Nossos pais e o tempo de envelhecer
(*) Pio Barbosa Neto
Chega um tempo em que não conseguimos admitir as fraquezas que assediam a realidade de nossos pais, o peso dos anos, que minam as forças e que extraem deles, o bom humor, a serenidade da vida.
É difícil aceitar que nossos pais envelheçam. Entender que as pequenas limitações que começam a apresentar não é preguiça nem desdém. Que não é porque se esqueceram de dar o recado que não se importam com a nossa urgência. Que pedem para repetirmos a mesma frase porque não escutam mais tão bem - e às vezes, não está surdo o ouvido, mas distraído o cérebro. Demora até aceitarmos que não são mais os mesmos - que dirá “super-heróis”? Não podemos dividir toda a nossa angústia e todos os nossos problemas porque, para eles, as proporções são ainda maiores e aí tudo se desregula: o ritmo cardíaco, a pressão, a taxa glicêmica, o equilíbrio emocional.
O ritmo lento de seus passos, o esquecimento que a tudo assiste a falta de controle nas mãos, o tremor delas, o caminhar trôpego, enfim, tudo mesmo, gera uma inaceitação, um inconformismo nosso, diante de quem, um dia, parecia ser um personagem imbatível, cheio de sonhos e planos, como se a vida fosse um eterno tempo de força e beleza.
Quanto mais eles perdem memória, vigor, audição, mais sozinhos nos sentimos, sem compreender por que o inevitável aconteceu. Pode até surgir alguma revolta interior por esperar deles que reagissem ao envelhecimento do corpo, que lutassem mais a favor de si, sem percebermos, na nossa própria desorientação, que eles não têm a mesma consciência que nós, não têm como impedir a passagem do tempo ou que possuem, simplesmente, o direito de sentirem-se cansados..."
Acontece que, o medo claro da morte, nos assedia imaginar a perda dos pais é algo que machuca que deixa uma lacuna que jamais será preenchida.
Olhando para a cortina do tempo, lembro-me que, foi num dia de sol, numa tarde calma, que meu pai partiu, levando consigo a saudade que aqui ficou entranhada no peito, em forma de um coração que pulsa e bate incontinente.
O que pensar sobre este instante, talvez seja natural, lembrar a vida, ao invés de pensar o instante final, o desenlace que a todos deixou descer na face, um rastro de tristeza e ausência, em forma de lágrima a cair.
Jorge Luiz Borges escreveu:
"Um homem propõe-se a tarefa de desenhar o mundo. Ao longo dos anos povoa um espaço com imagens de províncias, de reinos, de montanhas, de baías, de mares, de ilhas, de peixes, de habitação, de instrumentos, de astros, de cavalos e de pessoas. Pouco antes de morrer, descobre que esse paciente labirinto de linhas traça a imagem de seu rosto."
Envelhecer já nos demanda outras tarefas. Quem envelhece já fez pedidos, por vezes cansou de esperá-los. Quem envelhece já fugiu à regra, abriu exceção. Quem envelhece já dormiu na cadeira da sala de aula, já jantou de madrugada e entendeu que nenhum desejo vale mais a pena do que aquilo que nos vem sem que desejemos. Aquilo que está em nosso caminho, seja ele desviado para o destino que for.
Aceitar envelhecer, voltar atrás perante enganos, enxergar beleza no imperfeito e felicidade no detalhe são coisas que nos tomam a consciência com a maturidade. E maturidade leva experiência.
O que fica da vida é a certeza clara, de que, não fomos feitos para a morte, sequer a desejamos, contudo, um dia, ela chega sorrateiramente, de maneira silente, muda, e sem avisar arrebata a existência de forma impiedosa e cruel.
Não tenho interesse em falar sobre esta ruptura que nos deixa órfãos, mercê da agonia de não mais ter entre nós, alguém a quem dedicávamos amor e carinho.
Prefiro guardar a imagem de meu pai, chegando de viagem, com suas malas pesadas, com seu sorriso aberto, com seu abraço forte e acolhedor, o resto são retalhos que o tempo compôs em forma de poema prá dizer o quanto sua vida me inspirou a ver o que de mais sublime encontrei na minha caminhada, - a figura ímpar de meu pai, como alguém a quem estendo minha prece diante de Deus, agradecido, por ter durante alguns anos experimentado a magia do amor, da cumplicidade de uma relação tão próxima, que tenho guardado comigo como uma joia rara que acolho na profundeza de minha alma.
(*) Professor, escritor, poeta, roteirista
(Texto Complementar - Meu Pai – PBN)
(Texto Complementar - Meu Pai – PBN)
(Fonte: obviousmag.org)
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