quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

PASSAGEM DO ANO - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE



O último dia do ano
Não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
E novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis,
Farás viagens e tantas celebrações
De aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com sinfonia
E coral,

Que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,
Os irreparáveis uivos
Do lobo, na solidão.

O último dia do tempo
Não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
Onde se sentam dois homens.
Um homem e seu contrário,
Uma mulher e seu pé,
Um corpo e sua memória,
Um olho e seu brilho,
Uma voz e seu eco.
E quem sabe até se Deus...

Recebe com simplicidade este presente do acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.

Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa, já se expirou, outras espreitam a morte,
Mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
E de copo na mão
Esperas amanhecer.

O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
O recurso da bola colorida,
O recurso de Kant e da poesia,
Todos eles... e nenhum resolve.

Surge a manhã de um novo ano.

As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gasto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
A vida escorre da boca,
Lambuza as mãos, a calçada.

A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

CRISTO NASCEU!

GISELDA MEDEIROS
    Há mais de dois mil anos, nascia Jesus. Aquele que viera ensinar o exercício da Fé, da União, do Perdão, da Caridade, sobretudo, do Amor, este sentimento maior ...que deve prevalecer no coração da humanidade, como o bálsamo para extinguir todos os males, conforme está escrito na Primeira Epístola de Paulo Apóstolo aos Coríntios, capítulo 13: “Ainda que eu falasse a língua dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria. O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece”.
    Queridos amigos, que possamos fazer, neste instante, em que nos reunimos para celebrar o Natal, uma profunda reflexão sobre estas sagradas palavras, de modo que este AMOR maior esteja sempre em nós, unindo-nos e nos fortalecendo.

    FELIZ NATAL para todos vocês, meus queridos amigos!

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

COMENTÁRIOS À FRASE DO DIA: Até quando, Catilina, abusarás da nossa Paciência?



Vianney Mesquita

A paciência, repetidamente provocada, decerto, se transformará em fúria. (Publílio Siro).


No dia 15 recentemente transato (dezembro de 2015), o blog da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo publicou, convenientemente ilustrada com um quadro do pintor italiano Cesare Maccari, a matéria aludida no fundamento desta nota - Políticos Brasileiros - A Frase do Dia - com vistas a evidenciar a fase sociopolítica do Brasil, na Operação Catilina, denominada pela imprensa do País para uma manobra da Polícia Federal, sucedida naquela data.   

Absolutamente oportuna e vergonhosamente veraz é esta sentença sugerida pela imprensa nacional, subsidiariamente estendida pela nossa Editoria, para retratar a Pátria então vigente, quando, por exemplo, despudorados catilinas, poucos, felizmente, do universo de 513 deputados à Câmara Baixa do País – e põe “baixa” nisto – se esmurram e permutam palavras de calão reles, como se representantes fossem de uma laia semelhante à sua, fato a não se coadunar conosco, os nacionais que, em pecaminoso equívoco, os elegemos em pleito democrático.


 Sem querer, tampouco necessitar, entrar no mérito – corrijo, demérito, da estória – pois o País inteiro assiste, e o estrangeiro em peso acha graça de nós, vou somente, com vistas a facilitar para o leitor a descodificação da sentença oferecida a fim de fotografar o dia, trazer achegas informacionais às renomeadas indagações de Cícero, fartamente mencionadas pelos registos históricos. Eis as duas primeiras interrogações: Quosque tandem abutere, Catilina, patientia nostra? Quam diu etiam furor iste tuus eludet?

As muito historicamente conhecidas Catilinárias, as quais concederam a Marco Túlio Cícero o título de Pai da Pátria, constituem um conjunto de quatro orações expressas contra Lucius Sergius Catilina – a primeira e a derradeira dirigidas ao Senado Latino, e as do meio diretamente ao povo romano.

As duas ora reproduzidas na língua do Lacio, falada no então Império Latino – depois código de expressão das Ciências até época relativamente próxima - traduzem-se em: Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência? E Por quanto tempo tua loucura haverá de zombar de nós?
Lúcio Sérgio Catilina foi il capoccia de uma conjuração para chegar à República, na Cidade Eterna, no ano 63 a.C. Destemido, audacioso e arrojado, porém desprovido de consciência, dirigiu a conspiração contra o Senado (SPQR – Senatus Populusque Romanus, denominação oficial do Império), em cuja maquinação incluía as pessoas e autoridades mais depravadas daquele senhorio despótico.

