domingo, 22 de setembro de 2013

SONETO PARA MEU PAI - GISELDA MEDEIROS



(à memória de meu pai, Jorge Francisco de Medeiros)


                        Era pequena, pai, mas te recordo
                        A voz bondosa como me falasse...
                        Ah, com que gosto, ainda, quando acordo,
                        Tua carícia sinto em minha face.

                        Não me viste crescer, ó pai! Não viste
                        Em minha vida a primavera abrir-se...
                        Te foste muito antes, e foi triste
                        Crescer sem teu amparo definir-se.

                        Cresci, é bem verdade, e, hoje, poeta
                        Da lágrima, do amor abençoado,
                        Quero fazer-te um verso. E, assim, repleta

                        De inspiração, de amor, de suavidade,
                        Genuflexa, te entrego, ó pai amado,

                        Este meu verso cheio de saudade!

domingo, 15 de setembro de 2013

A CRÍTICA DE GISELDA MEDEIROS - DIMAS MACEDO



                         A expressão da crítica literária cearense e a sua inserção na cultura brasileira é uma das nossas tradições mais afortunadas. O pioneirismo de Rocha Lima (1855-1878) e do seu clássico Crítica e Literatura (São Luiz/MA, Typografia do Paiz, 1878) me parecem exemplos que se bastam a remarcar essa tradição e essa tenacidade, próprias da nossa inteligência criadora.
E como se isso não bastasse, Araripe Júnior, ainda no século dezenove, se encarregaria de dar à literatura brasileira o seu definitivo estatuto no terreno da crítica. E bem assim os rumos que esse gênero literário tomaria entre nós.
Depois, eu colocaria o papel relevante das Cartas Literárias (Rio, 1895) de Adolfo Caminha, o engenho crítico e a argúcia intelectiva de Frota Pessoa (Crítica e Polêmica, 1902), a essencialidade do exercício crítico de Braga Montenegro, as intuições estruturalistas de F. S. Nascimento e o recorte estético de acento indiscutivelmente teórico que permeia a produção de Pedro Paulo Montenegro.
A chamada crítica literária de formação acadêmica tem no Ceará se desenvolvido com algum desassombro. Lembro, aqui, os nomes de Linhares Filho, Batista de Lima, Lemos Monteiro e Sânzio de Azevedo, e ponho em destaque mais especificamente o nome deste último, que é, como sabemos, o maior historiador da nossa literatura. E trago à discussão também os nomes de alguns poetas que exerceram ou exercem, entre nós, a crítica literária de uma forma mais acentuada. Aluisio Medeiros, Francisco Carvalho e José Alcides Pinto entre esses nomes a que me refiro.
Agora, quem aspira a inscrever-se nessa tradição afortunada, é a escritora Giselda Medeiros, uma das mais argutas expressões da nossa intelectualidade e do nosso tirocínio cultural e acadêmico. E aspira a inscrever-se nessa tradição com a reunião, em livro, dos seus artigos de crítica, escritos nos últimos anos e pulverizados em diversos veículos da imprensa e em espaços outros onde se fez presente com a sua inteligência iluminada e a sua sensibilidade indiscutivelmente criativa.
Giselda já firmou definitivamente o seu nome como poetisa e já se revelou, de permeio, como uma das nossas contistas mais imaginosas. Contista da condição humana e do imponderável, onde Eros e Tanatos se abraçam. Poetisa também de escol, que paga tributo à lírica e à arte literária de qualidade estética relevante. Crítica Reunida é o livro da sua diversidade e do seu engenho sofisticado e mais ambicioso. Sei que falar em ambição, no caso de Giselda, é agredir um pouco à sua sensibilidade e à sua leveza. Mas a sua ambição literária se fez exatamente contra a sua vontade, e se fez exatamente a partir da sua discussão e da sutilidade com que dissemina no texto que elabora as marcas inconfundíveis do seu tirocínio teórico.
Não raro nos seus textos, faz-se presente o sistema literário e o contexto teórico em que insere o postulado das suas recensões, as quais saltam aos olhos do leitor como testemunho da erudição da autora. Não faz Giselda política de jornalismo literário tão-somente. Mais do que isso, ela nos mostra o seu viés estético e as suas linhas maiores de pesquisa em busca das formas supremas da arte literária.
A leitura para Giselda é um pretexto e não uma contingência aleatória. E o texto de crítica que a autora elabora é mais que uma instância comunicativa de acento verbal, pois nele se agrega igualmente um valor e, não raro, um sentido filosófico e uma perspectiva ontológica muito proveitosa. E esses traços, me parece, é tudo o que remarca o seu estilo e a sua discussão, a sua engenharia lingüística e a sua busca incessante de conhecimento.
Para Giselda Medeiros, a crítica literária é metacriação e não apenas desvelamento e argúcia para com a intelecção do texto literário. E dessa forma a autora nos vai revelando a poética da crítica literária que empreende, isto é, faz da estética do seu texto o pano de fundo das suas intenções e dos seus grandes acertos no campo literário.
O que destacar no seu novo livro? Creio que tudo em Crítica Reunida está sincrônico com o pensamento literário de Giselda e com a expectativa do leitor que dele se acerca. O livro condensa um conjunto de recensões e ensaios de diversas épocas e oportunidades. Mas em todos os textos reunidos, é possível vislumbrar a maturidade de Giselda Medeiros, a sua argúcia literária, a sua austeridade acadêmica, o seu vigor criativo e, acima de tudo, a sua possessão estilística e as marcas inconfundíveis do seu talento e da sua indiscutível leveza, em busca das formas puras da comunicação.
O rigor metodológico está presente em Crítica Reunida como em nenhum outro livro de crítica publicado no Ceará nos últimos anos. Existem no livro referências bibliográficas de monta, alinhamento de uma bibliografia no final do volume e um índice onomástico que facilita em muito a consulta de cada um dos textos ou a localização do discurso teórico no qual Giselda apoiou as suas conclusões e ou seus pontos-de-vista.
Louvo, por fim, a decisão da autora de assumir, de público, a maternidade desse novo gênero literário, e a decisão também de incorporá-lo, definitivamente, ao estuário da sua multifacetada visão. Giselda não é escritora de poucos recursos literários. É proprietária de sonhos e de um patrimônio literário que todo o Ceará já aprendeu a cultuar. Que seja assim também o destino e a recepção deste indispensável Crítica Reunida.

