quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Texto muito bom do Professor Vianney Mesquita: leia-o



Apreciação Literocientífica

ESTUDANTE ABJETO: ESTADO SEM COMPROMISSO?

Vianney Mesquita*

A escola elementar deve ser tão franca e tão obrigativa a todos como a pia batismal.(A. F. DE CASTILHO).
Quando o Estado tem ordem, é vergonha ser pobre e vulgar. Quando o Estado se encontra no caos, vergonha é ser rico e mandar. (CONFÚCIO).


Concluí, há pouco, revista da relação de doutoramento de autoria da filósofa e pedagoga, docente da Secretaria de Educação do Município de Fortaleza, Magister Scientiae e investigadora de temas sociais - Valéria Cassandra Oliveira de Lima - sob a orientação acadêmica da Professora Doutora Ercília Maria Braga de Olinda – FACED – Universidade Federal do Ceará, com o título Alunos Abjetos: Etnografia da Inclusão numa Escola Municipal de Fortaleza.  
Muito me contenta exprimir a verdade segundo a qual, nos mais de trinta anos na atividade de copydesk de textos diversos, notadamente de teor acadêmico, esta tese se inserta nos cinco melhores dos quais procedi à revisão, nesse âmbito temático.
Quem o deparar vai perceber que o trabalho foi efetivado com soberana fidelidade aos pressupostos da ordem científica, obediente às determinações da metodologia, tanto na parte adjetiva da escrita quanto no lado substantivo da recolha dos elementos anímicos do relatório, no trabalho rural magnificamente operado, sem qualquer paixão refalsada, em circunstância de enorme risco físico pessoal e velada ameaça psicológica, quando realizadas as denominadas “tarefas de campo”.
 Sob esse aspecto, ainda, o conjunto textual restou absolutamente conformado às condições morais e intelectuais exigidas de um produtor de entendimentos, ao executar um procedimento oriundo do saber ordenado, em especial pelo fato de a autora haver defendido, com alegações pessoais corretíssimas, posições terminantes contra a existência das pessoas havidas como abjetas, nódoa pespegada, também e principalmente, a alunos especiais de uma escola pública localizada na “Grande Messejana”, aqui em Fortaleza, seu campo de prova por dois anos e cuja tese vai sustentar, proximamente, na Faculdade de Educação da U.F.C., com vistas à obtenção do título de doutor.
No resguardo de seus pontos de vista, no entanto, não externou, por inexistente, ânimo enviesado ou determinação viciosa, principalmente pelo fato de se haver reportado aos melhores autores das Ciências da Educação e afins, nacionais e do Exterior, como, exempli gratia e entre muitos, a filósofa estadunidense Judith Butler, o sociofilósofo francêsMichel Foucault e a intelectual brasileira Eveline Bertino Algebaile, produtora de textos sobre escola pública, docente da Universidade Estadual do Rio Janeiro.
A nenhum dos escritores a quem recorreu, ressai exprimir, ela se curvou, tampouco se mostrou submissa, haja vista o seu preparo, manifesto com segurança, detidamente operado num escrito de quase trezentas páginas de arrazoados lógicos, sem raiva nem preconceito (sine ira et studio) – no dizer de Caio Tácito - muito bem meditados e em comunicação facilmente legível por parte de pares seus na Academia e pessoas de boa capacidade de decodificação, incluindo, em especial, as autoridades educacionais da Prefeitura de Fortaleza.
 Pelo fato de o esmerado escrito da Professora Doutora Valéria Cassandra aportar literatura de absoluta necessidade ao temário educacional brasileiro, mormente no campo da inclusão educacional, na senda dos ensaios sobre indisciplina no chão da escola e terrenos afins, guardo a esperança de que seja editado em livro (sugiro Aluno abjeto: Estado Irresponsável?) para circulação por todo o ecúmeno educativo nacional e das nações lusófonas, destino por ele merecido e fonte obsequiosa a novos experimentos no mencionado rol temático, no âmbito dos mencionados países.

Congratulo-me com a Autora e enuncio minha satisfação pelo feito, ao modo como procedo a cada ensejo em que aflora da Academia um exemplar com perfil semelhante ou aproximado ao teor da relação de pesquisa sob comento, motivo de júbilo para a Escritora e razão de contentamento renovado para uma academia de alcance e respeito nacional (U.F.C.), que inumeráveis peças de sublime qualidade já ofereceu de presente à sociedade culta do Brasil, com transposição às balizas patriais. 

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

POEMA DE GISELDA MEDEIROS



NOSSOS MOTIVOS

Queria ser o motivo do teu riso,
da tua lágrima.
Queria ser tua voz,
o chão alcatifado de folhas
no teu outono...
Eu e tu metamorfoseando cores,
caminhos, a espiar a lonjura das nossas almas.
A flor entreabrindo sua corola...
Ah, essa cor... Esse encolher-se tão lânguido,
tendo o vento a nos açoitar as áureas asas...
Aberta a corola para o nosso encontro!

Eis-me aqui à tua espera
Para ti, para o teu amor...
Sou múltipla e una – EU e TU –
Terra e mar, onda e areia,
Veludo e voz,
veio d’água escorrendo das violáceas pétalas...
Luz penetrando as virgens águas dormidas...
Sou o vale por onde escorrem tuas águas,
a ilha onde descansas tua fome de andarilho.
Enfurecidas ondas... Sou eu a te moldar o ritmo.
Somos pingentes na orelha do vento
que assobia uma canção de amor...

Toma-me. Eis aqui tua noiva.

O véu que te espera para ser descerrado...

