domingo, 21 de junho de 2015

MAR ABSOLUTO - CECÍLIA MEIRELES




Mar Absoluto

Foi desde sempre o mar,
E multidões passadas me empurravam
como o barco esquecido.

Agora recordo que falavam
da revolta dos ventos,
de linhos, de cordas, de ferros,
de sereias dadas à costa.

E o rosto de meus avós estava caído
pelos mares do Oriente, com seus corais e pérolas,
e pelos mares do Norte, duros de gelo.

Então, é comigo que falam,
sou eu que devo ir.
Porque não há ninguém,
tão decidido a amar e a obedecer a seus mortos.

E tenho de procurar meus tios remotos afogados.
Tenho de levar-lhes redes de rezas,
campos convertidos em velas,
barcas sobrenaturais
com peixes mensageiros
e cantos náuticos.

E fico tonta.
acordada de repente nas praias tumultuosas.
E apressam-me, e não me deixam sequer mirar a rosa-dos-ventos.
"Para adiante! Pelo mar largo!
Livrando o corpo da lição da areia!
Ao mar! - Disciplina humana para a empresa da vida!"
Meu sangue entende-se com essas vozes poderosas.
A solidez da terra, monótona,
parece-nos fraca ilusão.
Queremos a ilusão grande do mar,
multiplicada em suas malhas de perigo.

Queremos a sua solidão robusta,
uma solidão para todos os lados,
uma ausência humana que se opõe ao mesquinho formigar do mundo,
e faz o tempo inteiriço, livre das lutas de cada dia.

O alento heróico do mar tem seu pólo secreto,
que os homens sentem, seduzidos e medrosos.

O mar é só mar, desprovido de apegos,
matando-se e recuperando-se,
correndo como um touro azul por sua própria sombra,
e arremetendo com bravura contra ninguém,
e sendo depois a pura sombra de si mesmo,
por si mesmo vencido. É o seu grande exercício.

Não precisa do destino fixo da terra,
ele que, ao mesmo tempo,
é o dançarino e a sua dança.

Tem um reino de metamorfose, para experiência:
seu corpo é o seu próprio jogo,
e sua eternidade lúdica
não apenas gratuita: mas perfeita.

Baralha seus altos contrastes:
cavalo, épico, anêmona suave,
entrega-se todos, despreza ritmo
jardins, estrelas, caudas, antenas, olhos, mas é desfolhado,
cego, nu, dono apenas de si,
da sua terminante grandeza despojada.

Não se esquece que é água, ao desdobrar suas visões:
água de todas as possibilidades,
mas sem fraqueza nenhuma.

E assim como água fala-me.
Atira-me búzios, como lembranças de sua voz,
e estrelas eriçadas, como convite ao meu destino.

Não me chama para que siga por cima dele,
nem por dentro de si:
mas para que me converta nele mesmo. É o seu máximo dom.
Não me quer arrastar como meus tios outrora,
nem lentamente conduzida.
como meus avós, de serenos olhos certeiros.

Aceita-me apenas convertida em sua natureza:
plástica, fluida, disponível,
igual a ele, em constante solilóquio,
sem exigências de princípio e fim,
desprendida de terra e céu.

E eu, que viera cautelosa,
por procurar gente passada,
suspeito que me enganei,
que há outras ordens, que não foram ouvidas;
que uma outra boca falava: não somente a de antigos mortos,
e o mar a que me mandam não é apenas este mar.

Não é apenas este mar que reboa nas minhas vidraças,
mas outro, que se parece com ele
como se parecem os vultos dos sonhos dormidos.
E entre água e estrela estudo a solidão.

E recordo minha herança de cordas e âncoras,
e encontro tudo sobre-humano.
E este mar visível levanta para mim
uma face espantosa.

E retrai-se, ao dizer-me o que preciso.
E é logo uma pequena concha fervilhante,
nódoa líquida e instável,
célula azul sumindo-se
no reino de um outro mar:
ah! do Mar Absoluto.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

PARA OS NAMORADOS NO SEU DIA ESPECIAL






MOTIVOS

1.       Beijarei o moreno
              de tua face
              se me deixares afagar
              as pétalas do teu sorriso,
              flor de Poesia.

2.      Quero estar sempre
em ti
como o grão na espiga
aos ventos estivais.
Como o azul dos horizontes
no longo abraço
do mar.


3.      Quis aprender
o sentido da vida,
os mistérios que dormem na dor,
a luz que fulgura
nas sombras...
E aprendi
simplesmente
teu nome.


4.      Olho-te
(que já é noite)
imóvel lírio ao luar
e te guardo
intacto
em meu perfume
(que amanhã preciso de ti)
para o voo deste sorriso
implume.


Giselda Medeiros

sábado, 6 de junho de 2015

UM POEMA DE SÉRGIO MACEDO



DESERTO


Pode ser que haja alguma mudança

O deserto está quieto,

Algumas moitas de ferozes arbustos

Negando a morte continuamente,

Sobrevivência consumindo restos de esperanças,

Reduto de heróis esquecidos nas batalhas,

O deserto sobrevive,

No que sobra das carcaças

De jipes e tanques de guerra abandonados, 

Carcomidos pelo tempo

O herói não sabe do fim da guerra 

Continua guerreiro,

Continua na espreita.



Pode ser que haja notícias

Pode ser que haja mudanças

Não ouviu mais tiros

Gritos, melodia desaparecida há tempos

E a bela não lhe sai do alvo

A beleza imortal da musa

Da mulher tão sensual, quanto ausente,

Tão bela quanto enigmática,

Tão desejada quanto desejo.

O tempo se foi como medida de existência 

Nem pode fugir: não se foge do deserto

Deserto é a apoteose das prisões

Seu muro se chama distância

Seu muro se chama nada

Chama-se desesperança, medo

A liberdade está em pensar

Em olhar estrelas, noite após noite 

A liberdade está em esquecer.

From Heaven