Apontamentos
sobre a Trova
(Palestra proferida na Academia Cearense de Médicos Escritores)
Segundo
Artur Eduardo Benevides, saudoso Príncipe dos Poetas Cearenses, “na
taxonomia poética trova é poesia lírica, com normas preestabelecidas
e que não devem ser alteradas; vem de fontes eruditas e medievais.
(...) Parece ter havido um consenso tácito sobre a consagração dos quatro
versos de sete sílabas, o que deixa a trova mais forte. Ao longo do tempo foi
ficando mais popular, mas não é subliteratura. Pede simplicidade, beleza e
poesia. Se for muito literária, torna-se artificial”.
A Trova,
quanto ao seu tamanho, inspirou muitos trovadores:
De Ferreira Nobre:
“A trova,
segundo a
norma
da
mais sábia experiência,
é pequenina
na forma,
porém
gigante na
essência.”
De Batista Soares
“Num simples verso se prova
este mistério profundo:
na pequenez de uma trova
cabe a grandeza do mundo!...”
Agora vejamos
algumas normas a serem observadas pelos que compõem trovas. Estudemos as
trovas seguintes:
No sertão, se a noite desce ___1° verso (A)
e cobre o verdor dos campos,_2° verso ( B)
a beleza permanece ________ 3°
verso (A)
no piscar dos pirilampos. ___ 4° verso ( B)
Quando vejo teu sorriso (A)
iluminando teu rosto
(B)
esqueço qualquer desgosto (B)
e antevejo o Paraíso... (A)
Vejamos:
1 - A
trova tem quatro versos (linhas);
2- Tem
7 sílabas poéticas por verso;
3- Tem
rima;
4- Tem
um tema – assunto principal contido na trova – (palavra)
5- Tem
sentido completo.
Observemos:
2-
A contagem das sílabas poéticas é
diferente da das sílabas gramaticais.
Na
metrificação poética, quando acontece o encontro de duas ou mais vogais, estas
se unem formando uma só sílaba. Também precisamos saber que no verso não
se contam as sílabas que vierem depois da última sílaba forte (tônica).
Ex: No/ ser/tão,
/se/ a/ noi/te/ des/ce,
(contagem
gramatical: 9 sílabas)
No/ ser/tão,
/se a/ noi/te/ des/ce, (contagem
poética: 7 sílabas)
E /co/bre/ o/ ver/dor/dos/cam/pos (9
sílabas)
E / co/ bre
o/ ver/ dor/ dos/ cam/pos
(7
sílabas)
3 – Rima é igualdade de sons no
final de dois ou mais versos.
Na trova
acima, desce - rima com permanece –1°
e 3° versos.
Campos
- rima com pirilampos - 2°
e 4° versos.
Disposição
das rimas: ABAB,
ABBA, ABCB, etc. A forma ABAB é a mais usada e aceita pela
UBT- União brasileira de Trovadores, principalmente em concursos.
Exemplo de
rimas de escrita diferente e sons iguais:
Sorrateiro,
sem fumaça,
Arrasador,
inclemente,
É aquele fogo
que passa
queimando os
sonhos da gente!
(Neide Rocha Portugal –
PR)
Que eu te
esqueça não me peças...
Não me
obrigues a fingir
e a fazer
falsas promessas
que jamais
irei cumprir...
(
Marina Bruna- SP)
4 – O tema neste caso é beleza
(dos campos).
5 – Tem sentido
completo, isto é, a permanência da beleza nos campos apesar do escuro
da noite.
Exemplo de
trova com assunto incompleto e rima desigual:
Eu sinto ser
trovadora
a cada hora
bendita;
a toda flor
que descora,
choro com ela
a
desdita.
( D.N.Castro - SP)
Para revelar
a beleza, a Trova tem como fator primordial a Poesia; não necessita de palavras
rebuscadas, de difícil compreensão. O que importa é que possamos acomodar
aquilo que desejamos exprimir nos limites um tanto apertados que a Trova nos
oferece. Temos que captar o seu sentido como nesta trova que é uma das
primeiras que fiz:
A trova é
tão pequenina...
mas venço
seu desafio:
dentro
dela, na surdina,
sofro,
choro, canto e rio!
