sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

domingo, 16 de dezembro de 2012

É TEMPO DE NATAL! VIVAMO-LO!!!



Natal
Dimas Macedo


Os Sinos de Natal

são cristalinos

testemunhos de Deus

e fazem bem.

Os Sinos de Natal

nas Torres de Belém

tocam matinas de luz

para um menino.

Nos Sinos de Natal

bronzes divinos

se fundem

e fazem hinos de amor

ao Santo Graal.

Nos Sinos de Natal

a minha infância adolesce

e em seus badalos de ouro

eu ponho a minha prece.

Ouço Jesus falando

em suas partituras.

Teço escrituras de luz

às notas musicais

dos Sinos de Belém.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

POESIA


                           

                             MOTIVOS

                                            Giselda Medeiros   

                            Sinto-me renascer, se te contemplo,

                            ó poeta, mesmo quando finges
                            esse pasmo indefinível suspenso em tua  fronte
                            – espelho que te mostra a lágrima
                            geratriz de incansáveis solidões.
                            Inútil o gesto, inútil o grito e a tristeza de Narciso:
                            o espelho não reflete nada senão a lágrima.

                            A face te revela o que não queres decifrar:
                            a inexorável corrida do tempo à espera de ninguém.
                            Lembra-te, no entanto, poeta,
                            de que há cânticos celebrando a passagem dos sóis
                            e o lento alvoroço das auroras
                            despencadas das paredes onde as puseste
                            ou o sono dos ocasos dormindo em teus lençóis.
                             
                                                        
                                      (do livro ÂNFORA DE SOL)_

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

JOSÈ ALVES FERNANDES REVERENCIADO NA ACADEMIA CEARENSE DA LÍNGUA PORTUGUESA



Noite de muita emoção pra nós que testemunhamos hoje a imortalidade do caráter, da terna coragem, da inteligência e do compromisso do nosso amado José Alves Fernandes com a língua pátria e com a educação. Sei que estava conosco hoje nos corredores da mais antiga Academia de Letras do Brasil, a nossa, Cearense, na posse das novas acadêmicas da Academia Cearense da Língua Portuguesa (Maria Luísa Bonfim, Regine Limaverde e Ana Paula Medeiros) . Muito choro de saudade e emoção, mas sobretudo de alegria por saber que a cadeira de meu pai agora é ocupada pela filha de sua grande amiga Giselda Medeiros, a valorosíssima também Profª. Dra. Ana Paula Medeiros. Eu e minha filha Camila testemunhamos esse grande momento há poucas horas e compartilhamos com carinho. No cemitério não fiquei tão emocionada porque ali estava sendo enterrado o corpo do meu pai, mas hoje minha alma feliz e saudosa reencontrava seu espírito impregnado naquele ambiente de tantas lembranças felizes, de cultura, de arte e na presença viva dos amigos e companheiros de tantas jornadas pelo encantado reino das palavras e da intelectualidade cearense.

KARLA KARENINA ALVES FERNANDES
22/11/2012

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

GISELDA MEDEIROS EM "ÂNFORA DE SOL"


                         
                           O ENCONTRO DAS MÃOS

                            Postas sobre o silêncio da mesa,
                            nossas mãos são como pássaros
                            querendo bicar o azul de um sonho adormecido.
                            A melodia do ar açoita-lhes as plumas,
                            macios desejos de voar.
                           
                            Qual pássaro, tua mão pousa sobre a minha
                            e grita o silêncio que há em mim.
                            E eu querendo dizer-te da beleza das auroras...
                            Mas meu lábio mudo geme fagulhas de palavras,
                            para a lavratura do incêndio iminente.
                            De súbito, elas se erguem imantadas
                            e, atraídas, nossas mãos se juntam,
                            ajustam-se entrelaçadas.
                            Como pálpebras, vão-se fechando, lentamente,
                            conchas silentes,
                            na agonia do instante entre o gesto e o olhar
                            suspensos na palavra que não é dita,
                            mas sentida,
                            nos fragmentos dos espelhos
                            de nossa memória.
                  
                            Então, trêmulas, uma na outra,
                            atiçam-nos as vértebras, músculos e nervos,
                            e sangram desejos
                            na geometria de nossos dedos unidos.
                  
GISELDA MEDEIROS

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Clarice Vianna Silva, 26, estudante da Faculdade de Direito da UFRJ, Premiada em Concurso pela UNESCO,


SERÁ QUE A GLOBO VAI FAZER UMA ENTREVISTA COM ESSA ESTUDANTE? SERÁ QUE A NOSSA PRESIDENTE VAI LHE DAR ALGUMA CONDECORAÇÃO? ELA IRÁ GANHAR BOLSA DE ESTUDOS? VAMOS VER...

REDAÇÃO DE ESTUDANTE CARIOCA VENCE CONCURSO DA UNESCO COM 50.000 PARTICIPANTES
Tema:'Como vencer a pobreza e a desigualdade'
Por Clarice Zeitel Vianna Silva
UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro - RJ

'PÁTRIA MADRASTA VIL'

Onde já se viu tanto excesso de falta?
Abundância de inexistência...
Exagero de escassez...
Contraditórios?
Então aí está!
O novo nome do nosso país!
Não pode haver sinônimo melhor para BRASIL.
Porque o Brasil nada mais é do que o excesso de falta de caráter, a abundância de inexistência de solidariedade, o exagero de escassez de responsabilidade.
O Brasil nada mais é do que uma combinação mal engendrada - e friamente sistematizada - de contradições.
Há quem diga que 'dos filhos deste solo és mãe gentil', mas eu digo que não é gentil e, muito menos, mãe.
Pela definição que eu conheço de MÃE, o Brasil, está mais para madrasta vil.
A minha mãe não 'tapa o sol com a peneira.'
Não me daria, por exemplo, um lugar na universidade sem ter-me dado uma bela formação básica.
E mesmo há 200 anos atrás não me aboliria da escravidão se soubesse que me restaria a liberdade apenas para morrer de fome. Porque a minha mãe não iria querer me enganar, iludir.
Ela me daria um verdadeiro Pacote que fosse efetivo na resolução do problema, e que contivesse educação + liberdade + igualdade. Ela sabe que de nada me adianta ter educação pela metade, ou tê-la aprisionada pela falta de oportunidade, pela falta de escolha, acorrentada pela minha voz-nada-ativa.
A minha mãe sabe que eu só vou crescer se a minha educação gerar liberdade e esta, por fim, igualdade.
Uma segue a outra...
Sem nenhuma contradição!
É disso que o Brasil precisa: mudanças estruturais, revolucionárias, que quebrem esse sistema-esquema social montado; mudanças que não sejam hipócritas, mudanças que transformem!
A mudança que nada muda é só mais uma contradição.
Os governantes (às vezes) dão uns peixinhos, mas não ensinam a pescar.
E a educação libertadora entra aí.
O povo está tão paralisado pela ignorância que não sabe a que tem direito.
Não aprendeu o que é ser cidadão.
Porém, ainda nos falta um fator fundamental para o alcance da igualdade: nossa participação efetiva; as mudanças dentro do corpo burocrático do Estado não modificam a estrutura.
As classes média e alta - tão confortavelmente situadas na pirâmide social - terão que fazer mais do que reclamar (o que só serve mesmo para aliviar nossa culpa)...
Mas estão elas preparadas para isso?
Eu acredito profundamente que só uma revolução estrutural, feita de dentro pra fora e que não exclua nada nem ninguém de seus efeitos, possa acabar com a pobreza e desigualdade no Brasil.
Afinal, de que serve um governo que não administra?
De que serve uma mãe que não afaga?
E, finalmente, de que serve um Homem que não se posiciona?
Talvez o sentido de nossa própria existência esteja ligado, justamente, a um posicionamento perante o mundo como um todo. Sem egoísmo.
Cada um por todos.
Algumas perguntas, quando auto-indagadas, se tornam elucidativas.
Pergunte-se: quero ser pobre no Brasil?
Filho de uma mãe gentil ou de uma madrasta vil?
Ser tratado como cidadão ou excluído?
Como gente... Ou como bicho?

