quinta-feira, 29 de novembro de 2018

RELEMBRANDO NEIDE FREIRE





NEIDE FREIRE – UMA MULHER MAIÚSCULA
 Giselda Medeiros 

            Em estudo sobre Neide Freire, no livro Ensaios e Perfis, Dimas Macedo assim se reporta muito acertadamente: “No plano especificamente cultural e humano, Neide é dotada de personalidade que a distingue do comum dos mortais. Sabe ser humilde, fraterna, compreensiva e, acima de tudo, sabe ser simples e não faz alarde jamais de seus conhecimentos, tendo recebido, recentemente, homenagem da Assembléia Legislativa do Estado, no Dia Internacional da Mulher. Trata-se, portanto, de nome que honra o Ceará e que honra a tradição das águas do Salgado e a história de sua cidade natal”. Efetivamente, não só concordo com o notável crítico literário, como assumo sua postura judicativa a respeito de Neide Freire, escritora de méritos com dois livros publicados e muitos outros trabalhos em publicações diversas. Poetisa, soube florir em versos o sentimento nacionalista, difundindo o amor pela Pátria, quer em sala de aula, quer nas reuniões literárias, onde pontificava com sua inteligência.
               Raimunda Neide Moreira Freire nasceu na cidade de Lavras da Mangabeira, sob a fertilidade do Rio Salgado, no dia 23 de maio de 1924. Nascera predestinada a levar aos carentes do saber o seu conhecimento. Daí, ainda na adolescência, viera com seus pais estudar em Fortaleza, no Colégio Imaculada Conceição. Tornou-se professora e desempenhou essa função nas cidades de Ubajara (onde fixou residência durante anos) e, também, em Ibiapina e Tianguá. Depois bacharelou-se em Teologia, pela Faculdade Universal de São Paulo. Detém o troféu Monsenhor Tarciso Melo, outorgado pela Prefeitura de Ubajara (2001).
               A professora e teóloga, entretanto, tinha em si mais um outro ideal: as Letras. Seus conhecimentos e suas experiências adquiridas pelo passar do tempo levaram-na ao país mágico da Literatura. Assim, ingressou na Casa de Juvenal Galeno, de cujas atividades litero-culturais passara a frequentar. Por sua inteligência privilegiada, logo se destacou entre as mulheres que ali mourejavam, filiando-se à destacada Ala Feminina da Casa de Juvenal Galeno e a outras entidades, a saber: União Brasileira de Trovadores (UBT - seção Fortaleza); Academia de Letras Municipais do Estado do Ceará (ALMECE); Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil (AJEB-CE); sócia correspondente da Academia Literária Feminina do Rio Grande do Sul e da Academia Irajaense de Letras (RJ). Foi Presidente da Ala Feminina da Casa de Juvenal Galeno, no biênio 1992-1994, ocupante da cadeira n° 53, sendo Maria Gonçalves da Rocha Leal a sua Patrona.
Neide Freire (seu nome literário) publicou Acendalhas (crônicas e poemas) e Poemas e Lembranças, além de muitas publicações em revistas, antologias, jornais. Seu nome é verbete no Dicionário de Literatura Cearense; Dicionário de Mulheres; Ensaios e Perfis; e Cearenses Notáveis.
Infelizmente, apesar de sua contínua e ferrenha luta, por muitos anos, contra o diabetes, este acabou vencendo-a. E foi assim que Neide Freire, no dia 10 de maio de 2018, em um dos leitos do Hospital São Raimundo, em Fortaleza/CE, com o consentimento de Deus, pôs um ponto-final na história de sua vida, deixando seu nome imortalizado no mundo das letras e no coração dos familiares, dos amigos e dos que a admiravam.  

Um rápido olhar sobre sua obra
              
               Esta resumida passagem pela biografia da escritora fez-se necessária para que pudéssemos adentrar a leitura do seu segundo livro Poemas e Lembranças, e, ao fim, deixar algumas impressões. Confesso que ler um livro de Neide Freire é-me tarefa demais prazerosa, haja vista o embevecimento que nos vem de seu estilo, da linguagem escorreita, do encadeamento perfeito das ideias, o que faz com que seu texto flua ininterruptamente, denso e limpo, como as águas de uma cascata.
               Conheci Neide Freire desde as lides da Ala Feminina da Casa de Juvenal Galeno, pela qual trabalhamos (ela presidente; eu, vice), durante o período 13 de setembro de 1992 a 13 de setembro de 1996, época em que reformamos o Estatuto da entidade, renovamos e ampliamos o número de sócias efetivas, publicamos o 2º volume de Um Livro da Ala, o 4º. e 5º. volumes da série Mulheres do Brasil e retomamos a circulação semestral da revista “Jangada”, após longos trinta e nove anos de ausência. Retomamos a revista em seu número 19 e a editamos até o número 36. Neide Freire resgatou, assim, o prestígio da Ala Feminina e, para as palestras da Casa, convidamos nomes expressivos de diversas entidades literárias e culturais cearenses.
               Ao longo desse tempo em que trabalhamos em uníssono, pude aquilatar o valor desta mulher, fisicamente frágil, mas de uma fortaleza espiritual indestrutível. Coerente com seus princípios, ela sabia exercitar a solidariedade, o amor, a fé, a amizade, jamais deixando que as vaidades humanas cerceassem sua visão humanisticamente cristã. A ela, indubitavelmente, cabem estas palavras de Armando Fuentes Aguirre: “Feliz é o homem que no fim da vida possui apenas o que deu aos outros”.
               Neste seu livro, Poemas e Lembranças, entrelaçam-se harmoniosamente poesia e prosa, sob a batuta de sua maestrina que, de posse das notas que a vida lhe pôs ao alcance das mãos, vai compondo suas melodias ao ritmo das oscilações de tons do cotidiano.
               Assim é que, no poema “Rota da Vida”, podemos vislumbrar uma certa angústia, um tom de desalento expressados nestes versos:

                                                “Na sala deserta
                                                o silêncio é vigia
                                                do tempo furtivo
                                                das horas que passam.”

