sábado, 16 de setembro de 2017

Giselda Medeiros - a cronista

A imagem pode conter: casa, céu, nuvem, atividades ao ar livre e natureza
CRÔNICA PARA UM GRANDE AMOR (*)
GISELDA MEDEIROS

São seis horas da manhã.
Um raiozinho de sol vem me acariciar, aqui neste alpendre de minha casa de praia. Desperto e ouço o soluço do mar que, embravecido e saudoso, parece querer lembrar-me de que estou absolutamente só.
São tantos os pensamentos que me ocorrem e que se tumultuam como que empurrados por emoções que ainda desconheço. Olho a imensidão dessa massa azul beijando o horizonte e perco-me em devaneios. Teu perfil, além-mar, surge de ímpeto, desenhado na brancura das nuvens que passeiam, distraidamente. E tua lembrança me vem, dominadora e dominada. Tenho ânsias de ver-te, mas este mar imenso nos separa, ao mesmo tempo que nos une, num antagonismo medonho.
Não sei o que fazer, agora, diante dessa brisa que me acaricia a pele, a me excitar os desejos. Ah, amor, que inveja desta brisa! Sei que ela é livre e pode, assim, estar contigo e gozar da tua presença. Sentir teu perfume inconfundível, brincar com teus cabelos de ouro e provar do doce dos teus lábios – rosa e espinho – a confundirem-se, a dominarem, a deixarem-me atônita, plena de amor e saudade.
Saudade?! – pergunta-me assustada uma voz interior.
E me vem a resposta fria, através deste vazio. É verdade! Jamais nos tivemos, sequer nos beijamos ou deixamos antever qualquer gesto de posse. Mas te amo e sei que te quero, assim como a areia da praia quer o abraço morno das ondas. Quero-te, como a flor quer o amanhã para desabrochar linda e fecunda. E que seria da flor se não houvesse a ternura da manhã? E que será de mim se não estiveres em mim? Serei este mar sem o azul imenso das águas, sem a vivacidade dos peixes a desafiar perigos, sem a renda branca e translúcida da espuma que vem esparramar-se na areia árida e seca antes do abraço.
E a alegria do momento em que estiveres comigo?!... Penso nisso e vejo surgir do caos a plenitude do amor. Ter-te como parte minha, inseparável... Aí, sim, seremos uno, indivisivelmente uno. Nossos abraços hão de abraçar o mundo. Nossos beijos ansiados despertarão as musas que nos virão inspirar. E a poesia explodirá de nossos corpos, de nossas almas, num ritmo acelerado de emoções.
Amor, perdão! Perdão, pela covardia de nunca ter dito do meu amor. É que tenho medo de não me tomares em teus braços, no momento em que meus lábios ansiarem pelos teus. Eu morrerei! Por isso, deixo que as palavras falem por mim nesta crônica. Talvez, um dia, possas entendê-las e arrancá-las do meu peito com a fúria explosiva do amor.
Querido, são seis e meia da manhã. Enquanto te escrevia, o raiozinho de sol cresceu, subiu e lá se vai junto com a brisa. Sente-os nesta crônica, pois nela está minha alma sequiosa de teu amor, enquanto aqui fica a repousar este corpo inerte, posto que minha essência te pertence e estará sempre contigo, onde quer que estejas.
(*) – In Antologia do Amor, Música e Poesia / organização Antônio Pompeu de Araújo – Fortaleza – Imprima, 2000, pág. 200.