Clarice Zeitel Vianna Silva, 26, estudante que termina Faculdade de Direito da UFRJ em julho, concorreu com outros 50 mil estudantes universitários. Ela acaba de voltar de Paris, onde recebeu um prêmio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) por uma redação sobre 'Como vencer a pobreza e a desigualdade.' A redação de Clarice intitulada 'Pátria Madrasta Vil' foi incluída num livro, com outros cem textos selecionados no concurso. A publicação está disponível no site da Biblioteca Virtual da UNESCO.

É FESTA NA UBT - IZO GOLDMAN COMEMORA 80 ANOS


  • OITENTA ANOS DO MESTRE!

06 de novembro de 2012 é uma data mais do que especial, porque marca os oitenta anos de vida de Izo Goldman. Torna-se impossível, no Brasil, falarmos de trova sem associarmos a imagem do Mestre Izo. Como autor, esplêndido! Como trabalhador pela Trova, indescritível!
Figura contestada por muitos? Sim! E ele sabe disso, mais do que qualquer um. Porque seu estilo é único. Intransigente a respeito do que considera o melhor para a UBT e a Trova, esse seu jeito polêmico já lhe valeu muitas quizílias. Por outro lado, é idolatrado por outra parte de trovadores que veem nele um “Papa da Trova”.
As histórias sobre ele são muitas. Uma delas eu presenciei. Foi em um dos últimos Jogos Florais realizados em Amparo/SP, sob a coordenação da poeta Eliana Dagmar. Izo perguntou-lhe: “Eliana, vai ter palestra em trovas?” Eliana respondeu que não, pois não houvera tempo hábil para preparar uma. Izo sugeriu: “Se quiser, posso apresentar a palestra pra você”. Ao que ela retrucou, perguntando qual seria o tema. Resposta do Izo: “O tema que você quiser. Basta escolher”.
À noite, durante a solenidade, ele apresentou uma belíssima palestra em trovas (uma de suas marcas registradas), de improviso, fazendo uso de sua prodigiosa memória para enriquecer a apresentação com trabalhos de autores os mais diversos, cada qual mais primoroso que o outro. Resumo: a apresentação foi tão bem sucedida que a direção da Unimed Amparo (que patrocinava o evento) convidou-o a voltar, semanas depois, à cidade, para proferir outra palestra, aos membros da instituição.
Mas… quem é Izo Goldman, afinal? IZO GOLDMAN, filho de Alberto e Esperança, nascido em Porto Alegre em 06 de novembro de 1932, está na Trova desde 1972, levado por Magdalena Léa, em Niterói. Em 1976 transferiu-se para a capital paulista, onde reativou a Seção da UBT/SP e criou o tradicional “Boletim Informativo”. “Magnífico Trovador” por Nova Friburgo, “Notável Trovador” por Pouso Alegre, também já foi presidente estadual da UBT São Paulo, e Secretário da UBT Nacional, entre outros cargos. Padrinho de fundação da UBT, seção de Pindamonhangaba, a cujos festejos tem comparecido quase todos os anos. Lançou em 2008 o livro “Trovas de quem ama a Trova”, cujo título, por si, é o cartão de    apresentação do autor. Amado por uns, odiado por outros, pouco importa: seu estilo contundente é inconfundível, em defesa daquela que é sua maior paixão na vida: a TROVA! Juntamente com os cumprimentos deste colunista, transcrevemos, abaixo, para deleite dos leitores, algumas de suas obras-primas:

TROVAS

A vida pôs, por maldade,
tanta distância entre nós,
que, quando eu canto, é a saudade
que faz a segunda voz…

A esperança é uma resposta
com malícia de mulher:
– Sabendo o que a gente gosta,
promete o que a gente quer…

Para mantê-los me empenho,
porque penso sempre assim:
tendo os amigos que tenho,
eu nem preciso de mim!

Ele trouxe ao seu rebanho
muito amor e muita luz.
Barqueiro de um barco estranho
Talhado em forma de cruz!

Neste mundo que se exprime
através de mãos armadas,
chega a parecer que é crime
a gente andar de mãos dadas!!!

(José Ouverney é "Magnífico Trovador" em Nova Friburgo, desde 2008 e ocupa a cadeira nº 33 na Academia Pindamonhangabense de Letras)

sábado, 3 de novembro de 2012

APRENDA SOBRE A VIDA COM ESSA ENTREVISTA !

Coma os morangos
Regis Filho / Valor
Rubem Alves: "Jovem não fala retrato, fala foto.
Tenho que escrever rápido porque não
sei quando vou partir"

- “Tempus fugit”. Portanto, “carpe diem”. O tempo voa. Então, colhamos o dia. Vivamos o momento, pois envelhecer é só canseira e enfado. É como a luz do crepúsculo, que vai se transformando rápida e melancolicamente, até o mergulho final na escuridão da noite. O pior da velhice, entretanto, é que as pessoas passam a nos tratar por diminutivos, como fazem com as crianças. “Você está doentinho?” “Quer um docinho?” É humilhante.

Essas imagens sobre o envelhecer são descritas pelo escritor, psicanalista e teólogo Rubem Alves em seu livro “Pimentas - Para Provocar Um Incêndio Não É Preciso Fogo” (Planeta), no qual trata dessa “fase crepuscular” da vida com poesia, ironia e melancolia. São 74 fragmentos sobre temas variados — educação, política, poesia, céu e inferno e passagens curiosas do Antigo Testamento — de um autor que completou 79 anos em setembro.

Ele soa um pouco triste ao telefone, falando da varanda de seu apartamento, na cidade de Campinas. “O tempo me foge. Não tenho mais tempo para escrever um romance. Não tenho mais tempo para escrever uma coisa com começo, meio e fim. ‘Pimentas’ é uma coleção de fragmentos - sou um retratista. Outra palavra que revela idade.”

Leia abaixo a entrevista na íntegra.

Valor: O senhor conta no livro um episódio engraçado sobre um “flerte” no metrô que não terminou como gostaria. Como foi isso?
Rubem Alves: Eu descobri que estava velho numa situação surpreendente. Isso foi há vinte anos. Estava em São Paulo, peguei o metrô, estava lotado. Eu era jovem, pernas fortes, segurei no balaústre e comecei a olhar para os rostos das pessoas. Rostos contam histórias. Olhando para as pessoas você pode imaginar contos, muitas coisas. Eu estava ali, imaginando as crônicas que poderia escrever, quando vi uma moça me olhando com mansidão, quase com ternura. Eu fiquei comovido com aquele olhar. Eu olhava para ela, ela olhava para mim. Percebi que ela devia estar comovida com a minha presença. Houve um momento de suspensão romântica. Pensei: manchete do meu conto — ‘Rubem Alves encontra inesperadamente no metrô o grande amor de sua vida’. Comecei a ter fantasias. Foi nesse momento que ela me fez um gesto de carinho. Ela se levantou e me ofereceu o lugar. Quando ela fez isso, é como se dissesse para mim: o senhor (certamente ela estava pensando em senhor, não em você) não pertence ao meu mundo. O senhor deve ter pernas bambas. Naquele instante eu percebi que estava perto dela, mas estava muito longe dela. Ela era uma moça e eu era um velho. A partir dali o tema da velhice começou a ser importante para mim. Comecei a prestar atenção no que acontece com as pessoas quando elas se descobrem velhas. Fiz então uma série de observações sobre isso.

"A percepção é que a hora de partir está chegando.
O crepúsculo é essa consciência de
que o tempo passa rapidamente,
a vida passa rapidamente."