A Trova
transmite o amor, o riso, o pranto, enfim, o nosso jeito de pensar e, segundo o
que expressa, tem várias classificações:
Lírica,
Filosófica, Educativa, Humorística, Satírica, etc.
Não devemos
complicar estudando logo no início todas as normas para a composição de uma
trova perfeita. O que aqui foi explicado é suficiente para o trovador
iniciante.
Algumas
recomendações:
- Não é
aconselhável fazer trovas de improviso.
- Antes de
tudo, escolha um tema; anote possíveis rimas;
tenha em mente a simplicidade; faça várias trovas sob
o mesmo tema e escolha a melhor.
Ex: Diante do tema – Perdão –
fiz inicialmente duas trovas:
1- Quero
esquecer as ofensas,
quero dar-te
o meu perdão.
É mais
difícil que
pensas
perdoar de
coração.
2 – Quem não
sabe perdoar
não merece
ter perdão;
é bom parar e
pensar
em perdoar
seu irmão...
Olhei as
trovas e refleti que elas poderiam ter um pouco mais de poesia e talvez um
melhor vocabulário. Assim, formulei mais duas trovas, tendo escolhido esta que
mostro agora:
O perdão é tão sublime
que, por mais que a ofensa doa,
põe uma paz que redime
o coração que perdoa.
Alguns
exemplos de trovas quanto à classificação:
Filosófica
Saudade, tear
sutil
que não se
vê, mas se
sente
tecendo com
fios
mil
o passado no
presente.
Luiz
G. de Arruda
Educativa
Sê como o
mar, grandioso,
cujo
esplendor estonteia,
mas, humilde
e generoso,
vem bordar
rendas na areia!
Giselda Medeiros
Lírica
Daquele amor
do passado
Tu não
escutas o
grito
Mas, o
destino é
traçado
E eu te
espero no Infinito.
César Coelho
Humorística
Uma mulata
fogosa
mais quente
que dez fogueiras
deixa a
galera nervosa
ao balançar
as cadeiras.
Moreira Lopes
A
Trova e os Trovadores
Canto meu canto de Amor,
Canto meu canto de Paz,
É próprio do Trovador
Pôr no verso o que lhe apraz...
Trovador:
1- Designação dos poetas líricos dos séculos XII e XIII, que se expressavam na chamada língua d’Oc, falada no sul da França, especialmente na Provença.
2- Designação dos poetas líricos portugueses que nos últimos séculos da Idade Média seguiam o estilo dos poetas provençais.
Sabemos que na I. M. apenas os clérigos e alguns nobres tinham acesso à
cultura, ao estudo das letras, e havia mesmo reis que não sabiam ler ou
escrever. Os livros eram escritos à mão e, por isto mesmo, peças raras e de
alto custo. A poesia era ligada à música. Os poetas cantavam seus poemas ao som
de instrumentos musicais e tinham sempre como tema as Canções de Gesta – que
eram poemas épicos, isto é, narrativas de feitos heróicos, das lutas sangrentas
muito comuns na realidade daqueles tempos.
No ano de 1096, Guilherme IX, Duque de Aquitânia e Conde de Poitiers, que era
um dos poderosos da época, um homem cortês, sabia fazer versos, porém era
reconhecidamente conquistador de mulheres. Procurando achar uma forma de chegar
aos seus corações, encontrou, criando um poema onde falava de amor, da
sinceridade do sentimento amoroso e da sua intensidade. Esta forma de
poema passou a ser chamada “Le trobar” na língua d’Oc que correspondia em
francês ao verbo “trouver”, encontrar. Daí, os que cantavam o
“trobar” - o Canto de Amor – passaram a ser chamados “troubadours”, isto
é, aqueles que acham.
Assim, Guilherme IX fez o primeiro “canto cortês”, que falava de amor, na
maioria das vezes de amores impossíveis, o que fazia eco nos corações
apaixonados, enchendo de animação as noites nos castelos da chamada “idade das
trevas”.
Nasceu, então, a Cantiga Trovadoresca que representou o despertar da cultura
leiga, desvinculada da cultura teocêntrica imposta pela Igreja.
