GALÃO DIFERENTE
É próprio das grandes almas desprezar
grandezas e almejar mais o médio do que o muito.
(Francisco Gómez de QUEVEDO y Saltibañez VILLEGAS.
Escritor áureo espanhol. Madrid, 14.9.1580 – Villanueva de los Infantes, 8.9.1645).
Vianney Mesquita*
É deplorável ser comum no Brasil, em todos os seus rincões e em razão de haver uma cultura arraigada desde os primeiros instantes da Colonização Portuguesa - decênios iniciais do Seiscentos - o fato de pretender o cidadão representar, sob todos os aspectos, algo mais do que seu perfil regular permite, ideia configuradora, com variância de graus, da denominada soberba patrimonialista.
Esta circunstância é examinada, a miúdo, por diversos especialistas da história patrial no decurso de sua fase de implantação, porém com rebatimentos constantes e modificados (às vezes, para pior), como Octávio Ianni, Caio Prado Junior, Rui Martinho Rodrigues, Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Florestan Fernandes, bem assim de outros autores que examinam o fenômeno, incluindo tempos recentes e a quadra fluente, em investigações stricto sensu na contextura das academias e institutos de pesquisa.
O fecho desta croniqueta, porém, exemplificativa do excepcional engenho inventivo brasileiro, mormente de cariz nordestino, traz um raro exemplo de manifestação contrária à pretensão das pessoas, parece que, de caso pensado, ideado por um sertanejo cuja procedência desconheço, no entanto tudo faz indicar ser ele um experto do canto de desafio, moto principal das cantorias próprias desta região do País e, nas mais das vezes, de tão espirituoso conteúdo.
Está bem surtido, e.g., o acervo de piadas com militares, especificamente com praças, do soldado sem fita ao cabo (ambos praças prontos), do anspeçada (antigo praça pronto) ao segundo tenente, todas de invenção desconhecida e da qual (para mim um fenômeno) não se reclama autoria em quaisquer condições.
Conta-se que, ao se apresentar à caserna na idade propícia a “servir à Pátria”, um postulante a recruta, após satisfazer a várias indagações de um sargento que cuidava do assunto, teve a si dirigidas esta perquisição e as subsequentes.
- Quantos irmãos você tem?
- Doze.
- Tudo vivo?
Não. Vivo só eu. O resto tudo é otário!
Narra-se, também, de um recruta que tencionava “passar a pronto”, o qual se esmerava em decorar as continências de todas as graduações dos diversos estratos oficiais armados brasileiros – Exército, Marinha, Aeronáutica, Polícia Militar, Bombeiro Militar etc., a fim de se dar bem quando da avaliação final para chegar a soldado pronto. Então, já sabia, DECORADO E DE SALTO (mas somente se conhece “de cor e salteado”), as fitas, galões, estrelas, estrelas sobre fundo circulado e outros indicativos de todas as instituições armadas nacionais.
Eis que, numa manobra castrense pelas ruas da localidade onde servia (cidade grande!), apareceu ao longe, para cruzar com o contingente de seu quartel, um grupo grande de escoteiros com toda a hierarquia do grupamento – lobos, rambos, seniors e pioneiros – com o multicolorido fardamento e indicativos jerárquicos.
À medida que o conjunto se aproximava da sua bateria, tendo ao lado seu oficial comandante, ele se apavorava, pois jamais tinha visto essa espécie de “arma brasileira”, tampouco havia aprendido a vênia que deveria fazer ao “oficial” que vinha à frente, sobradamente estrelado e policromizado em excesso.
Ao chegar junto do pioneiro escotista comandante, ajoelhou-se, com as mãos postas, e disse solenemente:
- Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!
Narra-se, ainda, o caso de um tenente que, não concordando com as grosserias de seu major comandante, lhe indagou:
- Major, se eu lhe disser que o senhor é burro, imbecil, o que pode ocorrer comigo?
- Prisão na certa! E na solitária!
- Mas, se eu apenas pensar nisso?
- Ah! De pensar ninguém é proibido!
- Major, então eu penso!
Para findar estas notas, diversamente do que se diz – “o general gostaria de ser a metade do que o cabo pensa que é” – vem a contraposição à ideia de empáfia, expressa numa cantoria.
Numa vila interiorana do Nordeste brasileiro, o cantador iniciava a peleja junto a outro violeiro, com seus instrumentos afinadíssimos. Antes da introdução, da querela versificada propriamente dita, passou na frente dos disputantes o Segundo Sargento, então delegado do lugar (anos 1950), quando o poeta cantou:
- Vou botar mais um galão no ombro desse tenente!
Fingindo-se aborrecido, o Sargento expressou, de imediato:
- Não gosto de chaleiragem! Não sou tenente. Sou é sargento! Detesto puxa-saco!
Incontinenti, o cantador obtemperou:
- [...], mas o galão que eu digo é um galão diferente/É um pau com duas latas/Uma atrás e outra na frente!