Versão
Sintetizada
O Autocídio sob a Óptica do Filósofo, Teólogo e
Bioeticista Paranaense Luiz Antônio Bento (1)
Socorro
Lima Mesquita (2)
Vianney
Mesquita (2)
O Deus que em
nós impera proíbe que partamos sem o seu consentimento. (Marco Túlio
CÍCERO).
Procedeu-se, em atendimento a fins
acadêmicos, à leitura do livro Bioética –
desafios éticos no
debate contemporâneo, onde o
sacerdote católico, filósofo e teólogo paranaense Luís Antônio Bento evoca o
fato de o ser humano atual perpassar difícil fase da história, permeada por
múltiplas e rápidas transformações, alastradas globalmente. Essas mudanças –
aduz o Autor - interferem nos modos de pensar e agir, afetando as relações socioculturais
e até vinculações religiosas.
Na interpretação livre operada em parte
do texto, compreendeu-se o ato suicida, do modo como divisa o Escritor - sob o
ponto de vista da confissão católica e sem descer a explicações da Ciência
Psicológica nem de outras fontes disciplinares - ao expressar a noção de que, perante
tantas inovações, a pessoa entra em crise, sente-se insegura, de modo que não
sabe o caminho a seguir.
Há de se convir na ideia de que jamais a
humanidade experimentou tanta abertura de liberdade como nos dias de hoje.
Contrastando com esse panorama, apontado pelo Padre Luiz Antônio Bento, surgem
outras modalidades de escravidão social e psicológica, de modo que são muitas
as forças destrutivas a molestar os seres humanos. Dentre estas, estão conflitos
políticos, sociais, econômicos, raciais e ideológicos.
Influenciado,
então, por tantas interferências complexas, o ente humano sente dificuldades de
autoafirmação. Seu pensamento balança entre a esperança e a angústia, e ele não
sabe se posicionar ante tais desafios – exprime o Filósofo sob estudo.
A história caminha tão celeremente que os seus
protagonistas não logram acompanhar o próprio ritmo. Esse descompasso põe na
berlinda, muitas vezes, os valores da estrutura familial. Surge, pois, outro
modelo de humanismo, marcado por contradições e desequilíbrios, e os grupos
familiares são importunados por tensões decorrentes das condições demográficas,
como também por circunstâncias econômicas e sociais.
De efeito, esses conflitos desencadeiam
desgraças, das quais o gênero humano é, simultaneamente, origem e vítima (GAUDIUM ET SPES).
2 ANTECIPAÇÃO
DO FIM À PRÓPRIA VIDA – INCÓGNITA
Não
obstante o grande desenvolvimento das Ciências Sociais e de outras vertentes do
conhecimento ordenado, particularizando a Psicologia e a Psicanálise, o óbito autoinfligido
continua sendo um enigma, pois tem continuidade por séculos a fio, como
incógnita, sem explicação plausível, de sorte que seu espectro não se limita
apenas a causas psicológicas, psicanalíticas ou sociológicas, porquanto é
expresso como bem mais abrangente, o que não compete aqui debater.
No seu magnificamente delineado escrito,
o bioeticista Luís Antônio Bento ensina que o fato de pôr termo à própria
existência representa morte intencional, a si cominada, quando a pessoa experimenta
uma situação-limite, não suporta mais a pressão criada por ela mesma, por
terceiros, ou pela sociedade, indiretamente.
As condições psicológicas, por
consequente, sobram alteradas, restando difícil raciocinar com clareza. Parece
que só existe um foco, ficando aquele sob essa compressão polimotivada a
maquinar o intento, até alcançar efetivá-lo.
Os registros históricos - consoante alvitra o ensaísta de Bioética: desafios éticos no debate
contemporâneo (2008) - assentam a constante ocorrência de autopassamentos, e as
tentativas visando a este propósito se expandem por toda a Terra nas mais
diversas épocas.
