O AZUL SILENCIOSO DOS ESPINHOS EM TRÊS MOVIMENTOS
Giselda Medeiros
Movimento
1.
Quando
a noite amanhece em tuas heras,
e
o tempo reverdece-me a saudade,
sou
sílaba suspensa sobre o medo,
cartilha
ancestral de meus degredos.
Reinvento-me
vogal, faço-me rima
para
acender-te um verso em arco-íris,
sob
os cílios de um céu feito de ânsias.
O
caminho das águas são espelhos
que
refletem ferrugem, desespero,
e
onde uma andorinha fia esperas.
Assusta-me
esse azul silencioso
posto
sobre o fantasma de mim mesma,
artéria
em que rumina uma saudade
com
seu hálito de espinhos suicidas.
Movimento
2.
Entre
o silêncio e a festa da paisagem,
há
um pássaro bicando meus fantasmas,
sob
a silhueta da canção das pálpebras,
porcelana
azul de minhas inquietudes.
O
silêncio rendilha as esperanças
que
minha alma tricotou na infância.
A
festa da paisagem célere avança
com
seus silentes olhos de crepúsculo.
Fio
a dor do silêncio... A dor é tudo
que
minha arte sente, que extravasa
nos
sombrios espelhos da memória.
Ah,
deixem-me cantar minha canção
na
dor silenciosa dos espinhos,
porquanto
a aurora ainda é paisagem em mim!
Movimento
3.
Sob
o olhar sombroso dos alpendres,
refaço-me
em letras e apascento
o
azul silencioso dos espinhos
que
o medo me enxertou com seus ancinhos.
Na
parede da sala, insone espelho
aprisiona
o meu olhar vermelho
e
tinge de ocre meu lábio calado,
há
muito pelo tempo embalsamado.
O
pálido relógio marca as sombras
das
horas líquidas que ontem deixaram
seus
rastros de procela nas alfombras.
A
cortina dos medos se descerra...
E
vejo dedos, céleres, que aram
novo
jardim de amores sobre a terra.