Valor: Cite algumas.
Alves: A gente é velho quando as moças nos oferecem lugar no metrô. A gente é velho quando uma moça lhe dá o braço para ajudar a subir a escada e você tem que aceitar a delicadeza. Eu agora tenho que ter cuidado, tenho que olhar pro chão e medir os meus passos. Coisas que eram naturais - andar, subir escada, descer escada - coisas simples passam a não ser mais.

Valor: Mas o senhor não está se concentrando muito no aspecto físico do envelhecimento?
Alves: É, mas o olhar das pessoas também muda.

Valor: O que muda nesse olhar?
Alves: Você deixa de ser o homem másculo, viril, objeto de contemplação das jovens, e passa a ser um ser crepuscular. O que é o crepúsculo? Nele, o tempo passa muito mais rápido. Neste instante, eu estou sentado aqui na minha varanda, o céu está muito azul, o tempo está parado. Assim é a juventude — na juventude, o tempo para. Mas quando chega o crepúsculo, começa a haver transformações rápidas no céu. Rapidamente, as cores vão se alterando, o azul fica verde, o verde fica amarelo, amarelo fica abóbora, abóbora fica vermelho, o sol está se pondo, tudo fica roxo e logo o céu está mergulhado na escuridão. A percepção é que a hora de partir está chegando. O crepúsculo é essa consciência de que o tempo passa rapidamente, a vida passa rapidamente.

"Uma das coisas da velhice é o cansaço.
Dá uma canseira de viver, sabe?
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Mas a gente não tem mais disposição
para fazer a obra nascer."

Valor: O senhor cita numa das crônicas o livro de Eclesiastes, quando fala do envelhecer como os anos nos quais o homem não encontra mais prazer nenhum.
Alves: Sim, a gente descobre que o tempo é curto. Aqui na minha varanda tem duas frases que mandei gravar em madeira - Tempus Fugit. Se o tempo foge, eu preciso correr. Então mandei gravar Carpe Diem, colha o dia. Viva o momento. Mas isso dá uma tristeza na gente.

Valor: Envelhecer também não é sobre perder a capacidade de sonhar? A sua escrita, contudo, revela uma pessoa que não perdeu essa capacidade. Que sonhos o senhor tem cultivado?
Alves: Tem uma frase de Fernando Pessoa que diz assim - Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. Talvez essa pressa em produzir tenha a ver com essa sensação de que os dias passam muito rapidamente . Comecei a ler esses dias um livro enorme de John dos Passos, um livro monumental. Eu não tenho mais tempo para escrever livros enormes. O tempo me foge. Não tenho mais tempo para escrever um romance. Não tenho mais tempo para escrever uma coisa com começo, meio e fim. “Pimentas” é uma coleção de fragmentos - sou um retratista. Olha aí, eu já disse uma palavra que revela a idade. Jovem não fala retrato, fala foto. Eu tenho que escrever rápido porque não sei quando é que vou partir.

"Agora, a felicidade aqui da minha varanda
é ver os ipês, que teimam em florescer.
Para florescer eles têm que perder todas as folhas.
Árvore pelada, na cabeça da gente,
está se preparando para morrer.
Mas em vez de morrer o que os ipês fazem?
Eles florescem."

Valor: O senhor parece cansado.
Alves: Uma das coisas da velhice é o cansaço. Dá uma canseira de viver, sabe? Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. Mas a gente não tem mais disposição para fazer a obra nascer. A gente tem que agarrar o que resta. Gosto de contar a história de um homem que ia caminhando pela floresta, a mata estava escura. De repente, ele ouve o rugido de um leão e sai correndo, mas como está escuro ele cai num precipício. Ele se agarra a um galho preso no abismo, olha para cima, o leão, para baixo, o abismo; então ele nota que bem à sua frente está brotando um galho com uma fruta vermelha. É um morango. Ele estende o braço e come o morango e se delicia. As pessoas perguntam - qual o final da história? O homem caiu? E eu respondo, não tem final, é só isso mesmo. Você não entendeu? Quem está pendurado sobre o abismo sou eu, é você , todos estamos sobre o abismo, portanto, o que nos resta a fazer é comer os morangos.

Valor: E quais são os morangos que o senhor tem apreciado atualmente?
Alves: São coisas pequenas, simples. Ontem, por exemplo, ouvi pela internet a Pour Elise, de Beethoven, tocada num órgão feito de taças de cristal, um som inesperado, que vai surgindo aos poucos. Qual é a importância disso? Nenhuma! Mas me feliz naquele momento.

Valor: Na realidade, não deveríamos viver sempre desse jeito, ter essa capacidade de tirar alegria de coisas pequenas?
Alves: O Guimarães Rosa tem uma frase verdadeira: alegria, só em raros momentos de distração. Agora, a felicidade aqui da minha varanda é ver os ipês, que teimam em florescer. Para florescer eles têm que perder todas as folhas. Árvore pelada, na cabeça da gente, está se preparando para morrer. Mas em vez de morrer o que os ipês fazem? Eles florescem. No livro conto a história de uma escola que organizou uma exposição de desenhos dos alunos sobre coisas que escrevi. A professora perguntou para as crianças: quem é Rubem Alves? E uma menina respondeu: Rubem Alves é um homem que gosta de ipês amarelos. Isso é muito comovente.
Valor: Algumas crônicas falam sobre educação, de uma maneira crítica, e da proximidade entre velhos e crianças. “As crianças nos salvam de um envelhecimento triste.”
Alves: Os avós estão mais próximos dos netos que os pais. Os pais ficam preocupados em colocar o filho em escola forte, para passar no maldito vestibular. É uma perda de tempo isso, as escolas não ensinam a sabedoria da vida, e os avós não têm tanto essa preocupação com desempenho. A alma dos velhos é muito parecida com a alma das crianças.

"Quem tem muitas vinganças a realizar
faz mosaicos de infernos, diz o
[filósofo Gaston] Bachelard.
Deus não tem vingança
nenhuma a realizar.
Se é que Deus existe.
Deus não pune nada,
vai punir o quê?"

Valor: Nos fragmentos, o senhor fala também sobre céu e inferno. Uma frase que me chamou a atenção é: “É inimaginável que um Deus de amor castigue com sofrimentos eternos pecados que foram cometidos no tempo”. Qual a sua ideia de inferno?
Alves: São Tomás de Aquino tem uma frase horrenda que diz que “Deus e os salvos contemplam, dos céus, os condenados, dos estertores da sua agonia, para que sua alegria se cumpra”. Quem foi que criou o inferno? Não foi o diabo. Se Deus é onipotente, então o inferno é produto da vontade de Deus. Eu já acreditei nisso, sabe? Já perdi o sono por causa disso. Quem tem muitas vinganças a realizar faz mosaicos de infernos, diz o [filósofo Gaston] Bachelard. Deus não tem vingança nenhuma a realizar. Se é que Deus existe. Deus não pune nada, vai punir o quê? Um pobre mortal que foi enrolado pelas artimanhas da estupidez humana? Acreditar que o universo tem essa dimensão de vingança? Deus não está se vingando de seus desafetos. Além disso, os pecados humanos são cometidos no tempo — por uma pessoa que vai viver setenta, oitenta anos. E o inferno é por toda a eternidade, é para sempre. Se eu fosse Deus mandaria um castigo para todas as pessoas que pensaram essas coisas horríveis de mim. O mesmo castigo que aconteceu entre o povo de Israel e os filisteus lá no Velho Testamento. Ele castigou com uma praga terrível — todos os filisteus ficaram tomados de hemorróidas. Numa região que não tinha nem um riachinho onde pudessem se refrescar.

Valor: O senhor cita esse e outros episódios muito esquisitos do Antigo Testamento. Um deles é sobre o profeta Eliseu, amigo de Elias.
Alves: O que tem de maluquice no Velho Testamento, de maldade... O profeta Eliseu era discípulo de Elias. Eliseu era vaidoso e tinha muita raiva por ser careca. Mas ele era muito poderoso. Um dia, Eliseu estava caminhando pela estrada e vinham em sua direção 42 crianças, que começaram a rir dele. Sabe o que ele fez? Ele invocou o poder de Jeová, que fez sair do mato duas ursas que devoraram as crianças. E o profeta, sem se comover com isso, simplesmente continuou a sua caminhada. Não fez nada para defendê-las. Tá lá na Bíblia.

