sexta-feira, 23 de novembro de 2012

JOSÈ ALVES FERNANDES REVERENCIADO NA ACADEMIA CEARENSE DA LÍNGUA PORTUGUESA



Noite de muita emoção pra nós que testemunhamos hoje a imortalidade do caráter, da terna coragem, da inteligência e do compromisso do nosso amado José Alves Fernandes com a língua pátria e com a educação. Sei que estava conosco hoje nos corredores da mais antiga Academia de Letras do Brasil, a nossa, Cearense, na posse das novas acadêmicas da Academia Cearense da Língua Portuguesa (Maria Luísa Bonfim, Regine Limaverde e Ana Paula Medeiros) . Muito choro de saudade e emoção, mas sobretudo de alegria por saber que a cadeira de meu pai agora é ocupada pela filha de sua grande amiga Giselda Medeiros, a valorosíssima também Profª. Dra. Ana Paula Medeiros. Eu e minha filha Camila testemunhamos esse grande momento há poucas horas e compartilhamos com carinho. No cemitério não fiquei tão emocionada porque ali estava sendo enterrado o corpo do meu pai, mas hoje minha alma feliz e saudosa reencontrava seu espírito impregnado naquele ambiente de tantas lembranças felizes, de cultura, de arte e na presença viva dos amigos e companheiros de tantas jornadas pelo encantado reino das palavras e da intelectualidade cearense.

KARLA KARENINA ALVES FERNANDES
22/11/2012

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

GISELDA MEDEIROS EM "ÂNFORA DE SOL"


                         
                           O ENCONTRO DAS MÃOS

                            Postas sobre o silêncio da mesa,
                            nossas mãos são como pássaros
                            querendo bicar o azul de um sonho adormecido.
                            A melodia do ar açoita-lhes as plumas,
                            macios desejos de voar.
                           
                            Qual pássaro, tua mão pousa sobre a minha
                            e grita o silêncio que há em mim.
                            E eu querendo dizer-te da beleza das auroras...
                            Mas meu lábio mudo geme fagulhas de palavras,
                            para a lavratura do incêndio iminente.
                            De súbito, elas se erguem imantadas
                            e, atraídas, nossas mãos se juntam,
                            ajustam-se entrelaçadas.
                            Como pálpebras, vão-se fechando, lentamente,
                            conchas silentes,
                            na agonia do instante entre o gesto e o olhar
                            suspensos na palavra que não é dita,
                            mas sentida,
                            nos fragmentos dos espelhos
                            de nossa memória.
                  
                            Então, trêmulas, uma na outra,
                            atiçam-nos as vértebras, músculos e nervos,
                            e sangram desejos
                            na geometria de nossos dedos unidos.
                  
GISELDA MEDEIROS

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Clarice Vianna Silva, 26, estudante da Faculdade de Direito da UFRJ, Premiada em Concurso pela UNESCO,


SERÁ QUE A GLOBO VAI FAZER UMA ENTREVISTA COM ESSA ESTUDANTE? SERÁ QUE A NOSSA PRESIDENTE VAI LHE DAR ALGUMA CONDECORAÇÃO? ELA IRÁ GANHAR BOLSA DE ESTUDOS? VAMOS VER...

REDAÇÃO DE ESTUDANTE CARIOCA VENCE CONCURSO DA UNESCO COM 50.000 PARTICIPANTES
Tema:'Como vencer a pobreza e a desigualdade'
Por Clarice Zeitel Vianna Silva
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro - RJ

'PÁTRIA MADRASTA VIL'