 A trama foi, então, denunciada por Cícero que, na qualidade de cônsul, desmantelou a estratégia de Catilina, tendo conduzido à condenação os seus sequazes, consoante proposto por Catão de Útica, o Jóvem, descendente de Catão, o Antigo



Lucius Sergius Catilina morreu de armas em punho antes de alcançar seus desígnios (62 a.C), na cidade de Pistoia, hoje com aproximadamente 84 mil habitantes, região da Toscana (Itália) – vinculada à História Nacional, pelo fato de ali terem sido sepultos um em  dos cemitérios os corpos de componentes da FEB – Força Expedicionária Brasileira, que pelejaram na Segunda Guerra Mundial, na aleia dos chamados Aliados contra o Eixo RO-BER-TO – Roma, Berlim e Tóquio.



A relação procedida com Cícero, Catilina e as Catilinárias para nominar a supramencionada operação da Polícia Federal brasileira reside no fato de haver Lucius Sergius restado para o enredo histórico da Humanidade como o protótipo do conspirador, de sorte que o seu nome é, ainda hoje, empregado para qualificar negativamente os que tendem a conquistar fortuna e poder, por todos os meios, ao afundar na desdita a própria Alma Parens, consoante sucede agora no Brasil.

Acresce referir, por curiosidade, a ideia de o mencionado evento haver transposto à História, em razão - além da sua relevância fática como ocorrência altamente representativa do passado - da preeminência experimentada pelo Latim como língua culta, cujo emprego, consoante adiantei há pouco, consumiu longo tempo feito código da manifestação científica em todo o Mundo, bem assim, utilizado como expediente comunicativo da Igreja Católica, detentora de enorme poder, grande até a atualidade.

De tal maneira, as obras eruditas, expressas na codificação românica, consoante ocorreu com os dois pares de Catilinárias, inda são (bem menos, porém, do que dantes) exercitadas em escolas de vários países, como teores de matérias jungidas ao Latim, o qual, por meio de bestuntos tão estreitos de nossas então “autoridades” educacionais, sobrou retirado dos nossos curricula, trazendo imenso prejuízo, no Brasil, ao aprendizado da Língua Portuguesa. É o caso de também se perguntar – Quosque tandem?

Por conseguinte, continuemos todos a indagar, até se chegar a um modus faciendi para a conclusão de um estado crítico tão indecoroso – emoldurados pelo célebre afresco de Maccari (Cícerone denuncia Catilina  - 1888), reproduzido pelo periódico virtual da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo:

- Quosque tandem

(in: Academia Cerense de Literatura e Jornalismo)

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

UM POEMA DE ALDEMAR PAIVA


MONÓLOGO DO NATAL                                                                             
 Aldemar Paiva

Eu não gosto de você, Papai Noel!
Também não gosto desse seu papel
de vender ilusões à burguesia.
Se os garotos humildes da cidade
soubessem do seu ódio à humildade,
jogavam pedra nessa fantasia.

Você talvez nem se recorde mais.
Cresci depressa, me tornei rapaz,
sem esquecer, no entanto, o que passou.
Fiz-lhe um bilhete, pedindo um presente
e a noite inteira eu esperei, contente.
Chegou o sol e você não chegou.

Dias depois, meu pobre pai, cansado,
trouxe um trenzinho feio, empoeirado,
que me entregou com certa excitação.
Fechou os olhos e balbuciou:
“É pra você, Papai Noel mandou”.
E se esquivou, contendo a emoção.

Alegre e inocente nesse caso,
eu pensei que meu bilhete com atraso,
chegara às suas mãos, no fim do mês.
Limpei o trem, dei corda,
ele partiu dando muitas voltas,
meu pai me sorriu e me abraçou pela última vez.

O resto eu só pude compreender quando cresci
e comecei a ver todas as coisas com realidade.
Meu pai chegou um dia e disse, a seco:
“Onde é que está aquele seu brinquedo?
Eu vou trocar por outro, na cidade”.

