quinta-feira, 27 de maio de 2010

POEMA DE ÂNFORA DE SOL - LIVRO A SER LANÇADO BREVEMENTE


CONTEÚDO E CONTINENTE
Giselda Medeiros


Poeta,
de que barro,
de que águas,
de que matéria
vem tua rima,
se ela é tão rara
e embriaga as retinas
ávidas de pérolas,
e de luz, e de canções?!
Chove emoção com teu verso...
E tua poesia é azeite e lâmpada,
fio e teia, corda e harpa,
asa e voo, luz e estrela,
água e rio,
pássaro que pousa
sobre o azedume da vida
soterrando espantos
e despertando mitos.
Tua poesia escorre sobre nós
como o orvalho sobre a pétala,
tão leve e cristalina...
Poeta, responde-nos:
de que barro,
de que águas,
de que matéria
vem tua rima,
se tua mão guia, no invisível espaço matinal,
o ritmo e a palavra
que começam a dançar nas madrugadas
envoltos no ciciar da brisa,
a explodir em versos sobre tua fronte?!
Tu cantas, Poeta,
a amargura da vida
com a mesma singeleza com que choras
o amor sonhado, encravado nas estrelas.
Teu é o território do sentimento.
Teu é o infinito que se abre para conter o sonho.
Teu é o canto da saudade
evolando nas asas do pássaro do amor.
Por isso, poeta, vem e dize-nos:
de que barro,
de que águas,
de que matéria, enfim, vem tua primorosa rima?!...

domingo, 23 de maio de 2010

DE MIM - Giselda Medeiros



Sou o que a vida me impõe:
auroras e crepúsculos,
mãos e adeuses,
altar e sacrifícios,
pegadas e caminhos.

Sou o atavio,
o assobio,
a carta que longe vai
em busca de um leitor.

Sou o sol dos que partiram
e não deixaram pegadas

Sou a solidão da espera
dos que jamais regressaram.

Sou esse adeus tatuado
no rosto dos que ficaram.

E sou o azul do teu olho,
maior do que o do oceano,
com o qual enxergas a vida
mais azul do que parece.

E isso me basta!


(Tempo das Esperas)

terça-feira, 18 de maio de 2010

UM POUCO SOBRE AUTA DE SOUZA

Auta de Souza nasceu em Macaíba, no Rio Grande do Norte, no dia 12 de setembro de 1876.

Era filha de Eloy Castriciano de Souza e Henriqueta Leopoldina de Souza, sendo irmã de dois políticos e intelectuais, Henrique Castriciano e Eloy de Souza.

Ficou órfã de mãe, antes de chegar aos 3 anos de idade e, quase dois anos mais tarde, mais perderia também o pai.

Depois da morte dos pais, Auta e os quatro irmãos vão morar em Recife, com os avós maternos, no velho sobrado do Arraial.

Com 10 anos de idade, assiste à morte trágica do irmão Irineu. Era 15 de fevereiro de 1887. O irmão subira ao andar superior do sobrado com uma lamparina de querosene. Houve uma explosão do candeeiro e Irineu foi envolvido e morto pelas chamas.

Estudou no Colégio São Vicente de Paulo, coordenado por religiosas francesas, e no Colégio São Vicente, onde aprendeu o francês, o que lhe possibilitou a leitura no original de Vitor Hugo, Chateaubriand, Fénelon, Lamartine, dentre outros.

Aos 14 anos de idade, surgem os primeiros sinais da tuberculose. A avó Dindinha, após desenganar-se da cura da neta em Recife, retorna com toda a família para Macaíba (RN).

Auta então, abandona os estudos, indo em busca da cura no interior. O avanço da doença obriga-a a buscar cidades do interior de clima mais seco.


Em 20 de junho de 1900, publica O Horto, seu primeiro e único livro de poemas, que foi prefaciado por Olavo Bilac. Foi tamanho o sucesso que, em sessenta dias, a edição esgotara-se.

A tuberculose, no entanto, não arrefece. Aos 24 anos, no dia 7 de fevereiro de 1901, em Natal, morre Auta de Souza.

Nove anos após a morte da poetisa, em 1910, saía a segunda edição, em Paris, com ilustrações artísticas de D. Widhopff. Em 1936, a terceira, no Rio de Janeiro, com prefácio de Alceu de Amoroso Lima.

Na poética de Auta de Souza, observam os críticos um acentuado lirismo e leves traços simbolistas. Temas como a morte e o universo infantil são abundantemente trabalhados.

Segue-se um de seus belos poemas.

SAUDADE - AUTA DE SOUZA


Ah! se soubesse quanto sofro e quanto
Longe de ti meu coração padece!
Ah! se soubesses como dói o pranto
Que eternamente de meus olhos desce!

Ah! se soubesses!... Não perguntarias
De onde é que vem esta sombria mágoa
Que traz-me o peito cheio de agonias
E os tristes olhos arrasados d’água!

Querem que a lira de meus versos cante
Mais esperança e menos amargura,
Que fale em noites de luar errante
E não invoque a pobre noite escura.

Mas... como posso eu levar sonhando
A vida inteira n’um anseio infindo,
Se choro mesmo quando estou cantando
Se choro mesmo quando estou sorrindo!

Ouve, ó formosa e doce e imaculada,
Visão gentil de eterna fantasia:
Minh’alma é uma saudade desfolhada
De mãe querida sobre a cova fria.

Ah! minha mãe! Pois tu não sabes, santa,
Que Ela partiu e me deixou no berço?
Desde esse dia a minha lira canta
Toda a saudade que lhe inspira o verso!

Depois que Ela se foi a Mágoa veio
Encher-me o coração de luto e abrolhos.
Eu sofro tanto longe de seu seio,
Eu sofro tanto longe de seus olhos!