Dimas Macedo

Membro da Academia Cearense de Letras

domingo, 1 de setembro de 2013

HOMENAGEM A ARTUR EDUARDO BENEVIDES, NA SOCIEDADE AMIGAS DO LIVRO



As anfitriãs deste mês de agosto, Giselda Medeiros e Neide Azevedo Lopes, da Sociedade Amigas do Livro, prestaram uma significativa homenagem a Artur Eduardo Benevides, Príncipe dos Poetas Cearenses, em razão de seu nonagésimo aniversário.
Inicialmente, Neide Azevedo leu sua biografia (resumida). Em seguida, Giselda Medeiros apresentou uma apreciação sua sobre o livro "Elegia Setentã e Outros Poemas de Entardecer".

Neide Azevedo Lopes

BIOGRAFIA DE ARTUR EDUARDO BENEVIDES

ARTUR Eduardo BENEVIDES - Nasceu em Pacatuba, 25 de julho de 1923, filho de Artur Feijó Benevides e Maria do Carmo Eduardo Benevides. Fez os preparatórios no Colégio São Luís e no Liceu, bacharelando-se em 1947 pela Faculdade de Direito do Ceará. Bacharel em Letras (1970). Presidiu o Centro Acadêmico Clóvis Beviláqua e a Sociedade Acadêmica de Cultura Iniciou-seno jornalismo (“Correio do Ceará”, “Unitário”, “O Povo”, “O Nordeste”). Um dos fundadores do Grupo Clã, de cuja revista foi assíduo colaborador. Também escreveu em “Valor”. Professor Emérito da Faculdade de Filosofia do Ceará. Diretor da Faculdade Católica de Filosofia. Professor titular da Universidade Federal do Ceará. Dirigiu o Departamento Regional do SENAC (Serviço de Aprendizagem Comercial) e o Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Rosário (Argentina). Príncipe dos poetas cearenses, a partir de 1985. Foi Diretor da José de Alencar. Ocupou o cargo de Chefe da Procuradoria da extinta LBA (Legião Brasileira de Assistência) no Ceará. Visitou grandes universidades européias (Oxford, Colônia, Bonn, Sorbonne, Lisboa), em todas colhendo observações práticas sobre currículos e orientação pedagógica. Participou do 1 Congresso Internacional de Escritores, do II Congresso Brasileiro de Escritores, dos Congressos Cearenses de Escritores e de Poesia.