"As mudanças vêm de dentro, quando alguma coisa começa a operar dentro da gente e a gente
começa a perceber os absurdos."

Valor: É difícil convencer as pessoas que o Deus do Antigo Testamento é o mesmo do Novo Testamento?
Alves: Ah, eu não tento mais convencer ninguém de nada. As pessoas acreditam no que querem acreditar. As mudanças vêm de dentro, quando alguma coisa começa a operar dentro da gente e a gente começa a perceber os absurdos. Tem que separar o trigo do joio. Na Bíblia tem coisas lindas - o Senhor é meu pastor, nada me faltará, conduz-me por águas tranquilas.. Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte não temerei mal algum porque tu estás comigo ...

Valor: Pura poesia.
Alves: Poesia. Veja o que aconteceu bem agora. Aqui na minha varanda, acabo de ouvir um barulho. Olhei e vi que tinha entrado uma cigarra pela janela. Você sabe que as cigarras são seres subterrâneos, elas vivem nas raízes das árvores. Elas não veem nada. Mas há um momento em que alguma coisa diz para esses seres subterrâneos: cigarra, está na hora de se transformar num ser alado. Então elas saem da terra, sobem o tronco das árvores, tiram a casca dura que as envolve e ganham asas. Daí elas cantam, cantam, cantam. Cantam para quê? Para celebrar o amor, para chamar os machos. Depois de realizar o amor, elas esperam a morte.

Valor: Por que razão o senhor terminou um livro tão poético com um assunto tão árido quanto a diabetes?
Alves: Para chamar a atenção dos diabéticos para o fato de que eles e eu estamos pendurados sobre o abismo e vai chegar a nossa hora. E por isso a gente precisa tomar cuidado, a menos que você queira morrer. Para dizer às pessoas que vivam bem. Cuidem da vida, não vão comer bombom, porque bombom é bom, mas melhor é ficar vivo.
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Reportagem Por Marília Camargo Cesar | Valor

domingo, 14 de outubro de 2012

SALVEMOS O PROFESSOR!

Verdades sobre a Profissão de Professor
Paulo Freire

Ninguém nega o valor da educação e que um bom professor é imprescindível. Mas, ainda que desejem bons professores para seus filhos, poucos pais desejam que seus filhos sejam professores. Isso nos mostra o reconhecimento que o trabalho de educar é duro, difícil e necessário, mas que permitimos que esses profissionais continuem sendo desvalorizados. Apesar de mal remunerados, com baixo prestígio social e responsabilizados pelo fracasso da educação, grande parte resiste e continua apaixonada pelo seu trabalho. A data é um convite para que todos, pais, alunos, sociedade, repensemos nossos papéis e nossas atitudes, pois com elas demonstramos o compromisso com a educação que queremos. Aos professores, fica o convite para que não descuidem de sua missão de educar, nem desanimem diante dos desafios, nem deixem de educar as pessoas para serem “águias” e não apenas “galinhas”. Pois, se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a sociedade muda.

domingo, 7 de outubro de 2012

CECÍLIA MEIRELES

Primavera


A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la. A inclinação do sol vai marcando outras sombras; e os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua vida para a primavera que chega.

Finos clarins que não ouvimos devem soar por dentro da terra, nesse mundo confidencial das raízes, — e arautos sutis acordarão as cores e os perfumes e a alegria de nascer, no espírito das flores.

Há bosques de rododendros que eram verdes e já estão todos cor-de-rosa, como os palácios de Jeipur. Vozes novas de passarinhos começam a ensaiar as árias tradicionais de sua nação. Pequenas borboletas brancas e amarelas apressam-se pelos ares, — e certamente conversam: mas tão baixinho que não se entende.

Oh! Primaveras distantes, depois do branco e deserto inverno, quando as amendoeiras inauguram suas flores, alegremente, e todos os olhos procuram pelo céu o primeiro raio de sol.

Esta é uma primavera diferente, com as matas intactas, as árvores cobertas de folhas, — e só os poetas, entre os humanos, sabem que uma Deusa chega, coroada de flores, com vestidos bordados de flores, com os braços carregados de flores, e vem dançar neste mundo cálido, de incessante luz.

Mas é certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação.

Algum dia, talvez, nada mais vai ser assim. Algum dia, talvez, os homens terão a primavera que desejarem, no momento que quiserem, independentes deste ritmo, desta ordem, deste movimento do céu. E os pássaros serão outros, com outros cantos e outros hábitos, — e os ouvidos que por acaso os ouvirem não terão nada mais com tudo aquilo que, outrora se entendeu e amou.

Enquanto há primavera, esta primavera natural, prestemos atenção ao sussurro dos passarinhos novos, que dão beijinhos para o ar azul. Escutemos estas vozes que andam nas árvores, caminhemos por estas estradas que ainda conservam seus sentimentos antigos: lentamente estão sendo tecidos os manacás roxos e brancos; e a eufórbia se vai tornando pulquérrima, em cada coroa vermelha que desdobra. Os casulos brancos das gardênias ainda estão sendo enrolados em redor do perfume. E flores agrestes acordam com suas roupas de chita multicor.

Tudo isto para brilhar um instante, apenas, para ser lançado ao vento, — por fidelidade à obscura semente, ao que vem, na rotação da eternidade. Saudemos a primavera, dona da vida — e efêmera.

***
(Texto extraído do livro "Cecília Meireles - Obra em Prosa - Volume 1", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1998, pág. 366)

terça-feira, 2 de outubro de 2012

RELÍQUIAS - Giselda Medeiros

Trago junto a mim
o doce lamento
do vento
nas palmas da minha infância.
E o som lúgubre
das cantigas silenciosas
das baladas
junto às rosas.
Trago um mafuá
de sonhos. Mais nada...
e nestes teu nome
a despertar-me em auroras.

domingo, 23 de setembro de 2012

MOTIVOS - GISELDA MEDEIROS


E esta solidão de lajes
a velar o sono
do sonho
adormecido em mim,
terra e mar,
metáfora alucinada,
mastigando o silêncio das estrelas!...

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

GISELDA MEDEIROS


É TEMPO DE SEMEAR


Não te pedirei mais nada.
Se já me amas
e cantas comigo
a doce canção da Poesia                            
já me basta.
É tempo de semear.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

MUITO TARDE - REGINE LIMAVERDE



MUITO TARDE 

Uma tarde e outra tarde.
Muitas tardes vão passando.
Que não tardes ao meu lado,
pois é tarde e vou findando.

É tão tarde e não chegaste
e na tarde vou ficando.
Muitas tardes vão correndo,
já é tarde, estás tardando.

Outras tardes hão de vir.
Oh! Não tardes meu amor.
Já é noite entardecendo.
Como arde a minha dor!

(do livro: Eternas Lanternas do Tempo).

domingo, 9 de setembro de 2012

MAR INTERIOR - GISELDA MEDEIROS


(para Maria Luísa Bomfim)

                 Mar bravo. Ondas batendo revoltosas

                            em loucas e alternantes vindas e idas,
                            ora a gemer, ora a chorar, feridas,
                            sob o látego das águas furiosas.

                            O sol lança seus raios... surgem rosas,
                            cristais de luz sobre águas indormidas,
                            as quais se vão, das águas refletidas,
                            alçar-se aos céus em pétalas olosas.

                            Ante a grandeza augusta da paisagem,
                            cala-me a pequenez – ai... nada sou
                            além de triste e efêmera miragem!

                            Mas, ao pulsar-me o peito, diz-me o ar:
– Dentro de ti se move tanto amor
que no teu peito, também, bate um mar!             