Onde já se viu tanto excesso de falta?
Abundância de inexistência...
Exagero de escassez...
Contraditórios?
Então aí está!
O novo nome do nosso país!
Não pode haver sinônimo melhor para BRASIL.
Porque o Brasil nada mais é do que o excesso de falta de caráter, a abundância de inexistência de solidariedade, o exagero de escassez de responsabilidade.
O Brasil nada mais é do que uma combinação mal engendrada - e friamente sistematizada - de contradições.
Há quem diga que 'dos filhos deste solo és mãe gentil', mas eu digo que não é gentil e, muito menos, mãe.
Pela definição que eu conheço de MÃE, o Brasil, está mais para madrasta vil.
A minha mãe não 'tapa o sol com a peneira.'
Não me daria, por exemplo, um lugar na universidade sem ter-me dado uma bela formação básica.
E mesmo há 200 anos atrás não me aboliria da escravidão se soubesse que me restaria a liberdade apenas para morrer de fome. Porque a minha mãe não iria querer me enganar, iludir.
Ela me daria um verdadeiro Pacote que fosse efetivo na resolução do problema, e que contivesse educação + liberdade + igualdade. Ela sabe que de nada me adianta ter educação pela metade, ou tê-la aprisionada pela falta de oportunidade, pela falta de escolha, acorrentada pela minha voz-nada-ativa.
A minha mãe sabe que eu só vou crescer se a minha educação gerar liberdade e esta, por fim, igualdade.
Uma segue a outra...
Sem nenhuma contradição!
É disso que o Brasil precisa: mudanças estruturais, revolucionárias, que quebrem esse sistema-esquema social montado; mudanças que não sejam hipócritas, mudanças que transformem!
A mudança que nada muda é só mais uma contradição.
Os governantes (às vezes) dão uns peixinhos, mas não ensinam a pescar.
E a educação libertadora entra aí.
O povo está tão paralisado pela ignorância que não sabe a que tem direito.
Não aprendeu o que é ser cidadão.
Porém, ainda nos falta um fator fundamental para o alcance da igualdade: nossa participação efetiva; as mudanças dentro do corpo burocrático do Estado não modificam a estrutura.
As classes média e alta - tão confortavelmente situadas na pirâmide social - terão que fazer mais do que reclamar (o que só serve mesmo para aliviar nossa culpa)...
Mas estão elas preparadas para isso?
Eu acredito profundamente que só uma revolução estrutural, feita de dentro pra fora e que não exclua nada nem ninguém de seus efeitos, possa acabar com a pobreza e desigualdade no Brasil.
Afinal, de que serve um governo que não administra?
De que serve uma mãe que não afaga?
E, finalmente, de que serve um Homem que não se posiciona?
Talvez o sentido de nossa própria existência esteja ligado, justamente, a um posicionamento perante o mundo como um todo. Sem egoísmo.
Cada um por todos.
Algumas perguntas, quando auto-indagadas, se tornam elucidativas.
Pergunte-se: quero ser pobre no Brasil?
Filho de uma mãe gentil ou de uma madrasta vil?
Ser tratado como cidadão ou excluído?
Como gente... Ou como bicho?

Clarice Zeitel Vianna Silva, 26, estudante que termina Faculdade de Direito da UFRJ em julho, concorreu com outros 50 mil estudantes universitários. Ela acaba de voltar de Paris, onde recebeu um prêmio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) por uma redação sobre 'Como vencer a pobreza e a desigualdade.' A redação de Clarice intitulada 'Pátria Madrasta Vil' foi incluída num livro, com outros cem textos selecionados no concurso. A publicação está disponível no site da Biblioteca Virtual da UNESCO.

É FESTA NA UBT - IZO GOLDMAN COMEMORA 80 ANOS


  • OITENTA ANOS DO MESTRE!

