sexta-feira, 25 de maio de 2018

NOSSOS PAIS E O TEMPO DE ENVELHECER - POR PIO BARBOSA NETO



Nossos pais e o tempo de envelhecer
(*) Pio Barbosa Neto

Chega um tempo em que não conseguimos admitir as fraquezas que assediam a realidade de nossos pais, o peso dos anos, que minam as forças e que extraem deles, o bom humor, a serenidade da vida.
É difícil aceitar que nossos pais envelheçam. Entender que as pequenas limitações que começam a apresentar não é preguiça nem desdém. Que não é porque se esqueceram de dar o recado que não se importam com a nossa urgência. Que pedem para repetirmos a mesma frase porque não escutam mais tão bem - e às vezes, não está surdo o ouvido, mas distraído o cérebro. Demora até aceitarmos que não são mais os mesmos - que dirá “super-heróis”? Não podemos dividir toda a nossa angústia e todos os nossos problemas porque, para eles, as proporções são ainda maiores e aí tudo se desregula: o ritmo cardíaco, a pressão, a taxa glicêmica, o equilíbrio emocional.

O ritmo lento de seus passos, o esquecimento que a tudo assiste a falta de controle nas mãos, o tremor delas, o caminhar trôpego, enfim, tudo mesmo, gera uma inaceitação, um inconformismo nosso, diante de quem, um dia, parecia ser um personagem imbatível, cheio de sonhos e planos, como se a vida fosse um eterno tempo de força e beleza.

Quanto mais eles perdem memória, vigor, audição, mais sozinhos nos sentimos, sem compreender por que o inevitável aconteceu. Pode até surgir alguma revolta interior por esperar deles que reagissem ao envelhecimento do corpo, que lutassem mais a favor de si, sem percebermos, na nossa própria desorientação, que eles não têm a mesma consciência que nós, não têm como impedir a passagem do tempo ou que possuem, simplesmente, o direito de sentirem-se cansados..."

Acontece que, o medo claro da morte, nos assedia imaginar a perda dos pais é algo que machuca que deixa uma lacuna que jamais será preenchida.
Olhando para a cortina do tempo, lembro-me que, foi num dia de sol, numa tarde calma, que meu pai partiu, levando consigo a saudade que aqui ficou entranhada no peito, em forma de um coração que pulsa e bate incontinente.
O que pensar sobre este instante, talvez seja natural, lembrar a vida, ao invés de pensar o instante final, o desenlace que a todos deixou descer na face, um rastro de tristeza e ausência, em forma de lágrima a cair. 

Jorge Luiz Borges escreveu:
"Um homem propõe-se a tarefa de desenhar o mundo. Ao longo dos anos povoa um espaço com imagens de províncias, de reinos, de montanhas, de baías, de mares, de ilhas, de peixes, de habitação, de instrumentos, de astros, de cavalos e de pessoas. Pouco antes de morrer, descobre que esse paciente labirinto de linhas traça a imagem de seu rosto."
Envelhecer já nos demanda outras tarefas. Quem envelhece já fez pedidos, por vezes cansou de esperá-los. Quem envelhece já fugiu à regra, abriu exceção. Quem envelhece já dormiu na cadeira da sala de aula, já jantou de madrugada e entendeu que nenhum desejo vale mais a pena do que aquilo que nos vem sem que desejemos. Aquilo que está em nosso caminho, seja ele desviado para o destino que for.

Aceitar envelhecer, voltar atrás perante enganos, enxergar beleza no imperfeito e felicidade no detalhe são coisas que nos tomam a consciência com a maturidade. E maturidade leva experiência.
O que fica da vida é a certeza clara, de que, não fomos feitos para a morte, sequer a desejamos, contudo, um dia, ela chega sorrateiramente, de maneira silente, muda, e sem avisar arrebata a existência de forma impiedosa e cruel. 

Não tenho interesse em falar sobre esta ruptura que nos deixa órfãos, mercê da agonia de não mais ter entre nós, alguém a quem dedicávamos amor e carinho.
Prefiro guardar a imagem de meu pai, chegando de viagem, com suas malas pesadas, com seu sorriso aberto, com seu abraço forte e acolhedor, o resto são retalhos que o tempo compôs em forma de poema prá dizer o quanto sua vida me inspirou a ver o que de mais sublime encontrei na minha caminhada, - a figura ímpar de meu pai, como alguém a quem estendo minha prece diante de Deus, agradecido, por ter durante alguns anos experimentado a magia do amor, da cumplicidade de uma relação tão próxima, que tenho guardado comigo como uma joia rara que acolho na profundeza de minha alma.
(*) Professor, escritor, poeta, roteirista
(Texto Complementar - Meu Pai – PBN)
(Fonte: obviousmag.org)

sexta-feira, 18 de maio de 2018

MAIS UM SONETO DE VIANNEY MESQUITA





LÓGICA DA PENA

                                                                                     Vianney Mesquita

                                           Sê lento no castigo e rápido no prêmio. (Públio OVÍDIO Nasão).



                            Isento de castigo é quem procede
                        Sob os regramentos sentenciados,
                        É, justamente, o que não acede
                        Desacatar intentos demarcados.

                        Vem da Moral nascente, que não mede
                        Pressupostos por si equivocados.
                        E, na ausência da ordem, o que sucede
                        É o Direito assentar atos regrados.

                        Se a pessoa, atabalhoadamente,
                        De tal modo, violar a lei corrente,
                        Restará bem inserta no escarmento.

                        Se não prosseguir, contudo, assim,
                        Continuará incólume, outrossim,
                        Sem a rija desdita do tormento.

quinta-feira, 10 de maio de 2018

NOSSO ADEUS À INESQUECÍVEL AMIGA, NEIDE FREIRE




Neide Freire se foi em busca das estrelas... Quanta saudade deixaste, minha amiga querida! Imaginativa como és, quiseste enxergar além do infinito! E partiste, amiga, sem te despedires de nós que tanto te amamos! Mas vai, Neide, coração aberto, sorver a Poesia que sempre te encantou e que, agora, podes vê-la tal como é. Vai em paz, que Deus confortará teus filhos, netos, bisnetos e a grande legião de teus amigos! 
Descansa em Paz!

quarta-feira, 9 de maio de 2018

GISELDA MEDEIROS




A PÁLIDA CANÇÃO DAS HORAS


Sob o olhar sombroso dos alpendres,
refaço-me em letras e apascento
o azul silencioso dos espinhos
que o medo me enxertou com seus ancinhos.

Na parede da sala, insone espelho
aprisiona o meu olhar vermelho
e tinge de ocre o meu lábio calado
há muito pelo tempo embalsamado.

O pálido relógio marca a sombra
das horas líquidas que ontem deixaram
seus rastros de procela nas alfombras.

A cortina dos medos se descerra...
E vejo dedos, céleres, que aram
novo jardim de amores sobre a terra.  


(do livro ÂNFORA DE SOL)