quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

FERREIRA GULLAR: SÓ AQUILO QUE NÃO SE SABE PODE SER POESIA



“Ferreira Gullar morreu e a mídia nacional deu muito destaque a ele. Mas deu um destaque parcial e distorceu os conceitos políticos que esse grande poeta brasileiro amadureceu ao longo de sua vida... Pouco foi dito da mudança radical que ele experimentou, abandonando, mesmo, a ideologia comunista...

 Vejam por que ele abandonou a esquerda e sua experiência vivida nos países comunistas...

Ferreira Gullar foi militante do Partido Comunista Brasileiro e, exilado pelo regime militar, viveu na União Soviética, na Argentina e Chile.

 Gullar dizia que “bacharelou em subversão” em Moscou durante o seu exílio, mas que devido a uma maior reflexão e experiência de vida se desiludiu com o socialismo.

Em homenagem a esse grande poeta brasileiro, resgatamos a visão de Ferreira Gullar sobre o capitalismo, o socialismo, o governo e o mundo em que vivemos por meio de 10 textos proferidos por ele em entrevistas e artigos.”
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Sobre a esquerda: “Quando ser de esquerda dava cadeia, ninguém era. Agora que dá prêmio, todo mundo é.”

Sobre o capitalismo: “O capitalismo não é uma teoria. Ele nasceu da necessidade real da sociedade e dos instintos do ser humano. Por isso ele é invencível. A força que torna o capitalismo invencível vem dessa origem natural indiscutível. Agora mesmo, enquanto falamos, há milhões de pessoas inventando maneiras novas de ganhar dinheiro. É óbvio que um governo central com seis burocratas dirigindo um país não vai ter a capacidade de ditar rumos a esses milhões de pessoas. Não tem cabimento”.

Sobre a “exploração” capitalista: “A luta dos trabalhadores, o movimento sindical, a tomada de consciência dos direitos, tudo isso fez melhorar a relação capital-trabalho. O que está errado é achar, como Marx diz, que quem produz a riqueza é o trabalhador, e o capitalista só o explora. É bobagem. Sem a empresa, não existe riqueza. Um depende do outro. O empresário é um intelectual que, em vez de escrever poesias, monta empresas. É um criador, um indivíduo que faz coisas novas. A visão de que só um lado produz riqueza e o outro só explora é radical, sectária, primária. A partir dessa miopia, tudo o mais deu errado para o campo socialista”.

Sobre a desigualdade social: “A própria natureza é injusta e desigual. A justiça é uma invenção humana. Um nasce inteligente e o outro burro. Um nasce inteligente, o outro aleijado. Quem quer corrigir essa injustiça somos nós. A capacidade criativa do capitalismo é fundamental para a sociedade se desenvolver, para a solução da desigualdade, porque é só a produção da riqueza que resolve isso”.

Sobre a militância no Partido Comunista durante a ditadura militar: “Eu fui do Partido Comunista, mas era moderado. Nunca defendi a luta armada. A luta armada só ajudou mesmo a justificar a ação da linha dura militar, que queria aniquilar seus oponentes. (As pessoas do partido Comunista) não lutavam por democracia, mas pela ideologia Comunista, e estavam sinceramente equivocadas. Você tem de ter uma visão crítica das coisas, não pode ficar eternamente se deixando levar por revolta, por ressentimentos. A melhor coisa para o inimigo é o outro perder a cabeça. Lutar contra quem está lúcido é mais difícil do que lutar contra um desvairado”.

Sobre o socialismo: “O socialismo fracassou. Quando o Muro de Berlim caiu, minha visão já era bastante crítica. A derrocada do socialismo não se deu ao cabo de alguma grande guerra. O fracasso do sistema foi interno. Voltei a Moscou há alguns anos. O túmulo do Lênin está ali na Praça Vermelha, mas, pelo resto da cidade, só se veem anúncios da Coca-Cola. Não tenho dúvida nenhuma de que o socialismo acabou, só alguns malucos insistem no contrário. Se o socialismo entrou em colapso quando ainda tinha a União Soviética como segunda força econômica e militar do mundo, não vai ser agora que esse sistema vai vencer. O socialismo acabou, estabeleceu ditaduras, não criou democracia em lugar algum e matou gente em quantidade”.

Sobre a ideologia marxista:“Frequentemente me pergunto por que certas pessoas indiscutivelmente inteligentes insistem em manter atitudes políticas indefensáveis, já que, na realidade, não existem mais. Estou evidentemente me referindo aos que adotaram a ideologia marxista, que, de uma maneira ou de outra, militaram em partidos de esquerda, fosse no Partido Comunista, fosse em organizações surgidas por inspiração da Revolução Cubana”.

Sobre Cuba: “Não posso defender um regime sob o qual eu não gostaria de viver. Não posso admirar um país do qual eu não possa sair na hora que quiser. Não dá para defender um regime em que não se possa publicar um livro sem pedir permissão ao governo. Apesar disso, há uma porção de intelectuais brasileiros que defendem Cuba, mas, obviamente, não querem viver lá de jeito nenhum. É difícil para as pessoas reconhecer que estavam erradas, que passaram a vida toda pregando uma coisa que nunca deu certo”.

Sobre a política de “psiquiatria democrática” adotada pelo governo (Ferreira Gullar teve dois filhos com esquizofrenia): “Existe uma política que o governo adotou, chamada ‘psiquiatria democrática’, que é um absurdo. Impede a internação. Eles acabaram com mais de quatro mil leitos. Por que chama “psiquiatria democrática”? Porque não interna. Mas é uma bobagem, ideológica, cretina, que não tem nada a ver com essa doença real. Eu, que lidei com essa doença, sei muito bem que não tem nada disso. Quando uma médica veio com essa conversa, perguntei: É a sociedade que adoece o doente mental? A doença mental não existe? É a sociedade que faz ficar doente? O fígado adoece e o cérebro não adoece? Por quê? É o único órgão divino?”


Sobre o mundo atual e a poesia: “O mundo aparentemente está explicado, mas não está. Viver em um mundo sem explicação alguma ia deixar todo mundo louco. Mas nenhuma explicação explica tudo, nem poderia. Então de vez em quando o não explicado se revela, e é isso que faz nascer a poesia. Só aquilo que não se sabe pode ser poesia”.


Um comentário:

  1. Creio ter havido com o nosso grande Ferreira Gullar a necessária correção de enfoque. Ele teria percebido: a solução não é escolher uma ideologia a professar, mas, elaborar uma conscientização a partir da sensibilidade dialética. Aos menos letrados isso também é possível, haja vista a experiência de Paulo Freire, prestigiada em inúmeros países. De resto, é observar o que sempreu ocorre com os países nórdicos e o Canadá.

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