REVISTA DA CULTURA
Manoel de Barros não gosta de fotos: nem de posar para um retrato nem de cliques espontâneos, feitos quase sorrateiramente, embora a antipatia nesse último caso seja menor. Também não gosta de compromissos formais ou qualquer tipo de obrigação. Exatamente por isso, embora muito premiado desde a década de 1960, tenha ficado à margem das panelinhas – as quais ele faz ainda questão de não bajular – e, consequentemente, de grande parte dos leitores durante longo tempo. Dia 19 deste mês, o poeta mato-grossense completa 96 anos.
Alguns críticos o apontam como o maior poeta vivo da língua portuguesa, dezenas de importantes escritores o veneram, mas ele não liga para tais opiniões ou rótulos. Prefere continuar sua tranquila rotina em sua casa em um bairro central de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, estado que adotou há décadas. Acorda muito cedo, toma um banho, um copo com guaraná em pó, depois se senta à mesa para o café da manhã, e, quase religiosamente, se fecha no escritório das 8h às 11h30 para escrever. Produz pouco, muito devagar e com a mesma letra miúda a lápis com a qual respondeu às perguntas desta entrevista, repassadas ao poeta pela sua secretária, Elaine Sandra Paixão. “Confesso que só escrevo de lápis. Não sei de máquina. E ignoro computador. Cheguei antes”, deixa claro. Às 11h30, bebe uma dose de whisky com água de coco sentado na varanda, onde fica até o horário do almoço. “Ele come pouco. Gosta de ovo, arroz, carne, feijão e sempre com uma fruta. Mas não tem apetite e nunca quer se alimentar”, diz sua filha, a artista plástica Martha Barros, que revela mais um gosto do pai. “Ele adora sorvete de creme com Coca-Cola de sobremesa. É do tempo dele a tal da ‘vaca preta’.”
Alguns críticos o apontam como o maior poeta vivo da língua portuguesa, dezenas de importantes escritores o veneram, mas ele não liga para tais opiniões ou rótulos. Prefere continuar sua tranquila rotina em sua casa em um bairro central de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, estado que adotou há décadas. Acorda muito cedo, toma um banho, um copo com guaraná em pó, depois se senta à mesa para o café da manhã, e, quase religiosamente, se fecha no escritório das 8h às 11h30 para escrever. Produz pouco, muito devagar e com a mesma letra miúda a lápis com a qual respondeu às perguntas desta entrevista, repassadas ao poeta pela sua secretária, Elaine Sandra Paixão. “Confesso que só escrevo de lápis. Não sei de máquina. E ignoro computador. Cheguei antes”, deixa claro. Às 11h30, bebe uma dose de whisky com água de coco sentado na varanda, onde fica até o horário do almoço. “Ele come pouco. Gosta de ovo, arroz, carne, feijão e sempre com uma fruta. Mas não tem apetite e nunca quer se alimentar”, diz sua filha, a artista plástica Martha Barros, que revela mais um gosto do pai. “Ele adora sorvete de creme com Coca-Cola de sobremesa. É do tempo dele a tal da ‘vaca preta’.”
Manoel só está disponível para a família. São três filhos (Pedro, que vive com ele, Martha e João, esse já falecido), sete netos e cinco bisnetos. E tem, claro, como companheira e amparo, a esposa Stella Leite de Barros, 91, com quem está casado há 64 anos. “Eles sempre foram muito afinados. Ela é o oposto dele: prática, pé no chão. Ele brinca que ela é uma moça normal. E ele é desligado, mas porque fica tão concentrado nas coisas dele que desencana do resto. Eles não existem um sem o outro”, diz Martha.
A morte é um assunto que passa longe das conversas do poeta, autor de mais de 30 livros, como O guardador de águas, Escrito em verbal de ave, Memórias inventadas, Para encontrar o azul eu uso pássaros, Menino do mato e Poemas rupestres. “Ele não fala de doenças, morte e nunca o vi reclamar de dor de cabeça. Esses assuntos não existem”, conta Martha, que completa: “Quando morre alguém, ele não questiona, não analisa. Diz que a morte é como o nascimento, é natural, não tem mistério”. Talvez uma percepção aprendida durante a infância totalmente livre, vivida na fazenda no Pantanal antes de ir para um colégio interno em Campo Grande e depois para o Rio de Janeiro. Advogado formado, foi durante muito tempo fazendeiro, mas nunca deixou em segundo plano o ofício de poeta. “E ele não lê nada do que escreveu, mas é vaidoso”, destaca a filha.
