“Sob
Eros e Thanatos”, de Giselda Medeiros
Maria
do Carmo Fontenelle
Ao iniciar a presente exposição, evoco
o grande Castro Alves quando assim se expressou:
“Oh! bendito o que
semeia
Livros ... Livros a
mão cheia ...
E manda o povo
pensar.
O livro caindo n’alma
É germe que faz a
palma
É chuva que faz o
mar.”
Tem razão o ilustre intelectual
Genuíno Sales quando, no prefácio do livro em pauta, declara: “Giselda é uma
contista de primeira linha, sobretudo por incorporar na alma as grandes
virtudes poéticas. Grande poeta não poderia deixar de ser grande contista”.
O pensador inglês Tom Peters costumava
iterar: “Se a janela da oportunidade se abrir, não deve baixar a persiana”. Giselda
mantém a persiana do triunfo bem aberta, deixando que lucipotentes auras de
sabedoria iluminem sua mente. Quanta criatividade! Quanto talento demonstram as
narrações arquitetadas pelo mundo ilusório da autora – “Princesa dos Poetas do
Ceará”, sagrada por aclamação na augusta Casa de Juvenal Galeno, por iniciativa
do memorável escritor Alberto Galeno.
Na seleção da obra para ser utilizada na
presente explanação, fiz uma triagem entre 14 exemplares, todos deslumbrantes,
em estilos diversos, a saber: “O Liceu e o Bonde” – Blanchard Girão, “Ana
Terra”- Érico Veríssimo, “Jardim de Inverno”- Zélia Gattai, “Margarida La Rocque”- Dinah Silveira de
Queiroz, “Na Esplanada da História”- Hilma Figueiredo Montenegro, “Eugenie
Grandet”- Honoré de Balzac, “Os Escravos”- Castro Alves, “Mulheres
Fascinantes”- Léon Tolstoi, “O Fio e a Meada”- Batista de Lima, “Portugal e
Brasil – gentes e fatos”- Armando Duarte, “Til”-José de Alencar, “Confronto”-
Cláudio Queiroz, “Crítica Reunida” e “Sob Eros e Thanatos”- Giselda Medeiros.
Confesso que não foi fácil. Após
rigorosa avaliação, a preferência incidiu sobre o livro “Sob Eros e Thanatos”,
de Giselda Medeiros, cujo estudo começará pelo que me atraiu, de imediato, além
do conteúdo, o título.
Ao pesquisar sobre ambos os seres
mitológicos, tomei conhecimento de que Eros,
na mitologia grega, significa “desejo erótico”. Eros era filho de Nix (deusa da
noite) e de Érebo, encarregado da harmonia cósmica. Mais tarde,
atribuiu-se-lhe, como pai, Zeus, Ares ou Hermes; e como mãe, Afrodite, a Venus
romana, deusa nascida da espuma do mar. É representado como um menino alado,
munido de arco e flechas destinadas a despertar os ardores da paixão entre os
humanos. Thanatos (em árabe quer
dizer Antônio). O dicionário mitológico de Nádia Jullien e a Internet afirmam
que “Thanatos era um herói hipocorístico, filho de Érebo e Nix (deusa da
noite), portanto irmão de Eros e irmão gêmeo de Hípnos –(deus do sono).
Thanatos era deus da morte, porém Hades era quem reinava sobre os mortos do
submundo. Thanatos era representado como um jovem alado, portando uma tocha apagada,
ou como uma nuvem prateada, ou ainda um homem de olhos e cabelos prateados,
sendo este bastante utilizado na arte e na poesia”.
À guisa de ilustração, Sigmund Freud
elaborou um trabalho sobre a discussão do inconsciente, relatando duas pulsões
antagônicas; Eros, uma pulsão sexual, com tendência à preservação da vida, e
Thanatos, a pulsão da morte.
Outrossim, o romancista, político e
poeta mineiro Darcy Ribeiro, no ano de1998, publicou uma coletânea de poemas
eróticos sob o título de “Poesia de Darcy Ribeiro – Eros e Thanatos”.
Quanto à obra ora apresentada tem
muito a ver com o título, pois envolve natureza, romance, paixão e
sensualidade, a noite e seus mistérios, a plenitude e a complexidade da vida, a
melancolia e os desencantos da morte.
Além da originalidade do título
extraído da mitologia grega, senti-me atraída pela singularidade dos 37 contos,
os quais apresentam uma particularidade: as narrativas, de um modo geral,
prescindem dos indesejáveis vícios de linguagem, tão comuns, hoje em dia, que tanto
desfiguram o idioma, banalizando o texto.
