O LEGADO POÉTICO DE GISELDA MEDEIROS
A poesia é mistério, solidão e descoberta. Presente
em qualquer aurora, ela nos arrebata, prende, fascina. Conosco voa, plana, ou
esconde-se. Nos cantos mais sutis das nossas almas, ou até mesmo numa porta
fatigada de esperas. Estampa-se no sorriso do vento, na insensatez do tempo ou
nos confins dos nossos braços cheios de abraços.
Assim, envolta na túnica do sonho, testemunha da
saudade, da dor ou do recolhimento, Giselda Medeiros lega à sua imensa legião
de leitores, essa obra de singular beleza, onde tudo converge ao essencial.
Incrustada numa ânfora morna de sol; pronta aos nossos olhos ávidos de sabê-la.
Afirma Voltaire que o esplendor da relva só pode mesmo ser percebido pelo poeta. Os outros
pisam nela.
Pelo prisma de sua farta imaginação poética, a
escritora intui a filigrana da metáfora, transformando o que poder-se-ia tomar
como lugar comum, numa cortina aberta às conjecturas, certezas, solidões,
esperanças, silêncios e caminhos. Esses, por vezes tortuosos, inalcançáveis,
vazios...
“Há muito
estou aqui / no meio deste tempo sem história / cansa-me procurar a saída /
nesses vales úmidos de espanto”. Ante a indefinição, o medo, o inconcluso,
só resta à poeta adormecer. Para quem
sabe, achar uma saída... E, nessa sublimação, exclama: “Adormecer, adormecer – é o que me resta, / para sonhar com tuas mãos se
abrindo em flores”.
No poema visões
a simbiose da escritora com o eu lírico forma-se em movimentos alternados de
aproximação e distância. Isso, Giselda mostra num percurso solitário e
indiviso, compondo em miragens uma fragilidade infinda: “Há pássaros engaiolados em teus olhos / nos meus há liberdade de nuvens
em travessia”. “Tudo em ti é mito; /
tudo em mim é poesia / tuas mãos não derramam brindes; / minhas mãos derramam
estrelas”.
Já em nuvem de
sândalo a poeta canta o canto
inaugural das tardes, prometendo ao amado seu cálido perfume de mulher. Aqui, o erotismo é sutil; posto
sabermos que sua poesia jamais tombará sob o peso do grotesco. “Eu serei para ti a amada e a amante. /
descerei ao pomar de teus anseios, / feito fruta colhida entre tuas heras”.
Há beleza em tudo que se move; Ânfora de Sol é beleza em movimento. “O ardente desejo de amanhecer-me aurora / cresce, expande-se,
alastra-se em vigílias, / enquanto só a melancolia amanhece em minhas
pálpebras.”
Giselda Medeiros é multifacetada em versos. E sua
poesia é indissociável do canto, da dança, da cor e do lamento: “tu cantas, poeta, / a amargura da vida / com
a mesma singeleza com que choras / o amor sonhado, encravado nas estrelas”.
“Para ti / a nota o ritmo / na simbiose
da canção / de amor que cantas”. “ah,
deixem-me cantar minha canção / na dor silenciosa dos espinhos, / porquanto a
aurora ainda é paisagem em mim!”
Ânfora de Sol é tudo isso. A reflexão existencial
sobre o amor e seus contornos. A memória percorrendo lenta as sendas do
impreciso. Ou a explosão da luz totalizando os êxtases!
Giselda Medeiros seguirá, certamente, o seu caminho;
encantada e conclusiva sobre a pujança de se saber poeta. Nós, seus leitores,
inclinamo-nos reverentes ao seu verso.
Neide Azevedo Lopes