O que interessa ao escritor é a sensibilidade e a beleza do mundo que o cerca. Nunca foi o pai prático de levar os filhos ao dentista ou ao colégio. Preferiu ser apenas o amigo, o homem carinhoso, feito que repetiu com os netos. “Ele é um avozão, brincava comigo. E tanto ele quanto a minha avó me davam livros de presente no aniversário. Lembro que, com 14 ou 15 anos, ganhei dele vários do Hermann Hesse”, destaca Lucas Barros, diretor de fotografia, sócio da produtora Novelo Filmes, que, a nosso convite – e com a autorização dos avós –, saiu de sua casa em Florianópolis para visitar o avô e fazer os retratos atuais que ilustram esta matéria.
Como conta Martha, repetindo uma brincadeira que sua mãe faz, a delicadeza do pai é fruto de ele ter nascido sem arrebentar a bolsa da água. “Mamãe brinca que ele nasceu protegido, é um homem de muita sorte.” Também não julga e, até que se prove o contrário, acredita que todas as pessoas são boas. Tem um aparelho para melhorar a audição, mas prefere não usar. “Ele escutou muita coisa e não gostou”, diz a filha.
Manoel de Barros não tem muitas rugas, se tornou um homem mais calado desde que o filho João Wenceslau morreu, em 2007, mas continua engraçado. Fala bobagens, sabe do ícone que se tornou, recusa a maioria dos pedidos de entrevista e prefere mesmo é dar atenção às coisas simples da terra.
Com os 96 anos que se completam este mês, o viver muito e lúcido é uma dádiva ou em alguma circunstância chega a ser um tormento?
Não tenho explicações para os 96. Se a gente faz só o que gosta, ajuda. Mas isso é “um privilégio”. Só faço inutilezas.
Então, sua opinião de outrora, de que havia certa inutilidade na poesia, continua a ser a mesma?
Continua. A ave é uma inocência inútil.
Mas ela te ajuda a entender melhor o tempo, não?
A poesia não ajuda em nada. Ela é de graça.
Nem te ensinou a viver?
Não me ensinou nada – só me envolveu.
E é possível, afinal de contas, definir o que é poesia? É o mel da palavra. Pelo menos aprendemos a entendê-la ou continua sendo uma vertente literária misteriosa?
Há de ser misteriosa. Eu também não a entendo. Mistério é mistério.
Seu nome é associado cronologicamente à Geração de 45 e também, devido ao conteúdo, ao Modernismo brasileiro. Como você observa a herança deixada por estes movimentos na literatura atual?
Peço perdão, mas não acho nada. Eu já escrevi: Se o nada desaparecer, a poesia acaba.
No entanto, você mesmo chamou sua arte de “vanguarda primitiva”. Pode falar sobre a ideia?
Sei pouco de vanguarda e muito sei de primitivo. De vanguarda, sei que festejar é mais limpo do que significar. O primitivo é das cavernas, bem antes das vanguardas.
A internet parece deixar os novos escritores em processos mais isolados em vez de pertencerem a determinados grupos. Isso é bom ou não em sua opinião? Toda vez que entra internet – eu acato.
Com os 96 anos que se completam este mês, o viver muito e lúcido é uma dádiva ou em alguma circunstância chega a ser um tormento?
Não tenho explicações para os 96. Se a gente faz só o que gosta, ajuda. Mas isso é “um privilégio”. Só faço inutilezas.
Então, sua opinião de outrora, de que havia certa inutilidade na poesia, continua a ser a mesma?
Continua. A ave é uma inocência inútil.
Mas ela te ajuda a entender melhor o tempo, não?
A poesia não ajuda em nada. Ela é de graça.
Nem te ensinou a viver?
Não me ensinou nada – só me envolveu.
E é possível, afinal de contas, definir o que é poesia? É o mel da palavra. Pelo menos aprendemos a entendê-la ou continua sendo uma vertente literária misteriosa?
Há de ser misteriosa. Eu também não a entendo. Mistério é mistério.
Seu nome é associado cronologicamente à Geração de 45 e também, devido ao conteúdo, ao Modernismo brasileiro. Como você observa a herança deixada por estes movimentos na literatura atual?
Peço perdão, mas não acho nada. Eu já escrevi: Se o nada desaparecer, a poesia acaba.
No entanto, você mesmo chamou sua arte de “vanguarda primitiva”. Pode falar sobre a ideia?
Sei pouco de vanguarda e muito sei de primitivo. De vanguarda, sei que festejar é mais limpo do que significar. O primitivo é das cavernas, bem antes das vanguardas.