Consoante ele informa no ensaio sob comentário,
dados da Organização Mundial da Saúde dão conta de que, atualmente, um milhão
de pessoas se matam por ano no mundo. Os índices globais de suicídios oscilam
de 25 óbitos em cada cem mil habitantes. No Japão e países do Continente Europeu,
como Espanha, Itália, Irlanda e Holanda, bem assim no Egito, a taxa é reduzida
para até menos de dez trespasses a cada cem mil habitantes.
A maior incidência de vítimas está no
segmento de adolescentes e jovens abaixo dos 30 anos. Fato curioso – sugere o
Teólogo cujo texto é agora interpretado - é que o suicídio atinge maior
percentual de homens, apesar de as mulheres tentarem mais.
Visando ao caráter social, destacam-se
os desempregados como maioria das vítimas, ao passo que os profissionais
liberais representam minoria. São as mais incidentes causas geradoras desse
agravo lamentável a solidão, o sentimento de inutilidade, a privação afetiva e
de integração social. Daí a constante ocorrência entre viúvos, divorciados e
outros que vivem sozinhos – completa o Padre Cornélio-procopiense.
Na lição do Sacerdote paranaense, suicida
é uma pessoa que decide se anular, pois seu projeto é fugir de sofrimentos,
físicos ou psicológicos. Quando uma personagem está enfrentando crise
depressiva, é mais passível de ser alvo de suicídio, prefere a morte no lugar
da vida insuportável.
O Filósofo e bioeticista sob nota dá
conta do fato de que a Igreja Católica, Apostólica e Romana abominava esse
evento. Não assentia em que se efetivassem nem missas de corpo presente. No
tempo que ora flui, a Filosofia eclesiástica decodifica diferentemente tal
acontecimento, pois não o considera mais uma ação moral. Assim, não faz julgamentos
da vítima e a recebe com misericórdia.
Ele indigita três motivos básicos para
a taxinomia do autocídio como imoral:
a)
é uma fuga individual que atenta contra o princípio da autoconservação vital;
b)
cuida-se de negação social, deixando-se de contribuir para o bem da sociedade;
e
c) constitui falha no âmbito religioso, pois atenta
contra o quinto mandamento do Decálogo Mosaico – NÃO MATAR.
O
suicídio direto representa falha contra si, desfavoravelmente ao próximo e sem
mercê a Deus. É oposto à dimensão da moral religiosa. O catecismo da Igreja
Católica acentua: ”O suicídio é gravemente contrário à justiça, à esperança e à
caridade. É proibido pelo quinto mandamento”. (Nº 2325). As pessoas que o
demandam arrostam conflitos internos e externos e não vislumbram possibilidades
de solvê-los.
O
Catecismo da Igreja Católica aponta “distúrbios psíquicos de natureza grave, a
angústia ou o medo grave da provação, do sofrimento ou de tortura podem
diminuir a responsabilidade do suicida”. (Nº 2282).
3
O SUICÍDIO INDIRETO
No entendimento do Escritor agora comentado,
a justificativa da morte perante valorações superiores é havida pela tradição
moral como suicídio indireto. A morte não é o fim, e sim o meio, para se
atingir bom resultado. Os mártires doam sua vida para testemunhar o amor de
Deus. A doação da vida numa dedicação aos enfermos contagiosos provoca a morte
gradual. No caso, o óbito não é o fim útil, porém um gesto caritativo. Os
doutrinadores católicos consideram de duplo efeito, porque a morte não é
intencional, mas acidental. A atitude pode ser havida como ato heroico de
demonstração de amor ao próximo.
No concernente à responsabilidade pelo
suicídio, as compreensões da Sociologia, Psicologia e outros saberes – como
alvitra o Investigador ora glosado - acentuam o fato de que aquele a impor um
termo à própria vida não é responsável por esse ato. Sob o espectro
eclesiástico, em contraposição, o autocida responde por isso, pois, pelo fato
de ser ato humano, comporta, minimamente, algo de liberdade.