Titular da cadeira n° 40 (patrono: Visconde de Sabóia), coube-lhe a honra de presidir a instituição no seu centenário, fazendo realizar programação comemorativa de alto nível. Portador de numerosas condecorações e medalhas, entre elas a do Mérito Cultural da Universidade Federal do Ceará, a Justiniano de Serpa (por serviços prestados à educação), a José de Alencar (pelos serviços prestados às letras e artes cearenses), a de Honra ao Mérito do SENAC (por sua colaboração à melhoria do ensino técnico-profissional no Brasil) e a Cidade de Fortaleza (concedida pela Câmara Municipal da capital cearense). Da Academia Cearense de Língua Portuguesa, da Academia Cearense de Retórica.
Membro correspondente da Academia Cearense de Ciências, Letras e Artes do Rio de Janeiro. Sua bibliografia é valiosa, reunindo importantes premiações; estreou em 1944 com os poemas de Navio da Noite; vieram depois Os Hóspedes (1946, em parceria com Aluísio Medeiros, Antônio Girão Barroso e Otacílio Colares). Outros livros de poesia: A Valsa e a Fonte (1950); Cancioneiro da Cidade de Fortaleza (1953); O Habitante da Tarde (1958); O Tempo; O Caçador e as Cousas Longamente Procuradas (1966); Canção da Rosa dos Ventos (1966);-O Viajante da Solidão (1969); Vida de Andarilho (1974); Elegias de Outono e Canção de Muito Amar e de Adeus (1974); Arquitetura da Névoa (1979); A Rosa do tempo ou o Intérmino Partir (1981); Sonetos à Beira-Mar e Elegias do Espaço Imaginário (1981), e Inventário da Tarde (1983), afora outros. Como ensaísta, publicou: A Lâmpada e os Apóstolos (1982); Universidade e Humanismo (1971); Uma Vida a Serviço da Cultura (1973); Idéias e Caminhos (1974); Evolução da Poesia e do Romance Cearense (1976); O Tema da Saudade na Poesia Luso-Brasileira (1979); Literatura do Povo: Alguns Caminhos (1980), e Camões - Um Tema Brasileiro (1983). Também se incluem na sua produção os contos de Caminho sem Horizonte (1958), a Antologia de Poetas Bissextos do Ceará (1970) e obras sobre educação. Detentor dos prêmios “Cassiano Ricardo”, de São Paulo; “Filgueiras Lima, do Ceará; “Farias Brito”, da Prefeitura Municipal de Fortaleza; “José Albano”, da Universidade Federal do Ceará, e “José Veríssimo”, da Academia Brasileira de Letras.Fonte:1001 Cearenses Notáveis-F. Silva Nobre.
Data de Nascimento:25/07/1923