A internet parece deixar os novos escritores em processos mais isolados em vez de pertencerem a determinados grupos. Isso é bom ou não em sua opinião? Toda vez que entra internet – eu acato.
Nesse sentido, a produção literária está cada vez mais individualista ou sempre foi desse jeito?Sempre. Às vezes, o poeta ouve a harmonia das palavras – outras vezes, só ouve o “batecum gererê”.
Você já declarou algumas vezes sobre o prazer de ter sido criado de forma tranquila no Pantanal. De que maneira essa criação definiu sua produção poética?Fui criado num lugar onde só tinha água, árvore e bicho. Minhas palavras são raiz. Meu avô abastecia a solidão do lugar.
Mas acredita que infância é uma faixa de idade ou um sentimento de espírito?Eu moro na raiz das palavras. E acho que infância é a raiz das palavras. Minhas palavras hão de aparecer misturadas ao tronco, às folhas e às flores. A infância, então seria minhas raízes.
Aliás, o quanto que o habitat influencia um escritor e o quanto em nada importa o local onde ele vive? Acho que tudo importa: ave, água, árvore, brisas.
Outra substância que não a feliz pode preencher a poesia? Seria assim: depois que os passarinhos recebem as carícias da manhã, eles desvoam livres sobre a tarde.
Você continua escrevendo a lápis. Como encara a modernidade?Através da linguagem do poeta, reconheço a idade.
Você pensa na posteridade? Gostaria que daqui cem anos continuasse sendo um dos nomes mais reconhecidos da literatura brasileira?Sinceramente penso. Mas tenho todas as dúvidas.
A sua fama de ser recluso é, de alguma maneira, aversão ao “estrelato”?Sou tímido. Só isso. Um gole de vinho me tira a timidez.
Existe a sua frase famosa: “Noventa por cento do que escrevo é invenção. Só dez por cento é mentira”. A proporção ainda é a mesma?Acho que sou uma só mentira. Falo do poeta. Sou linguagem.
Dos poetas e romancistas com os quais você conviveu, qual te traz mais lembranças?Rimbaud é meu mestre. Aqui no Brasil, Guimarães Rosa, Padre Vieira.
O paralelo entre sua poesia e a prosa de Guimarães Rosa está além do neologismo?Acho que a linguagem do Rosa modifica o mundo. A minha linguagem apenas quer transver a natureza.
E como você analisa a safra atual de escritores nacionais?Há dez anos eu só releio.
É possível apontar quais são os seus livros publicados que mais lhe agradam?Eu não releio meus livros, porque tenho tédio. Mas acho que todos são o que alcancei fazer. Quando terminava um, eu ficava feliz. Mas, agora, relê-los me dá tédio!
Mas você está trabalhando em algum novo livro de poesia, não? Estou tentando, com pouca força, outro livro de prosa poética.
Existe algum ritual especial para você escrever? Ou a poesia flui sem barreiras?Poesia é trabalho com palavras.
Aliás, você acredita que o mistério nos completa? Quem é Deus, pelo menos para poesia?Deus é o verbo. O que faz. O que abastece o meu mistério.
E o que é ser poeta?Fôssemos talvez merecidos de água, de rãs, de árvores, de pedras, de brisa, de garças. A gente dementava as palavras – porque sempre tínhamos visões. Hoje eu vi um lagarto lamber as pernas da manhã. Tínhamos desapetite para copiar. Gostávamos de transver a natureza. A gente não gostava de informar, mas só cantar. As palavras não tinham comportamento. Nossa palavra era a raiz – vinha de nossas raízes. E moravam na infância sem comportamento. Quem nasce poeta tem que se conformar que é meio parvo, meio tonto e meio cego. Sempre usávamos visões como esta. Eu vi um prego primaveril! Temos de estudar ignorãnças para saber o formato do silêncio e a cor dos arrebóis. A infância sendo a raiz de nossas palavras, tem que trazer a inocência com ela. E a palavra inocente há de vir enrolada em seus caracóis. Então, o poeta poderá cometer todos os erros de linguagem, porque está amparado na liberdade de ser ainda raiz. Temos que desver a natureza para inventar outra. Assim: hoje eu vi uma garça com olhar de oceano. Por tudo isso e por isso que o poeta tem que se conformar que é um tonto ou um parvo! Por fim: o que forma a imagem poética não é O ver, mas otransver.
POR: GUSTAVO RANIERI (TEXTO) E CLÁUDIO PORTELLA (ENTREVISTA) / 06/12/2012
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