(in: Revista da Academia Cearense de Letras - ano 2014)

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

PARA SE LER COM O CORAÇÃO


Há de se cuidar da amizade e do amor
26/10/2013

A amizade e o amor constituem as relações maiores e mais realizadores que o ser humano, homem e mulher, pode  experimentar e desfrutar. Mesmo o místico mais ardente só consegue uma fusão com a divindade através do caminho do amor. No dizer de São João da Cruz, trata-se da experiência da “a amada(a alma) no Amado transformada”.

Há vasta literatura sobre estas duas experiências de base. Aqui restringimo-nos ao mínimo. A amizade é aquela relação que nasce de uma ignota afinidade, de uma simpatia de todo inexplicável, de uma proximidade afetuosa para com a outra pessoa. Entre os amigos e amigas se cria uma como que comunidade de destino. A amizade vive do desinteresse, da confiança e da lealdade. A amizade possui raízes tão profundas que, mesmo passados muitos anos, ao reencontrarem-se os amigos e amigas, os tempos se anulam e se reatam os laços e até  se recordam da última conversa havida há muito tempo.

Cuidar da amizade é preocupar-se com a vida, as penas e as alegrias do amigo e da amiga. É oferecer-lhe um ombro quando a vulnerabilidade o visita e o desconsolo lhe oculta as estrelas-guias. É no sofrimento e no fracasso existencial, profissional ou amoroso que se comprovam os verdadeiros amigos e amigas. Eles são como uma torre fortíssima que defende  o frágil castelo de nossas vidas peregrinas.

A relação mais profunda é a experiência do amor. Ela  traz as mais felizes realizações ou as mais dolorosas frustrações. Nada é mais misterioso do que o amor. Ele vive do encontro entre duas pessoas que um dia cruzarem seus caminhos, se descobriram no olhar e na presença e viram nascer um sentimento de enamoramento, de atração, de vontade de estar junto até resolverem fundir as vidas, unir os destinos, compartir as fragilidades e as benquerenças da vida. Nada é comparável à felicidade de amar e de ser amado.  E nada  há de mais desolador, nas palavras do poeta Ferreira Gullar, do que não poder dar amor a quem se ama.

Todos esses  valores, por serem os mais preciosos, são também os mais frágeis  porque  mais expostos às contradições da humana existência.

Cada qual é portador de luz e de sombras, de histórias familiares e pessoais diferentes, cujas raízes alcançam arquétipos ancestrais, marcados por experiências bem sucedidas ou trágicas que deixaram marcas na memória genética de cada um.

O amor é uma arte combinatória de todos estes fatores, feita com sutileza que demanda capacidade de compreensão, de renúncia, de paciência e de perdão e, ao mesmo tempo, comporta o desfrute  comum do encontro amoroso, da intimidade sexual, da entrega confiante de um ao outro. A experiência do amor serviu de base para entendermos a natureza de Deus: Ele é amor essencial e incondicional.
Mas o amor sozinho não  basta. Por isso São Paulo em seu famoso hino ao amor, elenca os acólitos do amor sem os quais ele não consegue subsistir e irradiar. O amor tem que ser paciente, benigno, não ser ciumento, nem gabar-se, nem ensoberbecer-se, não procurar seus interesses, não se ressentir do mal…o amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera e tudo suporta…o amor nunca se acaba (1Cor 13, 4-7). Cuidar destes acompanhantes do amor é fornecer o húmus necessário para que o amor seja sempre vivo e não morra pela indiferença. O que se opõe ao amor não é o ódio mas a indiferença.

Quanto mais alguém é capaz de uma entrega total, maior e mais forte é o amor. Tal entrega supõe extrema coragem, uma experiência de morte pois não retém nada para si e mergulha totalmente no outro. O homem possui especial dificuldade para esta atitude extrema, talvez pela herança de machismo, patriarcalismo e racionalismo de séculos que carrega dentro de si e que lhe  limita a capacidade desta  confiança extrema.

A mulher é mais radical: vai até o extremo da entrega no amor, sem resto e sem retenção. Por isso seu amor é mais pleno e realizador e, quando se frustra, a vida revela contornos de tragédia e de um vazio abissal.
O segredo maior para cuidar do amor reside no singelo cuidado da ternura.  A ternura vive de gentileza, de pequenos gestos que revelam o carinho, de sacramentos tangíveis, como recolher uma concha na praia e levá-la à pessoa amada e dizer-lhe que, naquele momento, pensou carinhosamente nela.

Tais “banalidades” tem um peso maior que a mais preciosa joia. Assim como uma estrela não brilha sem uma atmosfera ao seu redor, da mesma forma, o amor não vive  sem um aura de enternecimento, de afeto e de cuidado.
Amor e cuidado formam um casal inseparável. Se houver um divórcio entre eles, ou um ou outro morre de solidão. O amor e o  cuidado constituem uma arte. Tudo o que cuidamos também amamos. E tudo o que amamos também cuidamos.

Tudo o que vive tem que ser alimentado e sustentado. O mesmo  vale para o amor e para o cuidado. O amor e  o cuidado se alimentam da afetuosa preocupação de um para com o outro. A dor e a alegria de um é a alegria e a dor do outro.

Para fortalecer a fragilidade natural do amor precisamos de Alguém maior, suave e amoroso, a quem sempre podemos invocar. Daí a importância dos que se amam, de reservarem algum tempo de abertura e de comunhão com esse Maior, cuja natureza é de amor, aquele amor, que segundo Dante Alighieri da Divina Comédia “move o céu e as outras estrelas”  e nós acrescentamos: que comove os nossos corações.

Leonardo Boff é autor de  O Cuidado necessário, Vozes 2012.

(Colaboração de Eugênio Eduardo Pimentel)