Além da de perfil direto, existem outras
modalidades de suicídio: o de ordem indireta pode ser classificado de ato
consciente, inspirado na caridade heroica, de modo que se configura, de maneira
equivocada, como uma obediência aos desejos de Deus.
O ato de se aniquilar por amor está
embasado no benquerer ao próximo, tendo como paradigma a generosidade de Jesus
Cristo. A pessoa se expõe ao martírio,
acreditando solidarizar-se com os sofredores.
O
Teólogo, filósofo e bioeticista católico sob modesto exame também protege a
noção de que a eutanásia, por exemplo, é algo muito complexo, bastante
questionado, ou seja, se vale a pena prolongar a vida em situação de sofrimento
extremo, ou deixar seguir o curso normal.
É notório o fato de que a prática da
autodestruição se dá em qualquer instância, desencadeia-se pela existência de
um vazio, uma falta de sentido para a vida. No momento em que surgir uma
centelha de esperança, de possibilidade de uma vida feliz, certamente, o intento
de autoimposição ao fim vital é eliminado. A fé em Deus muito contribui para afastar
a infelicidade, que pode despertar a vontade de desistir de viver.
O autocídio nega o cumprimento do dever
social e histórico, sendo o individualismo um dos grandes agravantes para o
surgimento da ideia de autodestruição, consoante expresso em Bioética - desafios éticos no debate
contemporâneo.
4 O OUTRO COMO CONCORRENTE
O reverendíssimo Padre Luís Antônio
Bento entende – evidentemente, como o orbe inteiro o faz – o homem com
estrutura de ser social. Quando, por qualquer motivo, se isola, começa a sofrer
a solidão e perder o sentido da vida. Falta, por parte da sociedade, atenção
para com os semelhantes.
Comum é considerar o outro apenas
como um concorrente, alguém que disputa algo conosco. Inexiste o diálogo, uma
troca sempre tão rica que se experimenta no convívio social. A deficiência, sob
este aspecto, o sentido de proximidade, tem consequências funestas.
Na opinião de Pellizzaro (apud BENTO, 2008), esse questionamento é de fundamental
importância, uma vez que essa lacuna pode ensejar o desencanto em relação à
vida. Na perspectiva do Autor opinante - ora chamado pelo Padre Bento - para se solucionar essa deficiência nos
relacionamentos sociais, é necessário algo fundamental e simples, a todos
ensinado por Jesus Cristo: o amor ao próximo.
Mera é a proposta de aproximação, mas sua
aplicação solicita a se refletir em muitos aspectos complexos, sendo necessária
uma avaliação técnica, tanto no âmbito individual como na contextura social. O
apoio da família é muito válido nessa fase tão delicada.
Pellizzaro sugere, ainda (IBIDEM), rever alguns dos valores éticos
fundamentais que possam atribuir algum sentido à vida e fortalecê-la na ocasião
das crises. Desse modo, é possível assegurar que a prevenção pertinente para o
suicídio é de ordem moral, de perfil social e cunho religioso.
De acordo com a reflexão de Paulo [...] “Sabemos
que a Lei é espiritual, mas eu sou humano e fraco, vendido como escravo ao
pecado. Não consigo entender nem mesmo o que eu faço; pois não faço aquilo que eu
quero, mas aquilo que mais detesto. Ora, se eu faço o que eu não quero,
reconheço que a Lei é boa; portanto, não sou eu quem faço, mas é o pecado que
mora em mim. Sei que o bem não mora em mim, isto é, em meus instintos egoístas.