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

O BRASIL- Renato Sêneca Fleury



 Perguntei ao céu tão lindo,
— Por que é todo cor de anil?
Ele me disse, sorrindo:
— Eu sou o céu do Brasil!

Perguntei ao Sol, então,
A causa de tanta luz.
— Sou a glorificação
Da Terra de Santa Cruz!

Depois perguntei à Lua:
— Por que noites de luar?
— É para enfeitar a tua
Grande Pátria à beira-mar.

Perguntei às claras fontes:
— Por que correis sem cessar?
— Nós brotamos destes montes
Para a terra fecundar!

 Então eu disse à floresta:
— És tão bela, verde inteira!
Ela respondeu em festa:
— Sou a mata brasileira!


Perguntei depois às aves:
— Por que estais a cantar?
— Cantamos canções suaves
Para tua Pátria saudar.

Céu e sol, luar e cantos,
Florestas e fontes mil
Enchem de eternos encantos
És minha Pátria, — o Brasil!

 Renato Sêneca de Sá Fleury ( SP 1895- SP 1980) Pseudônimo: R. S. Fleury, ensaísta, pedagogo, escritor de Literatura Infantil, professor, professor catedrático de Pedagogia e Psicologia, jornalista, membro da Academia de Ciências e Letras de São Paulo, membro fundador do Centro Sorocabano de Letras.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

UM POEMA DE GISELDA MEDEIROS NA NOITE DA LUA AZUL

INDECIFRÁVEL
(para Rejane Costa Barros)
Será o meu amado um verde gesto,
inaudível palavra, não expressa,
um vento brincalhão entre os palmares
ou indormida pétala de rosa?

 Será o meu amado astuto barco
nas procelas  da vida a navegar
indiferente às ânsias, às esperas
e ao mormaço da tarde a declinar?

Será o meu amado aflita gota
do espelho d’água que reflete o céu
com seu cortejo de anjos e de nuvens?

Não! O meu amado é alvo pensamento
a correr sobre as dunas da poesia,
trazendo-me as areias do lirismo.



sábado, 18 de agosto de 2012

BELO POEMA DE HERMÍNIA LIMA



CECÍLIA MEIRELES



Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade que parecia ser feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco. Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz. Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refelectidas no espelho do ar. Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega. Às vezes um galo canta. Às vezes um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz. Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.

sábado, 4 de agosto de 2012

DE OLHOS ENTREABERTOS


ENSAIO
A poética de Aíla Sampaio
04.08.2012

A vida nunca se faz plena como se um passe de mágica estivesse por trás das aparências

A eternidade não depende do tempo, mas do desejo com que buscamos possuir a plenitude das coisas. Existir não é o mesmo que viver, assim como escrever é possuir o indizível da língua, e, assim, traduzir também o seu mistério, em face da sua transcendência. De Olhos Entreabertos, os escritores costumam conversar com as estrelas, representar o brilho dos cristais e acolher em seu texto a solidão dos que vegetam enquanto o cosmos agoniza. Leia-se o poema "Tela":

(Texto I) O ato da criação literária é o mais atomizado de todos os processos de representação da arte; é o mais denso e o mais sagrado de todos os prazeres do corpo, e é a forma mais sólida de representação do mundo perante os apelos da história. A pós-modernidade compreende o oblívio de Deus substituído pela ilusão do Capital, como se a mercadoria fosse capaz de intuir o sentido supremo do sagrado; como se a estética do gosto fosse superior à estética da arte, como se o sagrado fosse assim, capaz de sucumbir diante da sedução do efêmero.

A arte da palavra

As marcas e as grifes são apenas miçangas ou enfeites de uma civilização em ruína, esmagada pelo consumo e pela tentação do capital e das suas formas miseráveis de alienação e acumulação. Vejam-se, então, os versos de "Desvarios de maio":

(Texto II)

Assim sendo, urge que a arte, a arte mais sutil e prazerosa, a arte mais pura e a mais sofisticada assumam o seu lugar no discurso do caos, para que a linguagem poética e a sua liturgia possam reconquistar o espaço soberano do texto. A representação da poesia nunca perdeu o seu lugar na história. Na era em que o homem mais decididamente mergulhou na guerra, em nome da ilusão do mito, Ulisses ressurgiu como o herói de todas as idades; e quando o céu e o inferno se fundiram na idade escura da magia, Dante segurou a mão de Virgílio e nos devolveram, por fim, a claridade, o sentido poético da alegoria e a escansão do verso refletido. Os tempos de enfrentamento da linguagem agora são outros, mas a poesia está sutilmente em toda parte. Poetas existem no mundo de todas as maneiras, e poetas ruins é o que não falta em todos os quadrantes do globo. O Ceará é uma terra povoada de muitos escritores e de Academias que não valem o preço com que foram feitos os seus estatutos, mas é também uma terra de veras escritoras, da estirpe de Ana Miranda, Marly Vasconcelos, Natércia Campos, Inez Figueredo, Giselda Medeiros e Tércia Montenegro, dentre outras.

A essa elite de escritoras de talento pertence o nome de Aíla Sampaio, que conheci ainda por ocasião da sua estreia, e cuja evolução venho acompanhando com respeito e curiosidade, porque profícua a sua produção, porque profundos os seus conhecimentos, porque sincero e visceral o seu compromisso com a palavra ritmada e com a palavra fundadora do belo. Como, por exemplo, nos versos de "Silêncio antigo": (Texto III)

Depois de chamar a atenção do público, com a sua tese de mestrado sobre os mistérios de Lygia, e de esquadrinhar as vozes da sua escritura sutil e polifônica, Aíla entrega-se agora à sedução da poesia, abrindo o seu baú de desejos e expondo totalmente aos ventos a vertigem fatal da sua poética fulgurante. E, por entre curvas e desvios, Aíla Sampaio vai construindo a sua arte, tecendo as suas teias, e mergulhando na sua solidão compartilhada, entretendo os seus leitores com a força aliciante da palavra e da sua beleza metafórica.

Das temáticas

A poesia de Aíla Sampaio, nesse seu livro, de título sugestivo, faz-se a um só tempo verbo e escansão, solidão e reticência, e purgação da morte em face da libido do tempo.

O amor, a comunhão a dois e a busca incessante de Eros, para aplacar os desafios da vida e os sentidos cambiantes do corpo, se entrelaçam, nesse livro novo de Aíla Sampaio, como se fossem os seus esteios de maior destaque. Leiam-se os versos do poema "De outro tempo": (Texto IV)

Eis, portanto, De Olhos Entreabertos (Fortaleza, Editora Sponti, 2012), um livro cuja linguagem nos seduz, um livro que dignifica a sua autora e que não desmerece a ensaísta. E que faz da sintaxe do desejo (e também do verso refletido) o espaço poético da arte literária.

O QUE ELES PENSAM

"Na poesia de Aíla Sampaio, uma das marcas mais expressivas reside no cultivo de metáforas entrelaçadas a impressões sensoriais".

CARLOS AUGUSTO VIANA
Escritor

"Nesse livro, o tema do amor, explorado sob múltiplos ângulos, abre caminho para a reflexão sobre a própria fragilidade do ser humano".

JOSÉ TELLES
Poeta

Trechos

TEXTO I

O tempo costura a vida com pontos de cruz, / fazendo desenhos multicores no véu dos dias. / Na tela em que meu destino foi bordado, / não há manchas de dedos / nem frouxos alinhavos / desfazendo a harmonia. / Nasci, certamente, das bordadeiras de sonhos / que tecem lenços azuis todas as manhãs / para que a realidade, com seu duro fardo, / não pesponte escuridão onde o traço é de luz.

TEXTO II

Desse olhar esgarçado sobre o poente, / dessa lamúria que é o vento antes da chuva, / fiz a tarde com seus desvarios de maio. /// Não fosse hoje um domingo qualquer / eu teria motivos para não ler nada / e veria TV, bandeira branca a meio-palmo / e mansidão para seguir as procissões de Maria. / Mas não é assim o meu desenho / tão fácil de distinguir as cores e as linhas / rascunhadas. /// Surpreendem-me vontades de sesta, / sono profundo ao meio-dia / e saudades que não posso mais matar. / Tanta abstinência, tantas orações / e o coração não sara... / continua a sangrar ao menor esforço / e a me matar aos poucos todos os dias.

