CONTO DE UMA NOITE DE ABRIL
Ana Paula de Medeiros Ribeiro
Os ponteiros
pareciam passear vagarosamente sob o vidro do relógio de pulso, enquanto ela aguardava
a definição do lugar do encontro.
Há poucas
horas, havia recebido um convite para jantar. Deveria estar feliz, mas uma
avalanche de emoções escorregava-lhe pela espinha. Há dias, o relacionamento
não estava muito bem. Existia algo, uma energia forte, contrária à dos amantes,
que se espalhava como uma erva daninha. Uma sombra pairava sobre os dois,
amornando a euforia do amor. Ela sabia que estava por vir mais um daqueles
momentos de contabilidade... Contas de coisas que ela fizera e o desagradou.
Contas postas friamente sobre a mesa de jantar. Era sal na sobremesa...
Finalmente,
chegou a mensagem com o local e hora do encontro. Ela levantou-se da cama e foi
se banhar. Deixou, por longos instantes, a água escorrer pelo seu corpo e sumir
através do ralo. Parecia que a água levava embora um pouco de sua desilusão... Respirou
fundo e recompôs-se. Perfumou-se e vestiu uma roupa nova, como era de costume
nos encontros que tinha com ele. E foi. Chegou cedo e explorou o lugar. Havia
um jardim grande com muitas plantas e luminárias. Sentou-se e, ao recordar
alguns momentos, percebeu o quanto o amava e o admirava e se orgulhava de ser...
ser... ser o quê?... Não conseguiu se definir em relação ao que era para ele.
Levantou-se e andou inquieta por entre as mesas vazias do jardim até que o
avistou entrando pelo portão. Seu coração disparou e um soluço inesperado lhe
aparecera naquela hora. Ele aproximou-se e a cumprimentou formalmente. Era um
homem de poucas palavras, mas de muitos pensamentos. Ela queria pular em seus
braços, morder sua orelha e dizer: olá, meu amor! Mas, o jeito sisudo e grave,
com o qual ele a recebeu, embargou a ebulição dos gestos que ela desejava fazer
naquela hora.
Foram ao
salão e se assentaram. Havia uma dormência nela e uma estranha tranquilidade
nele. Ele examinou o cardápio, solicitou sugestões e fez o pedido ao garçom.
Enquanto isso, ela sofria silenciosamente... Até que, depois de um longo
suspiro, ele iniciou a conversa. A sensação que ela tinha era que as palavras dele
a aprisionavam em uma caverna escura e a faziam ficar lá: triste e acuada. Recebeu
tudo de peito aberto. Nunca teve escudos, trincheiras, abrigos de defesa. E
tinha um grave defeito: total inabilidade para brigar e contra argumentar em
situações que envolviam seus afetos.
Ele lhe disse
coisas que chegaram nela como um tsunami. Ela chorou muito e foi embora só. Ele
não a quis. Sequer lhe retribuiu o abraço na despedida. Permaneceu inflexível
como um carvalho na tempestade.
Naquela
noite, ao chegar em casa, enquanto tremia acometida por uma febre emocional,
ela ouviu aquela mesma sombra, que pairava sobre os dois, dar muitas
gargalhadas. Depois dali, ela mergulhou num torturante vazio que lhe roubou o viço
e o doce da vida. Não há mais tâmaras nem damascos nas manhãs de domingo.