Giselda Medeiros


Artur Eduardo Benevides
Um Artista Humano e Divino

              Heschel, em bela página do volume “Deus em Busca do Homem” (São Paulo: Ed. Paulinas, 1975), assim se expressa: “Poucos são capazes de se elevar em raros momentos sobre o próprio nível da terra. Mas é nesse momento que descobrimos que a essência da existência humana consiste em estar suspenso entre o céu e a terra”.
              Toca-nos esse pensamento definidor do poder encantatório da natureza, essência intrínseca do ser, quando terminamos de ler Artur Eduardo Benevides em “Elegia Setentã e Outros Poemas de Entardecer” (Fortaleza: Editora ABC, 1996).
              Com efeito, sentimos aflorar-nos a essência, suscitada pelo êxtase da Poesia, porque o Autor tem esse dom: o de nos colocar entre o céu do poema e a terra fecundada pelo sêmen da metáfora. Sabe ele nos conduzir a esse intermezzo, a esse paraíso suspenso, aonde vamos abeberar-nos do vinho sagrado e do pão, consubstanciados no Belo.
              Pelas trilhas de “Elegia Setentã, visualizamos, com os olhos cheios de admiração, a vereda da poesia, onde nos deparamos com um guardador de metáforas e navegações ou um pobre D. Quixote a imitar a esperança de uns olhos de criança, enquanto ao longe, ouve-se o som da última parvana.
              Falar de Artur Eduardo Benevides é falar da própria poesia, pois é nele que ela encontra seu nascedouro e sua foz. É ela que o mantém em juventude para enlear-se à Amada, confundindo-se, inteiro, corpo e alma, n’uma lágrima pendente ou na divina tolice dos que amam, enfrentando, contudo, o plúmbeo tom do outono, quando os cabelos já tomam a cor das despedidas, pois seu maior temor é o de morrer longe dos olhos da Mulher Amada. E, embora reconhecendo os efeitos da marcha inexorável do tempo, que flui sobre tudo com fúria indomável, poeta que é, desabafa em seu “Segundo Soneto dos Setent’Anos”: Recuso-me, contudo, a envelhecer. / Um grande amor chegou. Por que morrer? / Por que sentir as cousas terminadas?, para, em seguida, aceitar a brutal realidade ontológica: “Não posso ser eterno. Sou tão pouco!
              O sonho, um dos temas sempre presente no universo criacional de Artur, ganha relevo especial no “Soneto dos Sonhos”, em que o poeta se define um ser onírico, reincidente, e, por força disso, eles (os sonhos) sempre voltam belos como as aves, a recompor os rumos mais perdidos. E o poeta sabe que sonhar é preciso, como reforça no “Soneto Autobiográfico” que, pela beleza sugestiva das imagens, chega-nos como uma tela fotográfica de si mesmo. E quem o conhece, sabe-a verdadeira e autêntica. Vejamos estes versos: O meu modo solene, o jeito vago, / A melódica forma de enfrentar / Os problemas, as lutas, o desar / E as outras cousas que em silêncio trago, / Nasceram quais nenúfares no mar, / Ou serenas visões de um grande lago. /.../ Habito etérea torre em decadência, / Mas essa é minha marca de existência. / O meu destino. Ou sorte. Ou meu fanal.
              A presença de Thanatos também é constante e traz ao “Elegia Setentã” um certo tom de desalento, pondo em evidência a condição indigente dos seres. No entanto, é ao pé do Amor e nos braços da Amada que ele se refaz e canta altíssono, como nestes versos de “Utopia”: Poeta e amante sendo, em mim o sentimento / Deixou de ser maré ou ímpeto de rio. / Mas sigo altivo e lanço longo desafio / A tudo o que em tristeza vem na voz do vento”. E arremata em “Improviso”: Ainda assim, Amada, ainda assim, / A Deus, agradecido, louvarei, / Porque, ao te encontrar, eu me encontrei.
              Aliás, a inelutabilidade da morte é para Artur um dos temas mestres, como o é para o universo de Rilke, que assevera: A Morte é grande. / Nós somos suas bocas ridentes: / se fala a Vida por nossa voz, / Ela, atrevida, soluça em nós. E é esse universo desconhecido da Morte, que nos oprime, o que nos faz pensá-la como infame criatura cheia de iras, a nos tolher inapelavelmente. E, quando mais queremos viver, eis que, de dentro de nós, ela salta com sua surda foice e nos interdita.
              Hegel considera a arte como um produto da fantasia e a vê como um dos fenômenos mais típicos do homem, sugeridos pela sua natureza espiritual. Portanto, para a expressão do Belo, é necessária, sobretudo, uma síntese de imaginação e sentimento, sob uma boa dose de talento, como é o caso de Artur Eduardo Benevides. Ele sabe, com mestria, transpor a arte do plano abstrato para o concreto. É um poeta fecundo, superdotado de inteligência, e sua arte é, por isso, autotranscendente. Sua poesia é um vértice de luz a projetar-se na eternidade dos tempos, superando a finitude do espaço físico. É um artista humano e divino, pois, efetivamente, sabe despertar em nós a “essência”, pondo-nos suspensos entre o céu e a terra.
              “Elegia Setentã e Outros Poemas de Entardecer” é, pois, genuína expressão da arte, ipsis litteris, constituindo-se um verdadeiro canto outonal, cujas notas marcantes são o amor, a saudade, o sonho, a melancolia, a solidão, a morte, o mar. O mar – esse guardião de espantos – que sempre atraiu o poeta e se transfigura nas noites do poema.
              É com essas notas musicais que Artur Eduardo Benevides tece sua canção setentã. E, enlevadas, as musas vêm roubar do tempo a eterna juventude para vertê-la sobre a fronte do Príncipe-Poeta, já ungida pelo beijo vivificante da Amada, que o envolve com sua paz de nuvens e canção.
 
Giselda Medeiros
SAL – 29/8/2013