O silêncio de Graça Roriz
Batista de Lima
Graça Roriz Fonteles vai ao silêncio como fonte de seus poemas. Lá, bem na estrutura profunda do ser, ela encontra a fala autêntica da sua poesia. Sua luta, no entanto, é trazer à tona, o fardo lírico prospectado. Afinal, palavras são panos poucos para cobrir tantos abismos. A voz do seu silêncio não é para ser ouvida por qualquer um. Verbalizá-la é como transportá-la do seu nascedouro para terrenos nunca dantes cultivados. O Fonteles do seu nome sugere fonte que se detecta na superfície sem alcance do seu nascedouro. Muitos outros poemas vão ser necessários ainda para o leitor auscultar as fontes do seu silêncio.
Esse seu livro, “Lirismo do silêncio”, da Imprece, 2019, mal fala, pelo silêncio que anuncia. Mas é um silêncio gritante de tão profundo, de tão lírico, de tão precisado de palavras, para se tornar estridente. Essas palavras, utilizadas com parcimônia, não chegam a ocupar página inteira, para cada desabafo poético. O importante é que as coisas mitificadas mostrem suas entranhas nessa busca que a autora enceta em direção à essência do ser. Por isso que o melhor caminho para encontrar suas fontes poéticas seria uma análise ontológica para se ter o essencial de cada coisa. São, pois, poemas para pensar. Outra forma de lê-los pode se tornar uma profanação do sol de cada coisa.
Tanto Beatriz Alcântara quanto Giselda Medeiros enaltecem essa busca da essência de cada ser. Essa viagem pela geografia da alma, de que fala a autora, só com o signo verbal metaforizado pode se tornar possível. Contrário ao que ela diz, na valorização do significante, é bom saber que o silêncio motivador de seus poemas aloja-se no significado do mitopoético que não se mostra por inteiro. Isso faz com que o leitor entenda melhor os últimos poemas do livro. Isso acontece porque a leitura ao longo das páginas vai sendo beneficiada com pistas que clareiam pari-passu sua trajetória labiríntica.
Graça Roriz Fonteles é odontóloga. Trata as articulações do discurso, extraindo excessos e burilando as arcadas dos versos. Vai à raiz do verbo, em que se incrusta o potencial da expressão e se coloca de oitiva para captar os rugidos dos nós da alma. O que brota dessa busca é uma angústia diante do efêmero do existir e um réquiem à finitude crescente. Por isso que, no seu “Códice”, “O ventre da madrugada / Encerra o amanhã / Nos porões da aurora”. É a partir daí que na folha branca ela registra as batidas do coração em desalento, com o alfabeto do silêncio. O mundo do seu silêncio resguarda-se nos umbrais da casa, por trás de um diáfano véu encobridor.
O silêncio da autora aparece ávido de palavras, estilhaçando os contornos da memória, fecundo de linguagens. Sua preferência é pelo branco do papel, pelo esverdeado do mar, pelo vermelho das flores, pelo azul dos céus da manhã e pelo amarelo do pôr do sol. Entretanto, a flor da lua não tem cor, pois só se abre em noite de lua cheia. Essas observações impressionistas não conseguem desvirtuar o silêncio porque, independente das estações, ele reina como escudo de algo que fica por dizer. É então que surgem as dúvidas: será que há uma angústia a ser preservada ou será uma dor que não se quer revelada? O leitor, pois, se vê diante de uma parede sem porta na ânsia de descobrir o outro lado do silêncio.
Ao final, Graça Roriz confessa: “Escrevi minha história / O silêncio a escreveu / Nos bancos da vida encontro / Escolas para os meus eus”. Essa estrofe resume tudo que é o livro, o anúncio de que há algo para dizer. O silêncio, no entanto, impede uma revelação total. Se é flor, é flor da lua que se revela sem a cor, pois se revela na sombra, e é essa sombra que ao longo do livro desafia o leitor a encontrar as trilhas dos sonhos e da saudade. Mas o poema “Menina”, quase diz a verdade: “No silêncio / Fez-se ilha solitária / Fez-se mar tumultuoso / Fez-se muito / Fez-se pouco / Fez-se água cristalina / Fez-se riso / Fez-se rosa / Nos olhos de menina / Fez-se brilho-purpurina”.
jbatista@unifor.br