TEXTO III

Há sempre uma casa / com seu silêncio antigo / e seus conhecidos fantasmas / a nos habitar. / Há sempre a memória / de um amor interdito, / a dar a ilusão / de que a felicidade está / apenas / no que poderia ter sido. /// O tempo vivido desliza, / guardando abismos que / devoram a carne do tempo. / O que nos pertence / é apenas o presente / e a certeza de que eterno / é somente o que não se realiza.

TEXTO IV

Essa casa desabitada / perdida no abandono dos ventos / (que sopram sem direção) / é o corpo que veste a minha alma. / Suas portas batem / atrás de um adeus sem data, / cavando feridas nas paredes retintas, / guardando ferrugem nas trancas / e escoriações nos portais. /// Há hera nas vigas e nos muros, / fechando porteiras, lacrando janelas / até sempre ou nunca mais. /// No jardim, presente e passado / perdem-se soterrados / pelo musgo que cresceu. /// Dentro de mim, acordado, / geme um silêncio de muitas eras / e grita a lembrança de um tempo / que não é o meu.

DIMAS MACEDO
COLABORADOR*
*Da Academia Cearense de Letras

quinta-feira, 26 de julho de 2012

ÚLTIMA ENTREVISTA DE CASTRO ALVES



Quem é o poeta Castro Alves?

Sou um homem que escreve e declama seus poemas. Por amor, por compulsão e por herança. Um poeta brasileiro nascido em 14 de março de 1847 lá na fazenda Cabaceiras, sete léguas distante de Curralinho. Um baiano do sertão. Meus pais foram o doutor Antônio José Alves e dona Clélia Brasília da Silva Castro, que também nasceu em um 14 de março.
A família mudou para Salvador quando eu tinha sete anos de idade. Aqui completei o curso primário e fiz o ginasial. Aos 15, em 1862, eu e meu irmão José Antônio fomos morar no Recife para fazer o Curso Anexo, um ano de aulas preparatórias que habilitavam às provas da Faculdade de Direito, onde fiz o 1º e o 2º ano. Lá, ainda em 62, pela primeira vez tive um poema publicado pela imprensa, “A destruição de Jerusalém”, no Jornal do Recife. No ano seguinte saiu no nº 1 de um jornal acadêmico, chamado A Primavera, o meu primeiro poema contra a escravidão: “A canção do africano”. Em 68, fui para São Paulo continuar meus estudos jurídicos. Completei apenas o 3º ano, sem bacharelar-me por conta de problemas relacionados à saúde.
Mas as publicações se sucederam, tanto no Recife como em Salvador, no Rio de Janeiro e São Paulo; muita vez em seqüência às declamações que eu fazia nas ruas, nos saraus e nos teatros, sempre com grande sucesso, diga-se de passagem. Alguns desses versos, junto com muitos inéditos, hoje fazem parte do meu livro Espumas flutuantes, primeiro e único até agora, e que foi lançado em outubro do ano passado, aqui mesmo na Bahia, para onde voltei no final de 69.

Fale um pouco mais sobre sua família e a infância em Salvador.

Éramos muitos irmãos: José Antônio, Zezinho, o primogênito, poeta que se suicidou aos 19 anos; eu, Antônio Frederico de Castro Alves, era chamado de Cecéu pelos de casa e pelos amigos; João, que faleceu recém-nascido; Guilherme, o quarto, também poeta; aí vem a primeira mulher, Elisa; depois Adelaide, a Sinhá, minha preferida, mas que ninguém nos ouça; e Amélia, uma bela poetisa. Bem mais tarde, Cassianinho, nascido das segundas núpcias de meu pai.
Papai foi um médico famoso. Estudou na Europa, foi professor da Faculdade de Medicina, homem de talento artístico apreciável, com o que conseguiu grupar em nossa casa uma galeria de pinturas estrangeiras e nacionais de grande fama. Dessa paixão resultou fundar em 56, aqui na Bahia, a Sociedade das Belas-Artes. No lar, essa influência se exerceu na nossa educação artística: todos inclinados à música, ao canto, ao desenho, à pintura, às letras, favorecendo disposições da natureza que seriam consagradas. Mas papai e mamãe tinham pouca saúde. Perdi-os cedo, ela de tuberculose, em 1859, com apenas 34 anos de idade, e papai há cinco anos, aos 48.
Voltemos ao ano de 1854, quando fomos morar na capital, no pequeno sobrado da Rua do Rosário no 1. Essa casa, que marcaria de forma definitiva a minha vida, era cheia de lendas e mistérios: uma linda moça, Júlia Feital, nela foi assassinada pelo noivo que, louco de ciúmes, a fulminou com uma bala de ouro. Eu, menino, imaginava a cena e tinha muito medo. Ainda bem que logo depois nos mudamos.
Assim que chegamos a Salvador, fui estudar no Colégio Sebrão, uma escola tradicional, e depois no Ginásio Baiano, de conceitos pedagógicos avançados para a época: estudávamos várias matérias ao mesmo tempo, não recebíamos castigos físicos e ainda por cima éramos incentivados a participar de torneios literários. Para mim, que já trazia o amor à arte cultivado pela família, foi uma espécie de preliminar, desculpem a imodéstia, para a glória futura. Celebrávamos principalmente as datas cívicas, o que me deixava envaidecido, pois meu avô materno, José Antônio da Silva Castro, foi um dos heróis da independência da Bahia, que só foi conquistada em 2 de Julho de 1823. É que em muitas províncias, como o Senhor sabe, os portugueses não acataram a proclamação do Sete de Setembro e queriam nos manter atados à Coroa lusitana. Na Bahia, meu avô ajudou a derrotar as tropas inimigas, para assim confirmar a independência do Brasil. Ele foi condecorado por bravura no comando de um batalhão de voluntários, por ele mesmo criado. Vou lhe contar uma coisa que pouca gente sabe: foi nesse batalhão que, sob suas ordens, lutou a heroína baiana Maria Quitéria. Ainda vou escrever um poema em homenagem a essa grande mulher.

Como o Senhor vê a poesia nesta segunda metade do séc. XIX?

Olhe bem. A poesia na terra dos Andradas, dos Pedros Ivos, e dos Tiradentes deve ser majestosa como as matas virgens da América; arrojada como seus rios gigantes; livre como os ventos que passam gementes por suas várzeas, e que zurzem os costados pedregosos dos seus gigantes de granito. A poesia enfim deve ser o reflexo desta terra. Isto no que toca à natureza, é claro.
No que toca às idéias desta metade de século, eu diria que a poesia deve ser o arauto da liberdade - esse verbo na redenção moderna - e o brado ardente contra os usurpadores dos direitos do povo.
Quanto a sua forma, a literatura, sendo a expressão da humanidade, libertou-se dos preceitos asfixiadores da escola clássica - essa jaula do pensamento - assim como a humanidade despedaçara o feudalismo - essa jaula da dignidade popular.
O povo - esse condor gigante - sacudindo as longas asas pairou na ordem social por sobre a realeza, na ordem científica por sobre a autoridade. O espírito popular tem sido iluminado pelos luzires do cometa da civilização.
Tudo tende a idealizar-se. No entanto, lanço uma censura a dois erros, que em geral permanecem em nossa literatura, e neles eu sei que a minha poesia não está:
Um - a falta de brasileirismo nas composições. O segundo erro, que ainda lavra, especialmente na Bahia, é o classicismo. Deus me livre de maldizer das obras-primas que a antiguidade nos legou. Não. Homero, Dante, Virgílio e outros hão de ser sempre admirados. Mas não queirais, homens da atualidade, mandar, como primor de escultura, uma cabeça de esfinge para a Exposição, nem apresentar nos banquetes de Napoleão III a paródia dos vasos soterrados de Pompéia... passou esse tempo... A poesia hoje é Byron, Barthélemy, Lamartine, Victor Hugo - esses Cristos humanos.