06 de novembro de 2012 é uma data mais do que especial, porque marca os oitenta anos de vida de Izo Goldman. Torna-se impossível, no Brasil, falarmos de trova sem associarmos a imagem do Mestre Izo. Como autor, esplêndido! Como trabalhador pela Trova, indescritível!
Figura contestada por muitos? Sim! E ele sabe disso, mais do que qualquer um. Porque seu estilo é único. Intransigente a respeito do que considera o melhor para a UBT e a Trova, esse seu jeito polêmico já lhe valeu muitas quizílias. Por outro lado, é idolatrado por outra parte de trovadores que veem nele um “Papa da Trova”.
As histórias sobre ele são muitas. Uma delas eu presenciei. Foi em um dos últimos Jogos Florais realizados em Amparo/SP, sob a coordenação da poeta Eliana Dagmar. Izo perguntou-lhe: “Eliana, vai ter palestra em trovas?” Eliana respondeu que não, pois não houvera tempo hábil para preparar uma. Izo sugeriu: “Se quiser, posso apresentar a palestra pra você”. Ao que ela retrucou, perguntando qual seria o tema. Resposta do Izo: “O tema que você quiser. Basta escolher”.
À noite, durante a solenidade, ele apresentou uma belíssima palestra em trovas (uma de suas marcas registradas), de improviso, fazendo uso de sua prodigiosa memória para enriquecer a apresentação com trabalhos de autores os mais diversos, cada qual mais primoroso que o outro. Resumo: a apresentação foi tão bem sucedida que a direção da Unimed Amparo (que patrocinava o evento) convidou-o a voltar, semanas depois, à cidade, para proferir outra palestra, aos membros da instituição.
Mas… quem é Izo Goldman, afinal? IZO GOLDMAN, filho de Alberto e Esperança, nascido em Porto Alegre em 06 de novembro de 1932, está na Trova desde 1972, levado por Magdalena Léa, em Niterói. Em 1976 transferiu-se para a capital paulista, onde reativou a Seção da UBT/SP e criou o tradicional “Boletim Informativo”. “Magnífico Trovador” por Nova Friburgo, “Notável Trovador” por Pouso Alegre, também já foi presidente estadual da UBT São Paulo, e Secretário da UBT Nacional, entre outros cargos. Padrinho de fundação da UBT, seção de Pindamonhangaba, a cujos festejos tem comparecido quase todos os anos. Lançou em 2008 o livro “Trovas de quem ama a Trova”, cujo título, por si, é o cartão de    apresentação do autor. Amado por uns, odiado por outros, pouco importa: seu estilo contundente é inconfundível, em defesa daquela que é sua maior paixão na vida: a TROVA! Juntamente com os cumprimentos deste colunista, transcrevemos, abaixo, para deleite dos leitores, algumas de suas obras-primas:

TROVAS

A vida pôs, por maldade,
tanta distância entre nós,
que, quando eu canto, é a saudade
que faz a segunda voz…

A esperança é uma resposta
com malícia de mulher:
– Sabendo o que a gente gosta,
promete o que a gente quer…

Para mantê-los me empenho,
porque penso sempre assim:
tendo os amigos que tenho,
eu nem preciso de mim!

Ele trouxe ao seu rebanho
muito amor e muita luz.
Barqueiro de um barco estranho
Talhado em forma de cruz!

Neste mundo que se exprime
através de mãos armadas,
chega a parecer que é crime
a gente andar de mãos dadas!!!

(José Ouverney é "Magnífico Trovador" em Nova Friburgo, desde 2008 e ocupa a cadeira nº 33 na Academia Pindamonhangabense de Letras)

sábado, 3 de novembro de 2012

APRENDA SOBRE A VIDA COM ESSA ENTREVISTA !

Coma os morangos
Regis Filho / Valor
Rubem Alves: "Jovem não fala retrato, fala foto.
Tenho que escrever rápido porque não
sei quando vou partir"

- “Tempus fugit”. Portanto, “carpe diem”. O tempo voa. Então, colhamos o dia. Vivamos o momento, pois envelhecer é só canseira e enfado. É como a luz do crepúsculo, que vai se transformando rápida e melancolicamente, até o mergulho final na escuridão da noite. O pior da velhice, entretanto, é que as pessoas passam a nos tratar por diminutivos, como fazem com as crianças. “Você está doentinho?” “Quer um docinho?” É humilhante.

Essas imagens sobre o envelhecer são descritas pelo escritor, psicanalista e teólogo Rubem Alves em seu livro “Pimentas - Para Provocar Um Incêndio Não É Preciso Fogo” (Planeta), no qual trata dessa “fase crepuscular” da vida com poesia, ironia e melancolia. São 74 fragmentos sobre temas variados — educação, política, poesia, céu e inferno e passagens curiosas do Antigo Testamento — de um autor que completou 79 anos em setembro.