Dei-lhe o trenzinho, quase a soluçar
e como quem não quer abandonar
um mimo que nos deu, quem nos quer bem,
disse medroso: “O senhor vai trocar ele?
Eu não quero outro brinquedo, eu quero aquele.
E por favor, não vá levar meu trem”.

Meu pai calou-se e pelo rosto veio descendo um pranto que, eu ainda creio,
tanto e tão santo, só Jesus chorou!
Bateu a porta com muito ruído, mamãe gritou
ele não deu ouvidos, saiu correndo e nunca mais voltou.

Você, Papai Noel, me transformou num homem que a infância arruinou, sem pai e sem brinquedos.
Afinal, dos seus presentes, não há um que sobre
para a riqueza do menino pobre
que sonha o ano inteiro com o Natal.

Meu pobre pai doente, mal vestido,
para não me ver assim desiludido,
comprou por qualquer preço uma ilusão,
e num gesto nobre, humano e decisivo,
foi longe pra trazer-me um lenitivo,
roubando o trem do filho do patrão.

Pensei que viajara,
no entanto depois de grande,
minha mãe, em prantos,
contou-me que fôra preso
e como réu, ninguém a absolvê-lo se atrevia.
Foi definhando, até que Deus, um dia,

entrou na cela e o libertou pro céu.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

ARTIGO DO JORNAL O POVO


Adeste, fideles!

Cântico religioso natalino composto por John Reading (1677-1746), organista em Winchester, Inglaterra: “Vinde, fiéis”. Vinde adorar o Deus menino, a salvo dos Herodes e demais demos, ancorado na praia. Vinde juntar-se aos refugiados a palmilhar o chão, da Síria aos Inhamuns, buscando a salvação. É o povo refazendo as trilhas dos missionários, hoje infestadas por mercenários e assoldadados outros, a serviço dos anticristos. 
“Adeste fideles”, vinde integrar esta turma de sobreviventes, orar pelos que nasceram para não ser, e morreram de fome, de frio, no mar, ou na lama de Mariana. Ignoremos as vozes dos algozes e ouçamos os vagidos vindos daquela manjedoura. Fechai-lhes, Pai, os ouvidos ao ribombar das metralhadoras daqueles que fazem da morte um meio de vida. Deploremos o que vaticinou (profetizou) o filósofo genebrês Jean–Jacques Rousseau (1712-1778) em seu “Discurso sobre Ciências e Artes”: “quanto mais civilizados ficamos, mais corruptos nos tornamos”. E bárbaros! Tempos insanos estes. 
Dias da ira, irônicos tempos. Assaltantes matam cardiologista com bala no coração, alpinista morre abalroado em rodovia. Estaríamos assistindo a um ensaio de outro apocalipse? Sonho, pesadelo ou realidade? Mas, como apregoam os africanos, a água da chuva não é tão preta como aparentam as nuvens. Festejemos o infante Jesus, em mais este Natal nosso, das luzes, dos sinos, nos presépios de palha e nos berços dourados, nas senzalas e nas casas grandes.
Natal das juras veladas, promessas não cumpridas, palavras que esquecemos de dizer, graças obtidas sem nosso reconhecimento. Penitenciemo-nos. Nessa noite, na consoada (ceia natalina ou de Ano Novo) recordemos quem partiu sem se despedir. Acorram! É tempo de colher a nova safra de esperança. Natal é Cristo de novo, um eterno templo de fé. Contrariemos o ódio e uma das “Odes” (1,1,8) do poeta e filósofo romano Quintus Horatius Flaccus (65 – 8 a.C.) em suas “Carmina”: “Carpe diem, quam minimum credula postero”, i.e., aproveita o dia (ou o momento fugaz) confiando o mínimo no futuro.
Esqueçamos este Horácio e pensemos com confiança. O Natal está dobrando a esquina. Exultemos, ao jeito de crianças esperando Papai Noel. O essencial é a espera. O resto é só alegria. Acreditemos no futuro que a Deus pertence, porquanto ele é nosso também.
Aleluia! Feliz Natal!
Pedro Henrique Saraiva Leão