A criança divina ainda não nasceu e já estamos comemorando
treze dias antes, é o milagre do Natal. Quero, no entanto, me antecipar e
montar uma árvore de natal. Será uma goiabeira carregada de goiabas maduras e
verdes. Tem que ser goiabeira porque possui galhos e troncos muito fortes para
sustentar tudo o que nela for colocado. As goiabas parecem com aquelas bolinhas
caras vendidas nos supermercados. Os três reis magos serão três moradores de
rua muito magros. Os três pastores serão três cegos que trarão lições de como
ver luzes de olhos nulos.
“O presépio”, do xilógrafo pernambucano José Miguel da
Silva.
O casal será Fabiano e Sinhá Vitória que há oitenta anos,
exatamente, foram criados por Graciliano. O filho não será o mais velho nem o
mais novo, e sim uma criança da Síria, ou da Etiópia, mas que se chama Jesus,
que a mãe seja Maria Vitória e o pai José Fabiano. A oliveira pode ser uma
mangueira e a tamareira, um cajueiro, com muitos cajus de castanhas grandes,
todas perguntando-nos por que, como sementes, não estão dentro do caju. Quanto
ao Pinheiro que não é de nosso chão vou colocar um angico que de tão duro tem a
nossa consistência.
Que Jesus me perdoe essa comemoração de seu nascimento com
coisas daqui da terra. Se ele por aqui vier, quando estiver maior, vai ver que
não crucificamos ninguém, mas há perigo de bala perdida, de fome, peste e
guerra, que nem São Sebastião tem conseguido resolver. Quanto a São José, que
venha ensinar carpintaria nas escolas do Estado, já que é notório saber e cabe
perfeitamente na BNCC. Nossa Senhora pode ser dona de casa, ou ensinar às
jovens mães como criar bem suas crianças. Depois explicar às senhoras nossas
que não precisa haver massacre de perus nessa data gloriosa, lá em Belém era
mais peixe e carneiro. Outra coisa, por que as cores precisam ser vermelha e
branca se nosso mar é azul e nossas matas são verdes?
Meu querido, e divino Cristo, como presente de natal nós
lhe prometemos devoção, e perdoar quem nos molesta em todos os dias do ano. Mas
gostaríamos que o Senhor não deixasse as criancinhas morrerem por descaso dos
adultos, nem deixasse os idosos sofrerem depois de tantos anos de trabalho
duro. Ah sim, Jesus, desculpe essas palavras sem jeito de me dirigir ao Senhor,
e de comemorar o Natal no meio dos meus amigos. Eles esperavam ouvir nesta
ocasião tocar uns sinos de Belém, falar em manjedoura, Papai Noel e aqueles
mesmos animais desconhecidos arrastando um trenó no gelo. Aqui só tem poeira e
mato. Até os jumentos estão em extinção, nem carroça é mais permitido ser
arrastada por burro. As crianças no Natal só querem ganhar celulares, cada vez
mais megahabituadas. Não meu Jesus querido, minha prece natalina é feita de
esperança ao Senhor e a sua Família Sagrada.
Lembra-te ainda, Jesus sagrado, de quando fui interno no
Seminário Apostólico da Sagrada Família. Eram padres alemães. Ali eu via, no
carpinteiro, São José consertando carteiras, portas e janelas, via em Dona
Hilda Niehoff a figura de Nossa Senhora, cuidando da cozinha do claustro, da
roupa limpa dos seminaristas e Jesus personificado no padre Rodolfo Stall,
cuidando da nossa espiritualidade e fazendo seus primeiros milagres na tradução
do “De Bello Gallico”, das Catilinárias e do Tito Lívio.
Na árvore de natal, Jesus, vou colocar alguns livros de
poemas, e outros teréns para os quais as gentes pouco ligam.
Ilustrações de Aldemir Martins para Vidas Secas.
Ainda voltando à manjedoura, não será feita de um coxo mas
de gamela do engenho do Taquari, que é para o menino Jesus ficar mais
confortável, forrado com folhas de bananeira, que são bem friinhas. Vou colocar
um passarinho carrancudo do Horácio Dídimo para cantar canções de ninar,
trepado num cajueiro pequenino carregadinho de flor, plantado pelo Juvenal
Galeno. Patativa vai me mandar do local onde estiver a vaca Estrela e o boi
Fubá.
Para
finalizar, digo que eu creio nos seus ensinamentos, creio em Deus pai, todo poderoso,
criador do céu e da terra, e em Jesus Cristo seu único filho, Nosso Senhor, que
foi concebido, pelo poder do Espírito Santo,
nasceu
da Virgem Maria
padeceu
sob Pôncio Pilatos,
foi
crucificado,
morto
e sepultado, desceu à mansão dos mortos,
ressuscitou
no terceiro dia, subiu aos céus e está
sentado
à direita de Deus pai todo poderoso
donde
há de vir julgar os vivos e os mortos. Creio
no
Espírito Santo, na santa Igreja Católica, na
comunhão
dos Santos, na remissão dos pecados,
na
ressurreição da carne, e na vida eterna
Amém.
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