Ele soa um pouco triste ao telefone, falando da varanda de seu apartamento, na cidade de Campinas. “O tempo me foge. Não tenho mais tempo para escrever um romance. Não tenho mais tempo para escrever uma coisa com começo, meio e fim. ‘Pimentas’ é uma coleção de fragmentos - sou um retratista. Outra palavra que revela idade.”

Leia abaixo a entrevista na íntegra.

Valor: O senhor conta no livro um episódio engraçado sobre um “flerte” no metrô que não terminou como gostaria. Como foi isso?
Rubem Alves: Eu descobri que estava velho numa situação surpreendente. Isso foi há vinte anos. Estava em São Paulo, peguei o metrô, estava lotado. Eu era jovem, pernas fortes, segurei no balaústre e comecei a olhar para os rostos das pessoas. Rostos contam histórias. Olhando para as pessoas você pode imaginar contos, muitas coisas. Eu estava ali, imaginando as crônicas que poderia escrever, quando vi uma moça me olhando com mansidão, quase com ternura. Eu fiquei comovido com aquele olhar. Eu olhava para ela, ela olhava para mim. Percebi que ela devia estar comovida com a minha presença. Houve um momento de suspensão romântica. Pensei: manchete do meu conto — ‘Rubem Alves encontra inesperadamente no metrô o grande amor de sua vida’. Comecei a ter fantasias. Foi nesse momento que ela me fez um gesto de carinho. Ela se levantou e me ofereceu o lugar. Quando ela fez isso, é como se dissesse para mim: o senhor (certamente ela estava pensando em senhor, não em você) não pertence ao meu mundo. O senhor deve ter pernas bambas. Naquele instante eu percebi que estava perto dela, mas estava muito longe dela. Ela era uma moça e eu era um velho. A partir dali o tema da velhice começou a ser importante para mim. Comecei a prestar atenção no que acontece com as pessoas quando elas se descobrem velhas. Fiz então uma série de observações sobre isso.

"A percepção é que a hora de partir está chegando.
O crepúsculo é essa consciência de
que o tempo passa rapidamente,
a vida passa rapidamente."

Valor: Cite algumas.
Alves: A gente é velho quando as moças nos oferecem lugar no metrô. A gente é velho quando uma moça lhe dá o braço para ajudar a subir a escada e você tem que aceitar a delicadeza. Eu agora tenho que ter cuidado, tenho que olhar pro chão e medir os meus passos. Coisas que eram naturais - andar, subir escada, descer escada - coisas simples passam a não ser mais.

Valor: Mas o senhor não está se concentrando muito no aspecto físico do envelhecimento?
Alves: É, mas o olhar das pessoas também muda.

Valor: O que muda nesse olhar?
Alves: Você deixa de ser o homem másculo, viril, objeto de contemplação das jovens, e passa a ser um ser crepuscular. O que é o crepúsculo? Nele, o tempo passa muito mais rápido. Neste instante, eu estou sentado aqui na minha varanda, o céu está muito azul, o tempo está parado. Assim é a juventude — na juventude, o tempo para. Mas quando chega o crepúsculo, começa a haver transformações rápidas no céu. Rapidamente, as cores vão se alterando, o azul fica verde, o verde fica amarelo, amarelo fica abóbora, abóbora fica vermelho, o sol está se pondo, tudo fica roxo e logo o céu está mergulhado na escuridão. A percepção é que a hora de partir está chegando. O crepúsculo é essa consciência de que o tempo passa rapidamente, a vida passa rapidamente.

"Uma das coisas da velhice é o cansaço.
Dá uma canseira de viver, sabe?
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Mas a gente não tem mais disposição
para fazer a obra nascer."

Valor: O senhor cita numa das crônicas o livro de Eclesiastes, quando fala do envelhecer como os anos nos quais o homem não encontra mais prazer nenhum.
Alves: Sim, a gente descobre que o tempo é curto. Aqui na minha varanda tem duas frases que mandei gravar em madeira - Tempus Fugit. Se o tempo foge, eu preciso correr. Então mandei gravar Carpe Diem, colha o dia. Viva o momento. Mas isso dá uma tristeza na gente.

