Janeiro
da Encarnação
Giselda Medeiros
Há no autor um poeta vigilante e um homem percuciente
que, juntos, sabem, de momento em momento, mergulhar no mais recôndito do ser,
lá em seus silêncios, em suas solidões, em seus êxtases, e retirarem o amálgama
para versos fortes, onde a linguagem desencadeia emoções, as mais variadas. A
contemplação estética, por si só, extrapola o sentimento, que se fixa na pauta
de seus versos.
Técnica e sensibilidade convergem para a emersão da
poética de Batista de Lima, que, falando muito pouco de si mesmo, extravasa-se
ante a visão de um mundo, do qual é artista e espectador, dando o testemunho de
uma larga experiência, o que contribui para o engrandecimento de sua bagagem
poética. Que seria do homem sem essa experiência?
Neste
livro, o autor mostra-se um hábil manuseador do verso livre, tão quanto exímio
na síntese final de seus poemas, como atestam estes versos de “Poesia”: É ovo / e vôo / antes da ave.
Atente-se
também ao fato de que o poeta sabe, com acuidade, expressar uma avassaladora
torrente de imagens, como em “Canavial II”, em que a descrição cede à
visualização de uma verdadeira aquarela de palavras: Verde mar de morte / o
canavial se estende / calmaria / e os homens encalham / navios sem vela / no
massapê massacre.
Revezam-se,
do início ao fim do livro, os mundos submersos de Batista de Lima. Ora é o
menino salgado que se rasgou em pedaços, ora é o crítico que não se
intimida em lançar seu grito contra a opressão: Aproveito que o ditador
morre/ e choro com todos os direitos. Ora é o lírico, resvalando para o
cotidiano, mas sempre fiel à sua predestinação poética, em vôos de beleza e
sabedoria: O que mais dói na solidão / é ter na mão uma chave / que nada
abre / que nada abre . Outras vezes é o saudosista, a relembrar Chapéu
do meu avô, Festa de São Sebastião e Festas de Janeiro. Aí, o autor se
veste de fina ironia, como nos mostram os versos: Coitadinho do santo
/sangrando inocente / no seu medo e pranto / vai triste e temente / de perder
seu assento. O erótico também está presente no seu universo poético, como
atestam estes versos de “Confissão II”: Sei das estradas e veredas / dos
socavões e cachoeiras / das sombrias florestas / até dos vales úmidos / que
suas dunas escondem.
Outros recursos estilísticos de que se serve
o poeta são, notadamente, o uso das aliterações, em abundância, das
justaposições de palavras, das repetições, das alegorias e sinestesias, das
antíteses, das imagens, que nos chegam como um jorro inextinguível de
sensibilidade e beleza, impulsionadas por uma cadeia sintática de palavras que
se atraem foneticamente e se dispersam
no espaço imagético das idéias em sua marcha nupcial. Além disso, a supressão
premeditada da pontuação deixa o leitor mais à vontade para o entendimento e,
conseqüentemente, para a interpretação da riqueza conteudística do poeta.
Há
muito mais que se dizer deste livro. Contudo, deixo ao leitor as outras
observações, que sei, depois de lerem-no, não as poderão calar.
De
parabéns, pois, a poesia cearense, por esse fruto saborosamente sazonado em
pleno esplendor deste Janeiro da Encarnação.
(Do livro Crítica Reunida)
Maravilha este seu texto, Princesa, sobre a notável obra "Janeiro da Encarnação", de autoria do insigne poeta cearense Batista de Lima. Com essa bela dissecação percuciente da citada obra, você nos instiga a procurar ler, o mais breve possível, o conteúdo poético desse valioso livro. Grande abraço.
ResponderExcluirJ. Udine
Obrigada, Poeta. Você sempre me trazendo palavras de incentivo! Isso me deixa muito feliz! Um abraço.
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