a proposta de aproximação, mas sua aplicação solicita a se refletir em muitos aspectos complexos, sendo necessária uma avaliação técnica, tanto no âmbito individual como na contextura social. O apoio da família é muito válido nessa fase tão delicada.
Pellizzaro sugere, ainda (IBIDEM), rever alguns dos valores éticos fundamentais que possam atribuir algum sentido à vida e fortalecê-la na ocasião das crises. Desse modo, é possível assegurar que a prevenção pertinente para o suicídio é de ordem moral, de perfil social e cunho religioso.
De acordo com a reflexão de Paulo [...] “Sabemos que a Lei é espiritual, mas eu sou humano e fraco, vendido como escravo ao pecado. Não consigo entender nem mesmo o que eu faço; pois não faço aquilo que eu quero, mas aquilo que mais detesto. Ora, se eu faço o que eu não quero, reconheço que a Lei é boa; portanto, não sou eu quem faço, mas é o pecado que mora em mim. Sei que o bem não mora em mim, isto é, em meus instintos egoístas. O querer bem está em mim, mas não sou capaz de fazê-lo. Não faço o bem que quero, e sim o mal que não quero. Ora,se faço aquilo que não quero, não sou eu que o faço, mas é o pecado que mora em mim. Assim, encontro em mim esta lei: quando quero fazer o bem, acabo encontrando o mal. No meu íntimo eu amo a lei de  Deus; mas percebo em meus membros outra lei que luta contra a lei da minha razão e que me torna escravo da lei do pecado que está em meus membros. Infeliz de mim! Quem me libertará desse corpo de morte? Sejam dadas graças a Deus, por meio de Jesus  Cristo, nosso Senhor. Assim pela razão eu sirvo à lei de Deus, mas pelos os instintos egoístas sirvo à lei do pecado”. ( ROMANOS, 7, 14-25).

5 A MODO DE TÉRMINO

Mediante a lúcida elocução do autor, cuja reflexão é nesse instante objeto de exame, constantes mutações ocorrentes no meio social são passíveis de desestabilizar as pessoas, de modo a se sentirem inseguras e infelizes, ao ponto de se desencantarem em relação à vida.b
O ente humano, sendo um ser social por natureza - na ocorrência de seu afastamento do convívio com seus circunstantes - é objeto de prejuízos incalculáveis, sendo esta causa, talvez, a que mais o conduz a intentar contra a própria vida.
Têm ressalto, ainda, o fator econômico, o sentimento de inutilidade, o individualismo e a míngua de afeto.
Aquele em decurso de entrega à própria inflição está, pois, com as frequências cerebrais alteradas, sofrendo grande pressão psicológica, de modo a não ter sucesso em reverter a situação até materializar seu desígnio lastimável.
              Evento singular, lembrado pelo autor, é observável: há discreta divulgação nos casos de suicídio. Os meios de propagação coletiva - é verdade – suprimem e rejeitam eticamente a possibilidade de lhe conceder visão pública. Procura-se, por conseguinte, não tornar massiva a ocorrência, pois pode produzir emulação em pessoas já predispostas a perpetrar esse ato tão insólito.
Nada justifica, por fim, a autoinflição, pois assalta a preservação da vida e o ser humano deixa de ser útil à sociedade. Na perspectiva do Padre Luís Antônio Bento, não se tem, entretanto, o direito de julgar as pessoas que assim procedem. De tal sorte, então, cabe a Deus o entendimento de tal comportamento, porquanto apenas Ele é capaz de conhecer e compreender o coração humano.

                                         BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA

1 BENTO, Luís Antônio. Bioética: desafios éticos no debate contemporâneo. São Paulo: Paulinas, 2008.
2 BENTO, Luiz Antônio. Bioética e Pesquisas em Seres Humanos. São Paulo: Paulinas, 2011.
 3    AAVV. Dicionário de Teologia Moral. São Paulo: Paulus, 1997.
4 CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Pastoral Galdium et Spes. São Paulo: Paulinas, 2007.
5 EDIÇÕES LOYOLA. Catecismo da Igreja Católica. São Paulo, 1999.
6 EDIÇÕES LOYOLA. Bíblia Sagrada. TEB. São Paulo, 1994.


(1) Interpretação do livro (parte referente ao suicídio) Bioética – desafios éticos no debate contemporâneo, da autoria de Luís Antônio Bento, como tarefa realizada para a disciplina Bioética, do Curso de Graduação em Teologia da Faculdade Católica de Fortaleza, da qual é estudante Socorro Mesquita, sob a regência do Prof. Dr. Pe. Marcos Mendes.

(2) Socorro Mesquita é bacharela em Eventos, pela Faculdade Integrada de Fortaleza, e concludente do Curso de Teologia da Faculdade Católica de Fortaleza (antigo Seminário Arquidiocesano de Fortaleza). Vianney Mesquita é docente da Universidade Federal do Ceará – prof. Adj. IV. Acadêmico titular das Academias Cearense da Língua Portuguesa e Cearense de Literatura e Jornalismo. Árcade novo (fundador) da Arcádia Nova Palmaciana. Escritor e jornalista. (1)