Ó minha Eugênia! Estrela abençoada
Que iluminas o horror deste deserto...
De teu afeto a chama consagrada
Lança à minh’alma como um pálio aberto.

Quando beijares teus filhinhos, pensa
O que seria d’eles sem teus beijos;
E, então, compreenderás a dor imensa,
A amargura cruel destes harpejos!

Junta as mãozinhas dos pequenos lírios,
Das criancinhas que tu’alma adora,
E ensina-os a rezar sobre os martírios
E a saudade infinita de quem chora.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

AFLIÇÃO - Giselda Medeiros



A boca da noite grita
cheia de beijos de estrelas
sobre nossos corpos
engolindo medos.
E aflita
morde nossos desejos.

O sangue que escorre
amarelo
colore os relâmpagos
de nossa alma
que se recolhe
no tumulto dos sonhos
envelhecidos.

Mas o desejo é um lobo, condenado
a mirar-se no lago congelado
do silêncio cristalino,
imóvel pássaro aposentado
de seus voos longínquos.

E a boca da noite grita
aflita
cheia de beijos de estrelas
sobre nossos corpos
lânguidos...


(Tempo das Esperas)

sexta-feira, 7 de maio de 2010

UMA HOMENAGEM À MINHA MÃE


ÂNFORA DE SOL(para Dona Raimundinha)

Na sala
a Ânfora cheia de sol...
Imponente, ao olhar de anjos,
esparge no ar
cheiros dourados
embebidos de lúcida liberdade.
E o meu olfato cego
enche-se do sal cheiroso
de suas entranhas.
Meus chinelos rotos, à porta,
denunciam reverência
à Ânfora imóvel, resplendendo em sol.

Ao contemplá-la,
em sua altivez etérea,
meus olhos vestidos do cansaço humano
transfiguram-se em centelhas,
cativos de seu encantamento,
ametistas em noite de núpcias.

E ela ali, imóvel, cheia de Sol,
Poesia no ar, em asas,
planando sobre minha inutilidade...

Aí, então, desferi meu grito
angustiado
qual um punhal,
e renasci, na aflição de minhas cinzas,
qual fora fria gota cristalina
de orvalho
a deslizar sobre a pétala da saudade.

Giselda Medeiros

DIA DAS MÃES - Ghiaroni



Mãe! eu volto a te ver na antiga sala
onde uma noite te deixei sem fala
dizendo adeus como quem vai morrer.
E me viste sumir pela neblina,
porque a sina das mães é esta sina:
amar, cuidar, criar, depois... perder.

Perder o filho é como achar a morte.
Perder o filho quando, grande e forte,
já podia ampará-la e compensá-la.
Mas nesse instante uma mulher bonita,
sorrindo, o rouba, e a velha mãe aflita
ainda se volta para abençoá-la

Assim parti, e nos abençoaste.
Fui esquecer o bem que me ensinaste,
fui para o mundo me deseducar.
E tu ficaste num silêncio frio,
olhando o leito que eu deixei vazio,
cantando uma cantiga de ninar.

Hoje volto coberto de poeira
e te encontro quietinha na cadeira,
a cabeça pendida sobre o peito.
Quero beijar-te a fronte, e não me atrevo.
Quero acordar-te, mas não sei se devo,
não sinto que me caiba este direito.

O direito de dar-te este desgosto,
de te mostrar nas rugas do meu rosto
toda a miséria que me aconteceu.
E quando vires a expressão horrível
da minha máscara irreconhecível,
minha voz rouca murmurar:''Sou eu!"

Eu bebi na taberna dos cretinos,
eu brandi o punhal dos assassinos,
eu andei pelo braço dos canalhas.
Eu fui jogral em todas as comédias,
eu fui vilão em todas as tragédias,
eu fui covarde em todas as batalhas.

Eu te esqueci: as mães são esquecidas.
Vivi a vida, vivi muitas vidas,
e só agora, quando chego ao fim,
traído pela última esperança,
e só agora quando a dor me alcança
lembro quem nunca se esqueceu de mim.

Não! Eu devo voltar, ser esquecido.
Mas que foi? De repente ouço um ruído;
a cadeira rangeu; é tarde agora!
Minha mãe se levanta abrindo os braços
e, me envolvendo num milhão de abraços,
rendendo graças, diz:"Meu filho!", e chora.

E chora e treme como fala e ri,
e parece que Deus entrou aqui,
em vez de o último dos condenados.
E o seu pranto rolando em minha face
quase é como se o Céu me perdoasse,
me limpasse de todos os pecados.

Mãe! Nos teus braços eu me transfiguro.
Lembro que fui criança, que fui puro.
Sim, tenho mãe! E esta ventura é tanta
que eu compreendo o que significa:
o filho é pobre, mas a mãe é rica!
O filho é homem, mas a mãe é santa!

Santa que eu fiz envelhecer sofrendo,
mas que me beija como agradecendo
toda a dor que por mim lhe foi causada.
Dos mundos onde andei nada te trouxe,
mas tu me olhas num olhar tão doce
que, nada tendo, não te falta nada.

Dia das Mães! É o dia da bondade
maior que todo o mal da humanidade
purificada num amor fecundo.
Por mais que o homem seja um ser mesquinho,
enquanto a Mãe cantar junto a um bercinho

cantará a esperança para o mundo!

HOMENAGEM A TODAS AS MÃES!!!

terça-feira, 4 de maio de 2010

Os Estatutos do Homem (Ato Institucional Permanente) - Thiago de Mello


A Carlos Heitor Cony

Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único:
O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.

Artigo V
Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.

Artigo VI
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X
Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.

Artigo XI
Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII
Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.

Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.

Artigo Final.
Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.