No mais, devo acrescentar que “Sob
Eros e Thanatos” não chega a ser uma obra monumental, “sui generis”, porém é um
apanhado de temas de muito bom gosto, pontificados no suspense e no mistério,
com pinceladas bem dosadas de romantismo e humor. Na verdade, o suspense e o
mistério estigmatizam a obra em causa, revelando características que nos levam
a momentos delirantes, plenos de suposições míticas e conflituosas. Há ocasiões
em que o leitor vacila entre a espiritualidade milenar e a parapsicologia
moderna; a ficção e os mistérios do além. Em suma, trata-se de um livro
interessantíssimo! Nele fundem-se a
densidade lírica do poeta, as maravilhas da natureza e o fascínio pelo
quimérico, fatores esses que têm o dom de transportar-nos a vetustos casarões
mal-assombrados... a estórias de Trancoso narradas no alpendre, em noites de
luar, a costumes e hábitos campesinos vividos em épocas remotas.
Justo será mencionar que, na referida
obra, percebe-se certo apuro com a norma culta do nosso idioma, requinte esse
que a autora, sabiamente, intercala com jocosas frases de cunho popular,
incluindo outros brasileirismos. Destaque para o significativo número de
citações filosóficas e até bíblicas contidas na presente obra. Por exemplo: “O
amor é a oportunidade única de sazonar, de adquirir forma, de nos tornarmos um
universo para o ser amado”; “O homem é forte quando realiza Deus em si”; “A
morte não é difícil. Difícil é a vida e o seu ofício”; “O que o homem gasta em
anos para entender, aprende-o em questão de instantes de dor”; “O mar é mesmo
um touro azul por sua própria sombra”;“O homem é nada comparado ao infinito e é
tudo comparado ao nada”; “As estrelas nascerão. Nascerão e brilharão como os
olhos das crianças”.
Numa linguagem experimental, a autora
discorre sobre assuntos variados, deixando ao leitor a faculdade de deliciar-se
ao derramar, suavemente, torrentes de indagações que tão bem caracterizam o
suspense. Exemplifiquemos: O conto “A Pousada”- página 9, encerra algo fantasioso
e, até certo ponto, aterrorizante. Dependendo do grau de sensibilidade do
leitor, causará arrepios a aparição do enigmático camafeu...
Nas páginas 13,18,21,29,32,38 e 39
encontraremos: “A Casinha da Esquina”,
“A Confidência”, “ A Fogueira”, “A Lagoa”,”A Pescaria”, “A Serpente” e “A
Vingança”. Todos são provenientes de uma imaginação privilegiada; vale a pena
lê-los. São contos atraentes e hilariantes, sobretudo “A Serpente”, o qual
provoca um misto de comiseração e risos, se levarmos em conta a “santa”
ingenuidade da “coitada” da D. Marocas... Enquanto os contos “A Visita” e
“Passado Azul” sugerem algo a ver com a teoria da metempsicose. Vejamos: “Na
manhã seguinte, o relógio apertado em minha mão e a lembrança de uma lágrima
queimando-me”; “Aquela foi a última vez que vi papai”.
Ao lermos os contos “A Fogueira” e “A
Lagoa”, deparamo-nos com o conhecido fenômeno do “déjà-vu”, que consiste no
fato de ver-se, pela primeira vez, um determinado local e ter-se quase certeza
de havê-lo visto anteriormente.
Vejamos o 9º parágrafo da página 61,
em que a autora nos traz uma mensagem de carinho e solidariedade, uma
verdadeira lição de vida, ao dissertar sobre determinada ajuda concedida a um
frágil e indefeso rouxinol, quando a personagem reflete: “Que importância teria
um rouxinol neste imenso vale de sofrimentos? Tem sim, é uma voz a menos para
espalhar a beleza, a ternura e a poesia”.
Além dos contos mencionados, todos os
demais merecem nossa atenção, em particular os das páginas 100 e 104.
Asseguro-lhes que, em matéria de ficção, são realmente extraordinários. Enfim, todas as narrativas são muito bem
elaboradas. Na maioria das vezes, a ficção se confunde com a realidade. E por
aí vai o oceano exuberante de fatos pitorescos, emoções, mistérios e encantos que
fazem de “Sob Eros e Thanatos” uma obra versátil, amena, cativante,
aconselhável a quase todas as idades.
Maria do Carmo Carvalho Fontenelle – Sócia Efetiva da Academia
Fortalezense de Letras, da Ala Feminina da Casa de Juvenal Galeno e da
Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil-CE. É autora do livro Pioneiras
em Evidência. Seu nome consta do Dicionário
de Mulheres (RS), organizado
por Hilda Flores. Participa de várias antologias e coletâneas, a saber: Contos
Contemporâneos (Brasília); Antologia
de Prosa e Verso (Portugal); Policromias (todos os volumes); Um Livro da Ala (2º volume); AJEB
Letras (antologia nacional). Recebeu
Menção Honrosa em concurso de contos em Algarve/Portugal. Detém a Medalha Honra
ao Mérito pela Academia Divinopolitana de Minas Gerais e a Medalha E. D’Almeida
Vítor, pelo Clube Literário de Brasília; e Diploma Mérito Cultural, pela
Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil.