sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

O NASCIMENTO DE JESUS EM VERSOS - POR VIANNEY MESQUITA

O NASCIMENTO DE JESUS*
(Lucas, 2, 1-14)

Jovem Chronos (Vianney Mesquita)

Factum est autem in diebus illis exiit edictum a Caesare Augusto, ut describeretur universus orbis.

O arauto do Imperador/O pergaminho descerra,/Com o fim de anunciar/A ordem que o edito encerra,/Mandando recensear/Os habitantes da Terra.

Naqueles dias saiu um edito por parte de Cesar Augusto, para ser recenseada toda a Terra.

De muito recenseamento/Foi Augusto ordenador./E do Lácio império imenso,/Sendo da Síria o gestor,/Quirino geriu o censo/Como seu governador.

Este recenseamento foi o primeiro que se fez, sendo Quirino Governador da Síria.

Era costume do povo/Apresentar-se à contagem/Cada qual em sua cidade,/ Sem problema de estalagem,/Com pouca dificuldade,/ Evitando-se viagem.

E iam todos recensear-se, cada qual à sua própria cidade.

Nessa primeira estatística,/ Com José foi diferente:/ Tinha que, de Nazaré - / Pois de David procedente - / Ir até Belém, que é /Onde o Rei se faz semente.

Ora, José subiu também da Galileia, de Nazaré, até a Judeia, a cidade de David chamada Belém, 
por ser da casa e linhagem de David,...

Sendo cepa de David,/ José empregou a ideia/ De, com a esposa Maria,/Ir a Belém da Judeia,/ Onde se recensearia/ Cidadão da Galileia.

...a fim de recensear-se com Maria, sua esposa, que se achava grávida.

Nessa vilegiatura,/ Em dias de descansar,/ Quando em Belém se encontrava/ E estando o prazo a findar,/ Eis que a Virgem delivrava,/ Vendo o Pequeno aflorar.

E quando eles ali se encontravam, completaram-se os dias de Ela dar à luz, 
e teve o seu Filho primogênito,...

Envolveu o Nato em pano/ E não achando hospedagem,/ Recostou-se à manjedoura,/ De animais a albergagem/ Que a Humanidade entesoura/ Em tão ditosa passagem. 

...que envolveu em panos e recostou numa manjedoura, 
por não haver para eles lugar na hospedaria.

Havia na região/ Alguns apascentadores,/ Os quais no chão pernoitavam,/ Como é mister dos pastores,/ Que depois se transformavam/ Em fiéis adoradores.

Na mesma região, havia uns pastores, que pernoitavam nos campos 
e faziam a guarda noturna do seu rebanho.

Porque o Anjo do Senhor,/ Juntamente à sua glória,/ Cercou-os de muita luz,/ Diz São Lucas na História/ Da Bíblia, que nos conduz/ E não nos sai da memória.

Apareceu-lhes então o Anjo do Senhor e a glória do Senhor cercou-os de luz,...

Temerosos de início,/ Mas a seguir se acalmaram./ Disse o Anjo: – não temais – / E, atentos, escutaram/ Uma narração veraz/ Que nunca mais deslembraram.

...e eles tiveram muito medo. Disse-lhes o Anjo: Não temais, pois vos anuncio 
uma grande alegria para todo o povo:

Falou ele: - nasceu hoje/ O Messias, Salvador,/ Em Belém lá na Judeia,/ Dos homens o Redentor,/ Cuja obra giganteia/ Enche a Terra de louvor.

Nasceu-vos hoje na cidade de David um Salvador que é o Messias Senhor!

Servir-vos-á de sinal/ Um sucesso inusitado:/ Em panos encontrareis/ Um Menino circundado,/ A quem vós adorareis,/ Pois traz o Verbo Encarnado.

Isto vos servirá de sinal: encontrareis o Menino envolto em panos 
e deitado numa manjedoura.

Louvando a Deus, num repente,/ Os contingentes sagrados,/ Anjos como iluminuras,/ Em telas ricas ornados,/ Deram glórias nas alturas/ E paz aos homens amados. 

De súbito, juntou-se ao Anjo uma multidão do exército celeste, louvando a Deus e dizendo: 
Glória a Deus nas alturas e paz na Terra entre os homens do seu agrado.

Após esse Nascimento,/ Mudou o placard da partida,/ Transformou-se o coração,/ Transmudou-se a nossa lida,/ Que agora tem por missão/ As glórias da outra vida.

Não há nada nesta estrofe, a não ser ilações lógicas de qualquer crente 
acerca do nascimento, vida, paixão e morte de Jesus Cristo, 
que esteja explícito na Sagrada Escritura.


* Extraído de ... E o Verbo se Fez Carne – textos bíblicos em versos (Sobral: Edições UVA, 2004), com Nihil Obstat de Dom José Antônio Aparecido Tosi Marques, arcebispo metropolitano de Fortaleza, datado de 27 de setembro de 2003.  Os escritos em corpo menor e recuados representam a letra exata do Evangelho de São Lucas, de 2, 1-14, que o poeta transferiu com fidelidade verbal para a grade métrica das sextilhas com versos de sete sílabas – seis estrofes isossilábicas e heterorrímicas no sistema de rimas ABCBCB.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

UM POEMA DE NATAL QUE CARREGA UMA REALIDADE GRITANTE



EU NÃO GOSTO DE VOCÊ, PAPAI NOEL!...

ALDEMAR PAIVA

 Eu não gosto de você, Papai Noel! 
Também não gosto desse seu papel
de vender ilusões à burguesia.
Se os garotos humildes da cidade
soubessem do seu ódio à humildade,
jogavam pedra nessa fantasia.

Você talvez nem se recorde mais.
Cresci depressa, me tornei rapaz,
sem esquecer, no entanto, o que passou.
Fiz-lhe um bilhete, pedindo um presente
e a noite inteira eu esperei, contente.
Chegou o sol e você não chegou.

Dias depois, meu pobre pai, cansado,
trouxe um trenzinho feio, empoeirado,
que me entregou com certa excitação.
Fechou os olhos e balbuciou:
“É pra você, Papai Noel mandou”.
E se esquivou, contendo a emoção.

Alegre e inocente nesse caso,
eu pensei que meu bilhete com atraso,
chegara às suas mãos, no fim do mês.
Limpei o trem, dei corda,
ele partiu dando muitas voltas,
meu pai me sorriu e me abraçou pela última vez.

O resto eu só pude compreender quando cresci
e comecei a ver todas as coisas com realidade.
Meu pai chegou um dia e disse, a seco:
“Onde é que está aquele seu brinquedo?
Eu vou trocar por outro, na cidade”.

Dei-lhe o trenzinho, quase a soluçar
e como quem não quer abandonar
um mimo que nos deu, quem nos quer bem,
disse medroso: “O senhor vai trocar ele?
Eu não quero outro brinquedo, eu quero aquele.
E por favor, não vá levar meu trem”.

Meu pai calou-se e pelo rosto veio
descendo um pranto que, eu ainda creio,
tanto e tão santo, só Jesus chorou!
Bateu a porta com muito ruído,
mamãe gritou ele não deu ouvidos,
saiu correndo e nunca mais voltou.

Você, Papai Noel, me transformou num homem
que a infância arruinou, sem pai e sem brinquedos.
Afinal, dos seus presentes, não há um que sobre
para a riqueza do menino pobre
que sonha o ano inteiro com o Natal.

Meu pobre pai doente, mal vestido,
para não me ver assim desiludido,
comprou por qualquer preço uma ilusão,
e num gesto nobre, humano e decisivo,
foi longe pra trazer-me um lenitivo,
roubando o trem do filho do patrão.

Pensei que viajara,
no entanto depois de grande,
minha mãe, em prantos,
contou-me que fôra preso
e como réu, ninguém a absolvê-lo se atrevia.
Foi definhando, até que Deus, um dia,
entrou na cela e o libertou pro céu.

sábado, 14 de dezembro de 2019

É NATAL! RELEMBREMOS ESSE POEMA DE COELHO NETO.

FELIZ NATAL PARA VOCÊ, MEU CARO LEITOR!





OS TRÊS REIS MAGOS
Coelho Neto

Diz a Sagrada Escritura que, quando Jesus nasceu,
No céu fulgurante e pura uma estrela apareceu.
Estrela nova, brilhava mais que as outras... porém,
Caminhava, caminhava, para os lados de Belém.

Avistando-a os Três Reis Magos disseram: "Nasceu Jesus!"
Olharam-na com afagos, e seguiram a sua luz...
E foram andando, andando, dia e noite a caminhar...
E viam a estrela brilhando, sempre o caminho a indicar.

Ora, dos três caminhantes, dois eram brancos...
O sol não lhes tisnara os semblantes, tão claros como o arrebol...
Era o terceiro somente escuro de fazer dó,
Os dois seguiam adiante, e ele afastado e só...

Nascera assim negro e tinha a a cor da noite na tez...
Por isso tão triste vinha... era o mais feio dos três!
Andaram até que um dia, da jornada o fim chegou.
E sobre uma estrebaria a estrela errante parou...

E os Magos viram que, ao fundo, do presépio, vindo-os vir,
O Salvador desse mundo estava lindo a sorrir...
Ajoelharam-se, rezaram, contritos postos no chão,
E ao Deus-Menino beijaram a alva e pequenina mão...
E Jesus os contemplava, a todos com o mesmo amor,
Porque olhando-os não notava, a diferença da cor!


quinta-feira, 7 de novembro de 2019

ENTREVISTA - GRAÇA RORIZ FONTELES FALA SOBRE A POESIA, A MÍSTICA E O LIRISMO FEMININOS.





GRAÇA RORIZ FONTELES:
A POESIA, A MÍSTICA
E O LIRISMO FEMININOS

Entrevista concedida a
Angelo Mendes Corrêa e Itamar Santos.
Publicada originalmente no jornal eletrônico
Bom Dia Europa
(www.bomdia.eu)

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Nascida em Fortaleza, Graça Roriz Fonteles ainda jovem concluiu o curso de Odontologia pela Universidade Federal do Ceará, onde, após alguns anos de profissão, recebeu o título de mestre em Farmacologia. Anos mais tarde, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo, fez mestrado em Ciências da Religião e doutorado em Letras.
É autora da coletânea de poemas Garimpo de Sonhos, do estudo crítico Cecília Meireles Lirismo e Religiosidade, do volume de memórias No Colo de Minha Mãe e do livro O Sagrado no Olhar Feminino, no qual desenvolve extensa pesquisa sobre o feminino e o Sagrado, além de coautora de mais de uma dezena de antologias. Atualmente, está com um livro de poesia no prelo, Lirismo do Silêncio e, trabalha na finalização de seu primeiro romance, com fatos históricos sobre a Segunda Guerra Mundial assim como a história de amor de uma judia que após muitos revezes da vida faz a Aliyah tão logo o Estado de Israel é criado. Em tudo há um toque de sagrado.

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Como surgiu o interesse em examinar a obra de Cecília Meireles estabelecendo sua intertextualidade com os Salmos Bíblicos, tema de seu livro Cecília Meireles Lirismo e Religiosidade?

 ♦  Por eu ser poetisa, havia pretensões de ligar minha tese doutoral à poesia e Cecília estava sendo cogitada. O passo final adveio de um diálogo com minha orientadora, Lilian Lopondo. A obra de Cecília fez parte dessa decisão e chegamos a um consenso. O livro Poema dos Poemas, que eu desconhecia, chegou às minhas mãos, daí o desejo de desvendar os caminhos do eu lírico que me encantaram. Ao ler os poemas, logo me chamou atenção a linguagem sálmica e a intertextualidade com os Salmos foi consequência dessa observação.

Alguns anos após publicá-lo, tudo leva a crer que Cecília Meireles renegou seu Poema dos Poemas. O que a teria levado a isso?

♦  Nem toda obra de juventude permanece como uma obra exemplar para os autores, a menos que seja premiada. Cogita-se que o vínculo com o Simbolismo, do qual Cecília se distanciou nas suas obras da maturidade, seja a possível razão da exclusão de Poema dos Poemas pela própria autora. Entretanto, após a morte de Cecília, em 1964, Darcy Damasceno, estudioso ceciliano, ao compilar suas obras, incluiu o livro em questão. E como diz a professora Ana Maria Domingues de Oliveira, “muito provavelmente à revelia da vontade da autora”.

Sua produção poética, reunida em Garimpo de Sonhos é alicerçada num sólido lirismo feminino, com fundo místico. Poderia nos falar sobre ela?

♦  Sou uma poetisa de alma eminentemente lírica. Creio que minhas raízes portuguesas, da Ilha de São Miguel, nos Açores, exerça uma força sobre meu lirismo. Desde tenra idade era embalada por modinhas de amores sofridos e poesias líricas cantadas e declamadas por minha mãe. Esse clima líricoamoroso, somado à religião e às muitas leituras, inclusive da vida de Santa Tereza de Ávila, e de outras santas mulheres, serviram como propulsor do somatório da aurora de um lirismo e de uma mística que emergiu em Garimpo de Sonhos.

No Colo de Minha Mãe evidencia uma vez mais a força da mulher em sua obra. O que dizer do papel da mulher na sociedade contemporânea, das conquistas que obteve e das que ainda estão por vir?

♦  Creio que o mestrado em Ciências da Religião, tendo como foco o feminino e o sagrado, me capacitou a desenvolver sobre o tema com mais leveza e profundidade. Em No Colo de Minha mãe torno-me mais transparente, até porque as experiências vivenciadas se fizeram sempre na presença de uma forte e determinada mulher como minha mãe. Seu lema é de nunca desvanecer ante as adversidades. Ela, em seu século de existência, assistiu a grandes mudanças sociais, como a conquista do voto feminino, que considero um grande avanço da modernidade. Minha mãe, sempre foi uma guerreira contumaz da valoração da mulher e, tendo sido agraciada com uma vida longa por cento e quatro anos, foi uma exímia professora de lições de vida. Sob a ótica do feminino, a sociedade contemporânea vivencia a passos largos grandes mudanças sociais às quais evidenciam a pujança do papel da mulher na sociedade, muito embora a degradação da sociedade espelhe a imagem da carência feminina no lar.

Historicamente, as religiões de diversos matizes têm colocado a mulher numa condição subalterna, justificando, em muitos casos, cruéis opressões, como em diversos países islâmicos. Ou seja, ao invés de valorizar a mulher, o discurso e a prática religiosos contribuem para inferiorizá-la. Como vê tal situação? Algum antídoto para isso?

♦  Adentrar no universo do feminino para tentar desvendar a historicidade das religiões em relação à mulher é navegar em águas tumultuosas. No inconsciente coletivo habitam dois seres perfeitos e distintos, Eva e Maria. Duas mulheres, duas imagens. A primeira, indutora do pecado e a segunda, a Virgem puríssima. Essa dualidade que permeia tudo, no universo feminino foi imbricada de muito mais adereços, tantos quanto o imaginário comportava. Paulatinamente, a sociedade foi absorvendo os matizes que o papel da mulher ia delineando ao longo de sua trajetória. A procura pela união dessas imagens ainda persiste. Jesus, o grande Rabino da Galileia, o filho do Deus Altíssimo, operou a maior mudança social de todos os tempos. Questionou o papel da mulher, pois quebrou as regras do judaísmo. Falou com a prostituta e valorizou-a, tanto ao lhe dirigir a palavra, quanto ao pedir-lhe água. Ao lidar com as irmãs Marta e Maria, enfatizou que Maria fez a melhor escolha, ao ficar aos seus pés ouvindo-lhe os ensinamentos, enquanto Marta andava ocupada com os afazeres domésticos. A nossa sociedade poderia muito bem aplicar os ensinamentos do mestre e reverenciá-lo em suas atitudes, porém, o eclipse de Deus na sociedade ocidental implica comportamentos dissonantes com o evangelho de Jesus Cristo. O cenário se descortina evidenciando a responsabilidade de nossas ações totalmente imbuídas de racionalidade, mas, ainda assim, haverá uma permuta pelo espiritual. Poderíamos considerar como sendo um processo de (re)humanização da criatura e, como diz Galimberti,  “no tempo cíclico não há futuro que não seja a pura e simples retomada do passado que o presente renova”.

O que a levou a escrever O Feminino e o Sagrado, seu livro mais recente?

♦  Para se adentrar no universo feminino e sagrado, passa-se pelo profano. À mulher era-lhe negado ter alma e o encontro com o sagrado, através do misticismo, se configurava como a única maneira de sua afirmação como criatura divina. A mulher, carregando consigo tantos fardos e alijada dos processos sociais, encontrou dentro dos mosteiros a acolhida que sua alma procurava. O misticismo adveio desse encontro com o sagrado e do acolhimento que lhe fora negado pela sociedade vigente. A contemporaneidade continua maculada pela inferiorização do feminino. A mulher busca o acolhimento do outro e o encontra no sagrado. O olhar de Deus sobre a mulher, é infinitamente misericordioso, assim provou a Maria Madalena, ameaçada de apedrejamento. E como diz o místico Nicolau de Cusa: “Senhor o teu ver é amar e assim como o teu olhar me contempla tão atentamente que jamais se desvia de mim, assim também o teu amor”. Carecemos um do outro para nos esculpir e demonstrar aprovação de todos os nossos atos. O problema permanece em aberto como indutor de reflexões e almeja-se atingir um ponto de confluência, despontando como nascedouro de valores eternos.

A poesia ainda tem espaço em nosso mundo pautado pelo discurso tecnocientífico? Como trazer o leitor de hoje para seu universo?

♦  A poesia é um bálsamo. Deus é o maior poeta, somos feitura dele, por isso somos poetas. Fora dos muros do paraíso, entre o céu e a terra é o lugar onde a poesia existe. O filósofo Abraham J. Heschel escreveu que “poucos são capazes de se elevar em raros momentos sobre o próprio nível da terra. Mas é nesse momento que descobrimos que a essência da existência humana consiste em estar suspenso entre o céu e a terra”.  O poeta Rabindranath Tagore, considera que “a música sente o infinito no ar; a pintura o sente na terra. A poesia o sente na terra e no ar, porque sua palavra tem o sentido que caminha e a melodia que voa”.  E complementam-se o filósofo e o poeta com o dizer de Gabriela Mistral de que “A beleza é a sombra de Deus sobre o universo”. O leitor de hoje tem dentro da alma, o mesmo sentimento de incompletude que muitas vezes nos assalta e nos conduz a estágios da alma capazes de se deleitar com a poesia. Esse sentimento, mesmo em tempos adversos de tecnologia, precisa de uma válvula de escape. A poesia funciona assim. Lê-se dor e se escreve amor. Vive-se dor e se escreve amor. O amor é a essência da qual ela é confeccionada. Tudo se resume no amor. A poesia tem o poder de nos incomodar, até atingirmos o nível de mitigar nossas dores e adentrarmos o sonhar.

 Entrevistadores:

Angelo Mendes Corrêa
Doutorando em Arte e Educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), 
mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), 
professor e jornalista.

Itamar Santos
Mestre em Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP),
 professor, ator e jornalista.

 ANEXOS 







segunda-feira, 30 de setembro de 2019

MOMENTO DE POESIA


FRANCISCO CARVALHO
        Vicente Alencar

O Poeta 
era o próprio poema. 
O olhar enxergava mais
que o de todos nós.
As palavras eram claras
e pronunciadas devagar,
sem pressa.
Dono do incentivo ao jovem escriba,
valorizava as conversas
vespertinas como se fossem
riquezas chegadas em grande baú.
Estávamos cheios de boas
histórias, lotadas de Poesia,
como se fossem rosas floridas
exalando o perfume do bem.

O Poeta-Poema
somente falava o necessário.
Nem mais, nem menos.
Nem um ponto,
nem uma vírgula desnecessária.
Tenho saudades
de suas palavras eivadas de sabedoria.
A vida, o mundo, 
o render das horas,
tudo era normal.
Olho para seus livros
e lamento sua ausência,
mas, me conforto
em poder desfrutar de seus
pontos de vista e de sua cultura. 
O tempo não apagará a sua memória.

sábado, 28 de setembro de 2019

UM CONTO DE GISELDA MEDEIROS



O ENCONTRO RECIDIVO


Sabia. Tinha certeza de que tudo iria se repetir. Que vontade de falar, de gritar que ela não lhe desse atenção, que não se deixasse levar pelas aparências, que  ouvisse a minha história! Mas não me saía a voz. Tudo estava cinza à minha volta. Vozes e choro. Por que choravam? E por que ninguém detinha o casal que atravessava a sala, rumo ao pátio de saída?!
Vi-o uma única vez no velório de uma amiga. A sala estava quente, e resolvi tomar um pouco de ar lá fora.
– A moça conheceu a defunta?
Volto-me na direção daquela voz masculina, de timbre agradável, dessas a que a gente não resiste, por mais que queira.
– Sim. Éramos amigas. Tão boa! Com um fim tão trágico... Mas, desculpe-me. Nem o conheço e já estou aqui a falar de coisas que talvez nem lhe interessem.
Interrompeu-me mansamente e, com um gesto delicado e amigo, pousou a mão máscula sobre meus ombros, quase enlaçando-me:
– Mário Xavier de Lima, encantado por conhecê-la.
A simples menção àquele nome fez-me estremecer. Não sabia por quê. Não poderia saber, mas tive pressentimentos estranhos.
Quis fugir. Sair dali correndo. Mas, seu braço continuava enlaçando-me, prendendo-me a ele, a uma realidade palpável, crua e sinistra...
– Mas, a moça bonita ainda não me disse seu nome - falou tão sussurrante que pude sentir-lhe o hálito acre.
Não sabia o que dizer. Sua voz entrava-me, anestesiando-me. Quis balbuciar algo. A voz embargada, sufocava-me. Suores. Tremores.
– Vamos, chore, moça. Desabafe a dor da perda de sua amiga.   
Não podia chorar. Sem forças, deixei tombar a cabeça sobre o peito musculoso daquele homem, que me sustinha, que me prendia ao seu chão. Acariciava meus cabelos tão ternamente que me recompus, num instante. No entanto, por que o medo? Carinhoso daquele jeito... Não! Não deveria ter medo!
Veio vindo da sala um odor de rosas, e a muda voz da amiga morta: “Cuidado, as aparências enganam!” Sobressaltei-me com aquele pressentimento. Contudo, continuava ali, indefesa, encolhida, como presa abocanhada. Seria tão fácil pedir licença, arrancar-lhe o braço que me prendia e sair! Meu Deus...   
– Vejo que melhorou. Agora, pode dizer-me seu nome? - e continuava insistindo -  seu nome, querida?
– No... me! No... me!
Sua voz hipnotizava-me. E ele me ia conduzindo. Conduzindo. Para onde? Atravessamos a sala. Minha amiga morta nos acenava seu adeus. E pude ver-lhe as lágrimas luzindo à luz dos círios. Adeus, mas escute, amiga: “As aparências enganam”.
Já não me incomodava aquela advertência. Ia sendo levada, fluida, autômata, à imolação. Só o que me importava, naquele momento, era o braço peludo, musculoso, sustendo-me, cada vez mais forte, mais forte, tão mais forte que me doía.
Onde estava? Nem mais sabia. Sentia, apenas. Sentia um corpo pesado sobre mim. Duas mãos másculas me apertando o pescoço, num misto de força e carícia. E uma boca quente me sussurrando, sugando-me a alma.
– Seu nome? Seu nome?
Dor e prazer misturavam-se em mim como o vento e uma chuva miúda que caía sobre nossos corpos exangues. Seu hálito roçando-me os últimos vestígios de vida. E a voz grossa, entrecortada, borbulhante de prazer.
– Ma... da... le... na. Seu nome é Ma... da... le... na,  não é?
Meu nome soou-me como um toque de recolher. Silêncio. Era noite! Uma longa noite para mim.
 A sala continuava quente e cinza. Olhei, pela última vez, meu corpo, um chão de rosas, regado pelas lágrimas dos amigos que o velavam. E pude ver, ainda, desaparecendo no final do corredor, uma moça apoiada sobre o peito musculoso daquele homem, que a sustinha, prendendo-a  a uma realidade palpável, tão palpável quanto a minha.  
E eu sabia. Tinha certeza de que tudo iria se repetir. Seria mais uma outra Madalena!...

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

MENSAGEM DE AGRADECIMENTO - VIANNEY MESQUITA




MENSAGEM À ACADEMIA CEARENSE DA LÍNGUA PORTUGUESA
(Dvlcisonam et Canoram Lingvam Cano)

Vianney Mesquita (Cadeira 37)

O agradecimento é a memória do coração. (LAO-TSEU).


Somente ontem (29.08.2019), nas primeiras expressões da alva, desenganchei dos fios ciumentos da Rede Mundial de Computadores um camião de mensagens cariciosas que os confrades e confreiras da Academia Cearense da Língua Portuguesa me enviaram em 17 transato, dia do meu aniversário, via watsapp.

Penhorado, por meio deste excepcional media eletrônico da colega imortal Giselda Medeiros – escritora, poetisa e gente a mancheias - registo esses emboras, lotados de fraternidade e afeto, demonstrativos da urbanidade e bom caráter de condiscípulos tão prestimosos e polidos e ilustrados e cultos na Língua do meu patrono e conterrâneo (Palmácia) José Rebouças Macambira e do imperecível Prof. Dr. Francisco Tarcísio Cavalcante (UFC)- este que, no 28.08.2019, na ordinária de agosto da ACLP, nos obsequiou com imponente manifestação de conhecimento!

Dês que entrei para a ACLP, ficou creditada no ativo fixo da minha contabilidade mais uma dose de ventura, cujos dividendos crescem a cada contato com seus imortais, per quos viae transitus temporis.

Sou reconhecido a todos e, em específico, ao paradigmático Prof. Myrson Melo Lima, mestre de “toda a gente” – como dizem os portugueses – por haver iniciado a listra de honrarias.
Abraço comprimido!