Valor: Envelhecer também não é sobre perder a capacidade de sonhar? A sua escrita, contudo, revela uma pessoa que não perdeu essa capacidade. Que sonhos o senhor tem cultivado?
Alves: Tem uma frase de Fernando Pessoa que diz assim - Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. Talvez essa pressa em produzir tenha a ver com essa sensação de que os dias passam muito rapidamente . Comecei a ler esses dias um livro enorme de John dos Passos, um livro monumental. Eu não tenho mais tempo para escrever livros enormes. O tempo me foge. Não tenho mais tempo para escrever um romance. Não tenho mais tempo para escrever uma coisa com começo, meio e fim. “Pimentas” é uma coleção de fragmentos - sou um retratista. Olha aí, eu já disse uma palavra que revela a idade. Jovem não fala retrato, fala foto. Eu tenho que escrever rápido porque não sei quando é que vou partir.

"Agora, a felicidade aqui da minha varanda
é ver os ipês, que teimam em florescer.
Para florescer eles têm que perder todas as folhas.
Árvore pelada, na cabeça da gente,
está se preparando para morrer.
Mas em vez de morrer o que os ipês fazem?
Eles florescem."

Valor: O senhor parece cansado.
Alves: Uma das coisas da velhice é o cansaço. Dá uma canseira de viver, sabe? Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. Mas a gente não tem mais disposição para fazer a obra nascer. A gente tem que agarrar o que resta. Gosto de contar a história de um homem que ia caminhando pela floresta, a mata estava escura. De repente, ele ouve o rugido de um leão e sai correndo, mas como está escuro ele cai num precipício. Ele se agarra a um galho preso no abismo, olha para cima, o leão, para baixo, o abismo; então ele nota que bem à sua frente está brotando um galho com uma fruta vermelha. É um morango. Ele estende o braço e come o morango e se delicia. As pessoas perguntam - qual o final da história? O homem caiu? E eu respondo, não tem final, é só isso mesmo. Você não entendeu? Quem está pendurado sobre o abismo sou eu, é você , todos estamos sobre o abismo, portanto, o que nos resta a fazer é comer os morangos.

Valor: E quais são os morangos que o senhor tem apreciado atualmente?
Alves: São coisas pequenas, simples. Ontem, por exemplo, ouvi pela internet a Pour Elise, de Beethoven, tocada num órgão feito de taças de cristal, um som inesperado, que vai surgindo aos poucos. Qual é a importância disso? Nenhuma! Mas me feliz naquele momento.

Valor: Na realidade, não deveríamos viver sempre desse jeito, ter essa capacidade de tirar alegria de coisas pequenas?
Alves: O Guimarães Rosa tem uma frase verdadeira: alegria, só em raros momentos de distração. Agora, a felicidade aqui da minha varanda é ver os ipês, que teimam em florescer. Para florescer eles têm que perder todas as folhas. Árvore pelada, na cabeça da gente, está se preparando para morrer. Mas em vez de morrer o que os ipês fazem? Eles florescem. No livro conto a história de uma escola que organizou uma exposição de desenhos dos alunos sobre coisas que escrevi. A professora perguntou para as crianças: quem é Rubem Alves? E uma menina respondeu: Rubem Alves é um homem que gosta de ipês amarelos. Isso é muito comovente.
Valor: Algumas crônicas falam sobre educação, de uma maneira crítica, e da proximidade entre velhos e crianças. “As crianças nos salvam de um envelhecimento triste.”
Alves: Os avós estão mais próximos dos netos que os pais. Os pais ficam preocupados em colocar o filho em escola forte, para passar no maldito vestibular. É uma perda de tempo isso, as escolas não ensinam a sabedoria da vida, e os avós não têm tanto essa preocupação com desempenho. A alma dos velhos é muito parecida com a alma das crianças.

"Quem tem muitas vinganças a realizar
faz mosaicos de infernos, diz o
[filósofo Gaston] Bachelard.
Deus não tem vingança
nenhuma a realizar.
Se é que Deus existe.
Deus não pune nada,
vai punir o quê?"