               A efemeridade das coisas e da vida, também, está presente no poema “Transcorrência”, metaforizada na expressão “disfarce da face”. Vejamos:

                                                “Na firmeza dos dias
                                                os anos passam
                                                disfarce da face
                                                de coisas extintas,
                                                naufragados desejos,
                                                segredos, imaginação.”

               O humor também se faz notar neste Poemas e Lembranças, notadamente em “Imagem”, ainda que mesclado ao sentimento de tédio:

“Horas alopáticas
horas cinzentas de tédio
que só lembram caixas rotas
onde se guarda remédio
assim vou passando a vida
ao sabor de amargas drogas
que o relógio anuncia
oh, pontualidade marota!
Agora é a hora das pílulas,
mais tarde, é a hora das gotas.”

               Quando transita pela prosa, Neide Freire conserva a mesma desenvoltura. São textos agradáveis, sóbrios, de grande densidade conteudística. Sobressaem, dentre outros, “Evocação ao Padre Cícero”; “O Rei Poeta” (belíssimo texto sobre o Rei Davi); “Apresentação do livro Interlúdio do Encantamento, de autoria da inesquecível poetisa Zênith Feitosa; “Literatura Feminina” e “Amor”, no qual Neide disserta sobre as várias formas de amor, esse sentimento maior que “põe melodia” na vida, e sobre o qual asseverou Santo Agostinho: “Não se adentra a verdade a não ser pelo amor”. Transcrevemos, aqui, o fechamento do texto de Neide, “O Amor”, que se presta a uma rica reflexão. Vejamos:
                “Concluímos daí não podermos chamar de amor as aberrações, as mais tristes e enodoantes que se agitam em nossos dias, mesmo porque, embora alguém tivesse dito que ‘amor é frase que o mundo aclama e desconhece’, o verdadeiro amor, gêmeo do amor criador e salvador de Deus, tem seus valores firmados na intemporalidade do espírito e ultrapassa o poder da morte”.
               Considero, portanto, válida e imprescindível a leitura do livro Poemas e Lembranças, uma vez que a Autora nos conduz ao exercício do pensamento do poeta chileno Pablo Neruda, ao asseverar que é preciso recobrar o vínculo com o distante leitor; é preciso caminhar na escuridão e se encontrar com o coração do homem, com os olhos da mulher, com os desconhecidos das ruas.
               Ao final, deixo expressa a nossa eterna felicidade por termos convivido com esta Mulher Maiúscula, cuja obra e retidão de caráter se eternizarão pelas gerações futuras como um sol a desbravar as madrugadas sangrentas.
(publicado em POLICROMIAS - nº10, p.84-90).
                                                 

Giselda Medeiros
Poetisa, contista, ensaísta. Pertence à Academia Cearense de Letras, entre outras. Foi Presidente Nacional da Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil – AJEB (2002/2006). Obras: Alma Liberta (Poesia); Transparências (Poesia); Cantos Circunstanciais (Poesia); Tempo das Esperas (Poesia); Sob Eros e Thanatos (Contos); Crítica Reunida (Ensaios); Ânfora de Sol (Poesia); e Caminho de Sol (Memórias). Detém vários Prêmios Literários, entre eles, o “Prêmio Osmundo Pontes de Literatura – Poesia” (1999) e o “Prêmio Lúcia Fernandes Martins de Poesia”, promovido pela Academia Cearense de Letras (2008). Em 2002, foi aclamada “Princesa dos Poetas do Ceará”.

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Soneto Decassilábico Português - Vianney Mesquita






RIMAS INVARIÁVEIS 1
(Homenagem ao Prof. Valdemir Mourão) 2

Vianney Mesquita*

A minha sorte s’esvaiu porque,
Ao vê-la sempre com desejo tanto,
Para comigo a conservar, conquanto
Não atinasse jamais para quê.

Embora sem conhecer, entretanto,
A razão de querer vossemecê,
Obedeci a intenção; portanto,
Perdi-a logo sem ver nem por quê.

Assim, um semiderrotado, entanto,
Na esperança sigo, por enquanto,
De, no amor, lograr Sua Mercê.

Auspicioso, pois, um tanto quanto,
Faço tudo de lícito, contanto
Que um dia possa reaver você.



1 De estudo, nenhum dos pés do soneto tem rima com as classes de palavras variáveis – substantivo, artigo, adjetivo e verbo.

2 O Professor (MS) Valdemir Mourão é docente universitário e imortal titular (ex-presidente) da Academia Cearense da Língua Portuguesa. Escritor e poeta. Um panegírico à pessoa humana!