Hoje Guilherme IX é considerado o primeiro Trovador e o mais antigo poeta da
língua d’Oc, a língua falada na Aquitânia, região que passou a pertencer à
França, na região Sul, a Provença. Na região norte, onde era falada a
língua d’Oil, os poetas eram denominados “Trouveres”. A
Língua Romana, que era o latim vulgar falado pelo povo, originou algumas
formas regionais de falar, as quais, com o tempo, deram origem às chamadas
línguas neolatinas – Português, Francês, Italiano e Espanhol.
Não podemos desconhecer a figura de Aliénor de Aquitânia, neta e herdeira de
Guilherme IX, que introduziu na Corte do reino da França quando Rainha de Luís
VII e, também, na do reino da Inglaterra,quando Rainha de Henrique II
Plantageneta, a cultura da língua d’Oc na qual se exprimiam os trovadores.
Nos seus poemas o trovador cantava para a amada e pela amada, isto é, no seu
canto ele fazia declarações de amor às quais ele mesmo respondia em nome dela.
Os versos eram inspirados em acontecimentos da corte ou, na maioria das vezes,
em romances fictícios.
Os trovadores iam de castelo em castelo onde eram recebidos com cortesia
porque, além dos seus cantos, eles eram fonte de notícias de outras cortes,
naquele tempo de tão difícil comunicação. Os versos eram cantados ao som de
instrumentos musicais, e aqui vale lembrar os nossos cantadores ou violeiros
nordestinos.
A Cantiga Trovadoresca, cultura dos poetas provençais, era o gênero mais
popular naquela época medieval e espalhou-se além-fronteiras. Em Portugal,
somente após 100 anos, no final do século XII, foi escrito o texto considerado
o mais antigo canto galego-português. O movimento trovador ganhou espaço em
Portugal e na Espanha e foi denominado Trovadorismo.
Tempos
depois, D. Dinis, sexto rei de Portugal, o Rei poeta, promove a cultura e
transforma a Corte num dos mais fecundos centros literários da Península
Ibérica. Não somente incentivou os trovadores na sua corte promovendo saraus
palacianos, como era, ele mesmo, um grande trovador. A poesia, sob a
forma de cantigas, foi, nessa época, a principal expressão literária de
Portugal, embora tenha havido também uma pequena produção em prosa e teatro.
D. Dinis substituiu o latim pela língua vulgar portuguesa nos documentos
oficiais. O Português chamado moderno surgiu somente no século
XVI.
As cantigas chegaram até nós por meio dos Cancioneiros, que eram coletâneas de
poemas de vários autores.
A literatura portuguesa exerceu grande influência sobre a literatura brasileira
desde o período colonial. A trova passou a ser cultivada a
partir de 1950. O poeta J.G.de Araújo Jorge denominou Trovismo o movimento que
deu lugar de destaque à trova nos meios literários brasileiros. Em 1966,
pela liderança de Luiz Otávio, foi fundada a União Brasileira de Trovadores -
Nacional. O “Dia do trovador” foi fixado para 18 de julho, e São Francisco de
Assis foi escolhido o patrono dos trovadores.
A UBT
de Fortaleza foi criada em 1969, em reunião que aconteceu na Casa de Juvenal
Galeno, e por ela passaram trovadores da mais alta expressividade. É atualmente
presidida pelo trovador e jornalista Vicente Alencar e tem como Presidente de
Honra Gutemberg Liberato de Andrade. Em suas reuniões mensais, às 10h00
do 1° sábado de cada mês, conta com a participação de excelentes
trovadores que amam verdadeiramente a trova e a fazem com maestria.
Doce
feitiço de amor
tem a trova, bem guardado,
porque
todo trovador
é,
por ela, apaixonado!
Zenaide
Braga Marçal – UBT-Fortaleza
Fortaleza, 26 de janeiro de 2017
Fontes de pesquisa:
La Poesie Occitane – René de
Nelli
Documentos – Gutemberg Liberato de Andrade
Literature Française Pour les Nuls –
Jean Joseph Julau
Panorama
da Literatura Portuguesa –
Roberto Cereja e Thereza Magalhães