De que forma o Senhor situa a sua obra dentro deste contexto?

É muito difícil a um poeta situar sua própria obra no contexto de uma literatura. Talvez possa dizer que segui um caminho que é normal a todo escritor: o de fazer com que a vida e a obra entrem em acordo e possam viver bem juntas.
Olhe bem. Hoje, a palavra da poesia, além de ser íntima, também deve ser cívica. Tenho o sangue militar do meu avô e cheguei até a me alistar no Batalhão Acadêmico de Voluntários que foi à Guerra do Paraguai, mas nunca fui um apologista da guerra. Amo sim a minha pátria, luto pela abolição da escravidão, canto os feitos heróicos, as batalhas vitoriosas contra a opressão e confesso o meu amor em tom vibrante; só em louvor ao Dois de Julho escrevi cinco poemas. Muitos dizem que minha obra está composta de uma parte política e de uma parte lírica. Penso que vigora sempre o mesmo amor à humanidade, sob roupagens diversas: amor coletivo e amor pessoal, e não saberia dizer qual o mais importante.
Acho que o poeta deve falar aos corações. Eu falo. Mas, não é com sussurros que se incendeia o público; é com entusiasmo, dramaticidade, retórica. O poeta é às vezes um corcel sem freios... Eu tenho consciência de que faço alguns poemas para voz alta, e não para leitura com um chá, no aconchego das cadeiras de balanço. Algumas vezes, anoto ao lado do texto: “Não se publica”. Não sei se será publicado, pois tenho a certeza de que o poeta, quando muito, é o dono dos versos, mas não é nunca o dono do destino do poema.
Particularmente, acho exagerado o gosto pelo doentio que os poetas da geração anterior a minha desenvolveram. Eles estavam voltados para eles mesmos, amavam a musa distante, idealizada, intocada e etérea. A minha amada é de carne e osso (o poeta sorri). Eu aposto no amor, na vida; às vezes perco, às vezes ganho... Deixo aos críticos do futuro o julgamento do meu trabalho.

Que figuras exerceram influência na sua formação de escritor?

Tudo o que o escritor vê, vive ou lê o influencia. Assim, sou filho de Horácio, de Byron, Barthélemy, Lamartine, Musset, do grande Hugo principalmente... Aprecio Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo e Junqueira Freire, mas se tivesse que escolher apenas dois brasileiros, citaria dos contemporâneos, meu amigo Fagundes Varela e dos passados, o Casimiro de Abreu.

O Senhor está começando a ser chamado “O poeta dos escravos”. Como se sente?

Eu me orgulho do epíteto. Estou, inclusive, na fase final de negociações para a impressão de meu livro Os escravos, que até o final do ano será publicado. A escravidão é uma das mazelas, talvez a mais horrenda, que devemos combater em prol da liberdade. É certo que, desde 1850, instituíram-se pesadas penas para o tráfico negreiro, já abolido pela legislatura de 31, mas ainda vigente. Há dois anos foi proibida a venda de seres humanos em pregão público e até o fim deste ano - não sei se o Senhor sabe - será votada a Lei do Ventre Livre. Mas é pouco. Muito pouco.
Sempre fui devotado às causas sociais. Fundei, com Rui Barbosa - meu antigo colega do Ginásio Baiano - e outros alunos da Faculdade de Direito, a Sociedade Abolicionista do Recife. Esse pendor abolicionista vem do berço. Lembro de papai a reclamar, sempre, do tratamento cruel que era dado ao negro. O amor que eu tive e tenho pela minha bá, que já se foi, a negra Leopoldina, minha ama de leite, minha segunda mãe, a me contar as histórias de senzalas, mucamas e amores proibidos... O meu tio, o alferes João José, herói da Guerra do Paraguai, brincando comigo de cavalinho, montado em seus joelhos, dizendo-me: “A liberdade, filho, é o maior bem do mundo”. Ah! Como essas coisas ainda me comovem...

Ser chamado de “poeta dos escravos” é uma honra. Acho, porém, que não diz tudo; sempre quis ser “O poeta da Liberdade”. E para mim, Abolição e República são palavras quase irmãs: uma puxa a outra, naturalmente. Tanto que, em paralelo à minha luta pela libertação dos escravos, participei também de alguns comícios republicanos. Lembro-me bem de um deles, dissolvido pela polícia, quando criei de improviso os versos de “O povo ao poder” (nesse momento o poeta abre um sorriso e levanta-se, com esforço, da cadeira de balanço austríaca). A segunda estrofe desse poema começa com dois versos que agitaram a multidão, aos gritos e assobios (o poeta de pé, com a voz já rouca e entrecortada por um pigarro renitente):

A praça! A praça é do povo
Como o céu é do condor
É o antro onde a liberdade
Cria águias em seu calor.
Senhor!... pois quereis a praça?
Desgraçada a populaça
Só tem a rua de seu...
(um acesso de tosse interrompe a fala; ele se senta novamente, e com dificuldade termina a estrofe)
Ninguém vos rouba os castelos
Tendes palácios tão belos...
Deixai a terra ao Anteu.
Desculpe-me, Senhor... Desculpe-me... (aparentemente refeito) Prossiga, prossiga...

Além dos comícios republicanos e da campanha abolicionista, é sabido que o Senhor tem participado de debates sobre a liberdade de imprensa e de muitos outros movimentos civis, como a luta pelo voto feminino. Por outro lado, as discussões literárias também não foram poucas. Fale-nos sobre sua polêmica com o poeta Tobias Barreto.

O Tobias? Isso é coisa do passado, não tem mais importância... Nem sei se vale a pena voltar ao assunto. Mas o que posso dizer?... Vamos ver...
Começamos como amigos - temos, inclusive, poesias dedicadas um ao outro; passamos a colegas, tornamo-nos rivais e acabamos inimigos. Intrigas pessoais e literárias. Discordamos em quase tudo, tanto na poesia quanto no teatro. Olhe que nossos desencontros se acaloraram a partir de 66, quando ele teve o desplante de, em público, dizer que a atriz Adelaide Amaral era superior a minha amada D. Eugênia Câmara, um talento fulgurante que Portugal nos legou; inigualável, como o Brasil jamais tivera oportunidade de assistir.

O Senhor Tobias Barreto é feio, velho, escreve mal e declama pior ainda. Não conhece a língua que fala, o significado das palavras; já o aconselhei a fazer, de quando em quando, uma viagenzinha ao Morais. Nos recitativos fica nervoso, tem um jeito desastrado, não controla a voz. Não possui o domínio cênico que eu tenho, se veste mal. Eu entro no palco vestido de negro, chique, com uma flor na lapela, óleo nos cabelos, madeixas minuciosamente espontâneas e pó-de-arroz no rosto, para parecer mais pálido. Começo logo com uma das minhas bombas “O século”, “Pedro Ivo”, “Visão dos mortos”..., com resultado previsto e certo: a platéia me ovaciona. Lembro-me de um sarau em São Paulo , organizado pelo Arquivo Jurídico, no Salão Concórdia. Nessa noite todas as honras foram minhas; o entusiasmo tocou ao delírio, quando arrematei a última estrofe de “Visão dos mortos” e, a pedido geral, encetei “O livro e a América”. Se algum dia obtive um triunfo, não foi noutro lugar. Até a senhora do cônsul inglês Richard Burton veio entusiasticamente dizer-me: “Mim gostar muito de sua recitativa” (rindo e imitando um sotaque inglês).

