Vês?
aquela onda a tecer rendas de espanto
na areia, não sou eu.
eu sou o contorno das espumas
lavrado como escritura
para o abissal exílio dos grãos
de areia.
Minha essência
são esses fragmentos de ausência
retidos na voz dos náufragos,
no desespero das algas e corais
afogados.
entre ti e mim há sombras
que devoram horas
que extraviam calendários;
há voos que perderam a estabilidade
e passos esquecidos nas estradas.
Somos paisagens que se despedaçam
sob os látegos do tempo.
Em nós, apenas os murmúrios
cegos de um amor espetado
pelos dedos espinhentos do destino.
Somos a ânsia dos tardos andarilhos:
tu, as pegadas, lentas,
irremediavelmente tímidas;
e eu, o porto, a chegada final,
que espera, em vão,
o assentamento da âncorados teus andarilhos passos.
(in Poemas de Mesa - Ideal Clube - 2006)