Valor: Nos fragmentos, o senhor fala também sobre céu e inferno. Uma frase que me chamou a atenção é: “É inimaginável que um Deus de amor castigue com sofrimentos eternos pecados que foram cometidos no tempo”. Qual a sua ideia de inferno?
Alves: São Tomás de Aquino tem uma frase horrenda que diz que “Deus e os salvos contemplam, dos céus, os condenados, dos estertores da sua agonia, para que sua alegria se cumpra”. Quem foi que criou o inferno? Não foi o diabo. Se Deus é onipotente, então o inferno é produto da vontade de Deus. Eu já acreditei nisso, sabe? Já perdi o sono por causa disso. Quem tem muitas vinganças a realizar faz mosaicos de infernos, diz o [filósofo Gaston] Bachelard. Deus não tem vingança nenhuma a realizar. Se é que Deus existe. Deus não pune nada, vai punir o quê? Um pobre mortal que foi enrolado pelas artimanhas da estupidez humana? Acreditar que o universo tem essa dimensão de vingança? Deus não está se vingando de seus desafetos. Além disso, os pecados humanos são cometidos no tempo — por uma pessoa que vai viver setenta, oitenta anos. E o inferno é por toda a eternidade, é para sempre. Se eu fosse Deus mandaria um castigo para todas as pessoas que pensaram essas coisas horríveis de mim. O mesmo castigo que aconteceu entre o povo de Israel e os filisteus lá no Velho Testamento. Ele castigou com uma praga terrível — todos os filisteus ficaram tomados de hemorróidas. Numa região que não tinha nem um riachinho onde pudessem se refrescar.

Valor: O senhor cita esse e outros episódios muito esquisitos do Antigo Testamento. Um deles é sobre o profeta Eliseu, amigo de Elias.
Alves: O que tem de maluquice no Velho Testamento, de maldade... O profeta Eliseu era discípulo de Elias. Eliseu era vaidoso e tinha muita raiva por ser careca. Mas ele era muito poderoso. Um dia, Eliseu estava caminhando pela estrada e vinham em sua direção 42 crianças, que começaram a rir dele. Sabe o que ele fez? Ele invocou o poder de Jeová, que fez sair do mato duas ursas que devoraram as crianças. E o profeta, sem se comover com isso, simplesmente continuou a sua caminhada. Não fez nada para defendê-las. Tá lá na Bíblia.

"As mudanças vêm de dentro, quando alguma coisa começa a operar dentro da gente e a gente
começa a perceber os absurdos."

Valor: É difícil convencer as pessoas que o Deus do Antigo Testamento é o mesmo do Novo Testamento?
Alves: Ah, eu não tento mais convencer ninguém de nada. As pessoas acreditam no que querem acreditar. As mudanças vêm de dentro, quando alguma coisa começa a operar dentro da gente e a gente começa a perceber os absurdos. Tem que separar o trigo do joio. Na Bíblia tem coisas lindas - o Senhor é meu pastor, nada me faltará, conduz-me por águas tranquilas.. Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte não temerei mal algum porque tu estás comigo ...

Valor: Pura poesia.
Alves: Poesia. Veja o que aconteceu bem agora. Aqui na minha varanda, acabo de ouvir um barulho. Olhei e vi que tinha entrado uma cigarra pela janela. Você sabe que as cigarras são seres subterrâneos, elas vivem nas raízes das árvores. Elas não veem nada. Mas há um momento em que alguma coisa diz para esses seres subterrâneos: cigarra, está na hora de se transformar num ser alado. Então elas saem da terra, sobem o tronco das árvores, tiram a casca dura que as envolve e ganham asas. Daí elas cantam, cantam, cantam. Cantam para quê? Para celebrar o amor, para chamar os machos. Depois de realizar o amor, elas esperam a morte.

Valor: Por que razão o senhor terminou um livro tão poético com um assunto tão árido quanto a diabetes?
Alves: Para chamar a atenção dos diabéticos para o fato de que eles e eu estamos pendurados sobre o abismo e vai chegar a nossa hora. E por isso a gente precisa tomar cuidado, a menos que você queira morrer. Para dizer às pessoas que vivam bem. Cuidem da vida, não vão comer bombom, porque bombom é bom, mas melhor é ficar vivo.
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Reportagem Por Marília Camargo Cesar | Valor