quarta-feira, 19 de março de 2014

Giselda Medeiros: o Discurso da Introspecção
Especial para o ler
As poesias são como brisas doces e suaves de uma leveza inigualável, indo além da forma e da estrutura

Da obra "Tempo das esperas", de Giselda Medeiros, foram retirados os quatro poemas que serão analisados. "De motivo", trata-se de uma sextilha com o metro livre e versos predominantemente brancos. (Texto I)
A metapoesia
O primeiro verso "A ti, ó poesia" deixa claro que sua composição se trata de um metapoema, pois o eu lírico refere-se diretamente a poesia utilizando-a como vocativo. E eleva a poesia a um nível divino ao fazer uma comparação no segundo verso "seios do eterno a jorrar leite e mel" aproximando, assim, o fazer poético à alimentação espiritual, que convencionalmente relacionamos às doutrinas cristãs.
O terceiro e quarto verso "ergo minha taça" / "vazia" aproxima ainda mais o poema de rituais religiosos, pois faz referência ao momento de comunhão onde os cristãos "pedem" e "recebem" corpo e o sangue de Cristo e ao ler o poema. Parece que o eu lírico pede à poesia, seu ser superior, que o alimente, deseja ter sempre seu cálice transbordante "de canções / de leite e mel", isto é, de poemas.
Já o poema "Teus lábios" integra a segunda parte do livro "Tempo de esperas" - esta intitulada "De mim, de ti, de nós". Trata-se de uma denominação bastante sugestiva, por sugerir a presença de elos de uma cadeia que não se dissolve, como no poema "Teus lábios" (Texto II)
Leitura do poema
O eu lírico retira a inspiração do que é próprio de si, do que é próprio do outro e do que é formado pela união dos dois. O primeiro verso revela a existência de um interlocutor, a que o eu lírico dirige seus versos essencialmente líricos. Utiliza-se de metáforas para representar o seu sentimento como percebemos nos dois primeiros versos "Teus lábios, amado, / são pomos de mel" com essa metáfora o eu lírico aproxima os lábios de seu amado a um fruto carnudo que lhe proporciona prazer e saciedade. O poema composto por uma única estrofe com dezesseis versos imprime uma sensualidade latente entre o nono e décimo segundo verso. Esse poema evolui do lírico ao sensorial, pois passa de uma comparação com o que é angelical "rumor de sorriso / dos anjos do céu" a sensações olfativas, gustativas e táteis "cheiro de mato / sabor de morango / que me arde e
m delírios".
A sensualidade presente nos poemas da autora ocorre de maneira a sugerir uma erotização, mas em análises aos poemas podemos perceber que o prazer, o desejo impresso nos poemas são tormentosamente irrealizados, como em "Ser poeta": (Texto III)
Dividido em quatro estrofes os versos descrevem uma hipótese do que é ser poeta. Com uma linguagem metafórica vai tecendo uma teia sobre o próprio ato de composição do poema. . Além do explícito percebemos nesse poema uma clara referência a Camões no oitavo verso "por mares nunca dantes navegados" célebre verso de os Lusíadas
Considerações finais
Giselda Medeiros Albuquerque nasceu em Prata, Acaraú, Ceará, no dia 14 de julho. É graduada em Letras Neolatinas pela Faculdade Católica de Filosofia da Universidade Federal do Ceará, foi professora de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. É poetisa, contista, ensaísta e critica literária. Giselda Medeiros possui uma poética leve, suave e encantadora que recorda a Cecília Meireles, enquanto isso, seu sofrimento amoroso segue a linha de Florbela Espanca. Sua imaginação criativa produz poemas sublimes e de imensa sutileza. A cada metáfora arranca de seus leitores o fôlego e aplausos, pois seus versos são crescentes e encaminham os leitores para o encantamento. Leiam-se os versos de "O menino, o homem e o poeta": (Texto IV)
Disposto em quatro estrofes e dezesseis versos o poema O menino, o homem e o poeta foi feito em louvação a Batista de Lima. Formado pela junção das características principais do livro Janeiro da Encarnação o eu lírico, por meio de metáforas, define o poeta em suas principais fases e características. Enquanto menino é rio, é traço e é riso, pois se diverte em sua condição pueril de menino do interior que pôde gozar da liberdade durante a infância. O homem é terra, é ponto e é siso, pois com a maturidade vêm as responsabilidades e isso faz com que o menino de outrora seja firme, seja terra. Por fim, o poeta é água e vegetação, é interseção e é cicatriz, porque ser poeta é característica do homenageado desde a sua infância misturando a água e a terra, o traço e o ponto e o riso e o siso.
SAIBA MAIS
DENNÓFRIO, Darcy França. O redemoinho do lírico. Petrópolis: Vozes, 2005
MEDEIROS, Giselda. Tempo das esperas. Fortaleza:Multigraf, 2000
MOISÉS, Massaud. A criação literária – poesia. São Paulo: Cultrix, 1997
REIS, Carlos. O conhecimento da literatura – introdução aos estudos literários. Coimbra: Almedina, 2001

Trechos
TEXTO I 
A ti, ó poesia, / seios do eterno a jorrar leite e mel, / ergo minha taça / vazia / Quero vê-la transbordante / de canções / de leite e mel. (P.21)
TEXTO II
Teus lábios, amado, / são pomos de mel, / rumor de sorriso / dos anjos do céu. / Têm cheiro de mato, / sabor de morango. / Teus lábios, amado, / têm o ar das manhãs. / Sugá-los queria / na febre do tempo / que me arde em delírios / e me deixa a incendiar. / Teus lábios, amado, / roçando-me a vida, / me levam aos astros, / me fazem sonhar. (P.73)
TEXTO III
Ser poeta é acender imensas luzes / nos túneis mais profundos. / Tecer auroras nos / crepúsculos da vida. / Pôr sal de poesia no molho da existência / e açúcar de sonho na / calda dos temporais. // Ser poeta é dar eternidade ao efêmero. / É ser criança em / qualquer fase da vida. / É navegar em seu bergantim de sonho / por mares “nunca dantes / navegados”. // Ser poeta é cantar o inacessível. / Pôr estrelas nas noites escuras. / Saber dar “um toque no intangível”. / Extrair do desespero o néctar / e abrir um imenso girassol na chuva. // Enfim, ser poeta é estar sempre procurando / Um bom motivo para o seu próximo poema. (P.108)
TEXTO IV
O menino é o rio / o homem é terra / e o poeta é água e vegetação. // O menino é traço / o homem é ponto / e o poeta é interseção. // O menino é riso / o homem é siso / e o poeta é cicatriz. //O menino carrega um rio / o homem, as suas margens / e o poeta, a / solidão das águas, / o sal dormindo nas lágrimas, / poemas em hibernação / agitados nas bandeiras / de “Janeiro da Encarnação”.(P.177) 

Débora Cavalcante

Do Curso de Letras da Uece

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