É muito comum falar-se em autotransformação como receita para a vida feliz que todos almejamos. Isso nos leva a voltar os olhos para nós mesmos e questionar o que em nós pode mudar, para que alcancemos este objetivo. Contudo, o que tenho observado é que, frequentemente, quando se pensa no assunto, a premissa da qual se parte é a forte negação de si mesmo. Parece que os esforços para realizar a autotransformação têm se concentrado na repressão das tendências indesejadas. E repressão, na verdade, não é mudança. Pelo contrário, repressão é resistência à mudança, é cristalização. É jogar a poeira para debaixo do tapete. É mentir, esconder, enganar e, neste caso, enganar a si mesmo.
Qual o resultado? A pessoa aparentemente se transforma, mas vira e mexe os velhos impulsos retornam, mais fortes que nunca, explosivos, revelando a sujeira escondida debaixo da persona, da nova máscara que foi tudo o que mudou.
O problema está, me parece, nesta negação de si que confundimos com autotransformação. Precisamos, antes de qualquer mudança, saber quem realmente somos. Quais os nossos paradigmas? Afinal, como posso transformar o que desconheço?
Qualquer engenheiro, que pretenda empreender uma reforma num edifício, deve primeiro conhecer a planta, investigar as estruturas que já existem. E se for esperto, tirará proveito dela.
Então, quando o assunto é reformar nós mesmos, por que não agimos como o engenheiro? Porque insistimos em construir algo novo sobre o velho, sem analisar as bases do velho, ignorando sua existência? Não se trata de uma atitude logicamente fadada ao fracasso?
O primeiro passo para uma autotransformação efetiva é acreditar que existe, em nós, a pessoa que queremos ser, assim como a que não queremos. Afinal, temos potencial para tudo que é humano. E se o homem pode ser bom, fato do qual a existência de grandes expoentes como Jesus, Francisco de Assis, Gandhi, Madre Teresa de Calcutá, Dalai Lama são a prova, é porque há em nós esta possibilidade. Porém há também o potencial de ser um Gengis Khan, um Átila, um Hitler da vida.
Cientes disso, começamos a questionar o que, em nossa vida, reforça o aspecto sombrio, o que reforça a luz. Nos damos conta das escolhas que temos em nossas mãos. Por onde quero seguir? O que, em mim, me impede de seguir? E ao invés de simplesmente reprimir meu autoritarismo, posso “aproveitá-lo”, transformando-o em determinação. Ora, pois até um Hitler teve qualidades positivas, como a capacidade de sonhar, de planejar e realizar. O problema foi como direcionou essa capacidade.
Isso é transformação. Pegar uma energia e dar-lhe nova direção, e não bloqueá-la, até porque é impossível. É impossível ir contra o fluxo natural da vida.
Assim, penso que a autotransformação passa primeiro pela aceitação de si mesmo, sem o quê se torna impossível realizá-la. Aceitação da própria humanidade.
E o mais incrível é que, ao nos aceitarmos, nós nos transformamos. Esta é a teoria paradoxal da mudança! Porque mudar é uma tendência natural da existência. Como dizia Lavoisier: “Na vida, nada se perde, nada se cria, tudo se transforma.” O esforço está, de certo modo, em deixar a vida nos levar.