O querer bem está em mim, mas não sou capaz de fazê-lo. Não faço o bem que
quero, e sim o mal que não quero. Ora,se faço aquilo que não quero, não sou eu
que o faço, mas é o pecado que mora em mim. Assim, encontro em mim esta lei:
quando quero fazer o bem, acabo encontrando o mal. No meu íntimo eu amo a lei
de Deus; mas percebo em meus membros
outra lei que luta contra a lei da minha razão e que me torna escravo da lei do
pecado que está em meus membros. Infeliz de mim! Quem me libertará desse corpo
de morte? Sejam dadas graças a Deus, por meio de Jesus Cristo, nosso Senhor. Assim pela razão eu
sirvo à lei de Deus, mas pelos os instintos egoístas sirvo à lei do pecado”. (
ROMANOS, 7, 14-25).
5 A MODO DE TÉRMINO
Mediante a lúcida elocução do autor,
cuja reflexão é nesse instante objeto de exame, constantes mutações ocorrentes
no meio social são passíveis de desestabilizar as pessoas, de modo a se
sentirem inseguras e infelizes, ao ponto de se desencantarem em relação à vida.b
O ente humano, sendo um ser social por
natureza - na ocorrência de seu afastamento do convívio com seus circunstantes
- é objeto de prejuízos incalculáveis, sendo esta causa, talvez, a que mais o
conduz a intentar contra a própria vida.
Têm ressalto, ainda, o fator econômico, o
sentimento de inutilidade, o individualismo e a míngua de afeto.
Aquele em decurso de entrega à própria
inflição está, pois, com as frequências cerebrais alteradas, sofrendo grande
pressão psicológica, de modo a não ter sucesso em reverter a situação até
materializar seu desígnio lastimável.
Evento singular, lembrado pelo autor,
é observável: há discreta divulgação nos casos de suicídio. Os meios de
propagação coletiva - é verdade – suprimem e rejeitam eticamente a
possibilidade de lhe conceder visão pública. Procura-se, por conseguinte, não
tornar massiva a ocorrência, pois pode produzir emulação em pessoas já predispostas
a perpetrar esse ato tão insólito.
Nada justifica, por fim, a autoinflição,
pois assalta a preservação da vida e o ser humano deixa de ser útil à
sociedade. Na perspectiva do Padre Luís Antônio Bento, não se tem, entretanto,
o direito de julgar as pessoas que assim procedem. De tal sorte, então, cabe a
Deus o entendimento de tal comportamento, porquanto apenas Ele é capaz de
conhecer e compreender o coração humano.
BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA
1 BENTO, Luís Antônio. Bioética: desafios éticos no debate
contemporâneo. São Paulo: Paulinas,
2008.
2 BENTO, Luiz Antônio. Bioética e Pesquisas em Seres
Humanos. São Paulo: Paulinas, 2011.
3 AAVV.
Dicionário de Teologia Moral. São Paulo: Paulus, 1997.
4 CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Pastoral Galdium et Spes. São Paulo:
Paulinas, 2007.
5
EDIÇÕES LOYOLA. Catecismo da Igreja Católica. São Paulo, 1999.
6
EDIÇÕES LOYOLA. Bíblia Sagrada. TEB. São Paulo, 1994.
(1) Interpretação do
livro (parte referente ao suicídio) Bioética
– desafios éticos no debate contemporâneo, da autoria de Luís Antônio
Bento, como tarefa realizada para a disciplina Bioética, do Curso de Graduação em Teologia da Faculdade Católica
de Fortaleza, da qual é estudante Socorro Mesquita, sob a regência do Prof. Dr.
Pe. Marcos Mendes.
(2) Socorro Mesquita
é bacharela em Eventos, pela Faculdade Integrada de Fortaleza, e concludente do
Curso de Teologia da Faculdade Católica de Fortaleza (antigo Seminário
Arquidiocesano de Fortaleza). Vianney Mesquita é docente da Universidade
Federal do Ceará – prof. Adj. IV. Acadêmico titular das Academias Cearense da
Língua Portuguesa e Cearense de Literatura e Jornalismo. Árcade novo (fundador)
da Arcádia Nova Palmaciana. Escritor e jornalista. (1)
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