terça-feira, 31 de outubro de 2017

GISELDA MEDEIROS E SUA POESIA




O AZUL SILENCIOSO DOS ESPINHOS EM TRÊS MOVIMENTOS
Giselda Medeiros


Movimento 1.


Quando a noite amanhece em tuas heras,
e o tempo reverdece-me a saudade,
sou sílaba suspensa sobre o medo,
cartilha ancestral de meus degredos.

Reinvento-me vogal, faço-me rima
para acender-te um verso em arco-íris,
sob os cílios de um céu feito de ânsias.
O caminho das águas são espelhos

que refletem ferrugem, desespero,
e onde uma andorinha fia esperas.
Assusta-me esse azul silencioso

posto sobre o fantasma de mim mesma,
artéria em que rumina uma saudade
com seu hálito de espinhos suicidas.


Movimento 2.


Entre o silêncio e a festa da paisagem,
há um pássaro bicando meus fantasmas,
sob a silhueta da canção das pálpebras,
porcelana azul de minhas inquietudes.

O silêncio rendilha as esperanças
que minha alma tricotou na infância.
A festa da paisagem célere avança
com seus silentes olhos de crepúsculo.

Fio a dor do silêncio... A dor é tudo
que minha arte sente, que extravasa
nos sombrios espelhos da memória.

Ah, deixem-me cantar minha canção
na dor silenciosa dos espinhos,
porquanto a aurora ainda é paisagem em mim!



Movimento 3.


Sob o olhar sombroso dos alpendres,
refaço-me em letras e apascento
o azul silencioso dos espinhos
que o medo me enxertou com seus ancinhos.

Na parede da sala, insone espelho
aprisiona o meu olhar vermelho
e tinge de ocre meu lábio calado,
há muito pelo tempo embalsamado.

O pálido relógio marca as sombras
das horas líquidas que ontem deixaram
seus rastros de procela nas alfombras.

A cortina dos medos se descerra...
E vejo dedos, céleres, que aram

novo jardim de amores sobre a terra.