Atualmente não tenho mais debatido com o Tobias Barreto. Como o Senhor sabe, pouco tenho saído de casa. A minha última declamação em público foi, se a memória não me falha, em 10 de fevereiro deste ano, no salão nobre da Associação Comercial da Bahia, quando se realizava ali um meeting em favor das famílias francesas sacrificadas pela guerra franco-prussiana. Eu recitei o poema “No meeting du Comité du Pain”, escrito no dia anterior. Fiz especialmente para a ocasião.

Aproveitando a sua lembrança, o Senhor poderia nos falar da grande atriz D. Eugênia Câmara?

A minha admiração pela atriz D. Eugênia Câmara se confundiu com meu amor pela mulher Eugênia. Quando a vi pela primeira vez, no palco do Teatro Santa Isabel, no Recife, eu tinha 16 anos e ela 26. De minha parte, amor à primeira vista. Ela era a estrela do drama Dalila, de Octave Feuillet. Difícil descrever o impacto que a presença dela exerceu sobre mim. Digo apenas que ela foi a mulher mais importante da minha vida, a musa celeste que me arrastou, como um turbilhão, ao mais profundo fundo dos cafundós do inferno. E ainda mais, o que muitos não sabem: é poetisa. Já tem dois livros publicados.

Escrevi para ela o drama Gonzaga ou A Revolução de Minas, onde falo de liberdade, escravidão, traição, paixões... em suma, de tudo que atormentava ou deliciava minha existência, e se confundia com a própria Eugênia, para quem, é evidente, eu havia reservado o papel principal. Meu sonho era vê-la em cena interpretando meu texto.
O nosso amor foi sempre tumultuado. Em 66, após um longo período de indecisões e recuos, que nunca soube se eram meus ou dela, finalmente consegui arrancá-la do empresário com quem vivia, e levei-a junto com a filha, para morar comigo num subúrbio do Recife. Nosso ninho de amor... Dediquei-lhe muitos poemas... Ah! Bons tempos aqueles...

No ano seguinte, fui para a Bahia, levando minha mulher e uma certeza: iríamos conseguir encenar o Gonzaga em Salvador. O que, de fato, aconteceu no dia 7 de setembro, no Teatro São João, tendo à frente do elenco Eugênia no papel de Maria, a Marília de Dirceu. Foi uma brilhatura como há poucas! Fui chamado à cena depois de cada ato, sob estrondosa ovação. Não satisfeita, a multidão carregou-me em triunfo, sobre os ombros, até minha casa. Tive um triunfo como não consta que alguém tivesse na Bahia. Era a glória, mas era a glória baiana. Até aí a alegria do sucesso e o amor de Eugênia me completavam, mas eu queria a consagração nacional...

Foi por isso que o Senhor resolveu ir para São Paulo?

Sim, sim. Foi com essa intenção que decidi continuar os estudos de Direito em São Paulo , interrompidos quando viemos para Salvador. Eugênia foi comigo. Incluí no roteiro de viagem uma visita ao Rio de Janeiro, onde conheci o grande escritor José de Alencar. Chegamos a São Paulo em março de 68, a terra de Azevedo, cidade das névoas e mantilhas, ainda acanhada e provinciana, onde não há senão frio, mas frio da Sibéria; cinismo, mas cinismo da Alemanha, um tédio infinito. Entretanto prefiro São Paulo ao Recife, apesar das péssimas recordações daquele tempo, pois foi lá que o nosso amor chegou ao fim. O meu objetivo era terminar os estudos na Faculdade do Largo de São Francisco e o de D. Eugênia retornar aos palcos. No início retomamos a vida intelectual e boêmia, freqüentando saraus e salões, sempre com muito sucesso. Porém, rapidamente, o nosso relacionamento se deteriorou. Eram cada vez mais constantes as nossas desavenças. Cenas violentas, ciúmes, brigas, precárias reconciliações. Sopravam-me histórias de adultério. No entanto, sei que ela me amou, como sei que, talvez, meu amor tenha sido insuficiente para sua paixão. Não a recrimino. Em determinado momento, largou a carreira para me seguir. Depois, me largou para seguir a si própria. Rompemos em 68 e a última vez que a vi foi no ano seguinte apresentando-se no Teatro Fênix Dramática, no Rio de Janeiro, quando pude lhe oferecer meus derradeiros aplausos. Despedi-me de Eugênia com a poesia “Adeus”, que termina assim (acomodando-se na cadeira):

Quis te odiar, não pude. - Quis na Terra
Encontrar outro amor. - Foi-me impossível.
Então bendisse a Deus que no meu peito
Pôs o germe cruel de um mal terrível.
Sinto que vou morrer! Posso, portanto,
A verdade dizer-te santa e nua:
Não quero mais teu amor! Porém minh'alma
Aqui, além, mais longe, é sempre tua.
E Eugênia me respondeu com uma outra e que sei de cor. Vou dizer-lhe a primeira e a derradeira das 14 estrofes (a voz um pouco mais baixa):
Adeus, irmão desta alma, digo-te Adeus!
Mas deixa que eu evite esse - jamais! -
Que o céu se compadeça aos rogos meus
E um dia cessarão teus e meus ais!
Adeus! Se um dia o Destino
Nos fizer ainda encontrar
Como irmã ou como amante
Sempre! Sempre me hás de achar.

Como foi seu contato com José de Alencar?

Ah! Esse foi um dia inesquecível: 17 de fevereiro de 1868. Levei uma carta de apresentação do estadista baiano Dr. Joaquim Fernandes da Cunha, amigo de meu pai e padrinho da minha irmã Amélia. Visitei Alencar no Rio, como já lhe disse. Ele residia lá nos cerros da Tijuca. Segundo suas palavras, lugar puro e são, montanha encantadora que a natureza colocou a duas léguas da Corte, como um ninho para as almas cansadas de pousar no chão. E foi lá que o primeiro literato brasileiro provou-me que a ninguém cedia em cavalheirismo e urbanidade.

Sabendo que tocava numa corda sensível do mestre, além de declamar alguns poemas, li para ele o Gonzaga. Meu anfitrião era um obcecado pela construção de um teatro brasileiro, mesmo tendo fracassado na tentativa. Ele pregava um teatro baseado em nossa História - exatamente o que eu fizera, ao invocar em meu drama a Inconfidência Mineira. A receptividade foi muito boa, a ponto de Alencar recomendar-me a outro talento que se firmava na literatura fluminense: o jovem Machado de Assis, que me visitou no domingo de carnaval. O resultado desses encontros se traduziu nas crônicas publicadas no Correio Mercantil, a de Alencar em 22 de fevereiro e a de Machado em 1o de março, ambas muito favoráveis ao Gonzaga. Saiba que ainda guardo comigo esses exemplares do Correio.

Quando e por que o Senhor decidiu deixar o sul do país e retornar à Bahia?

Devido a meus problemas de saúde; não ia nada bem. Quando me separei de Eugênia, a minha sorte piorou. Não sai da minha mente o fatídico dia 11 de novembro de 68, em que para espairecer minha solidão dirigi-me ao Brás, onde costumava caçar; era um mato cerrado, animais em abundância. Fui saltar uma pequena valeta e um disparo da espingarda atingiu-me o pé. Como todos sabem, surgiram complicações no ferimento e os antigos padecimentos pulmonares acordavam, impressionantes. Então busquei ajuda médica no Rio de Janeiro e o diagnóstico foi implacável: teria que amputar a perna esquerda no seu terço inferior. Devido ao meu estado debilitado, a intervenção cirúrgica se daria sem anestesia, pois a cloroformização seria perigosa. Se não operasse poderia morrer; então reuni todas as minhas forças e dei a autorização aos médicos, em tom de blague, disfarçando sob o riso, a dor física e moral da mutilação que deveras sentia. Ainda lembro de minhas palavras: “Corte-o, corte-o doutor... ficarei com menos matéria que o resto da humanidade”.

A convalescença foi demorada, agravada pela tísica renitente. Após alguns meses consegui levantar-me com a ajuda de um pé de madeira e apoiado em muletas. Porém , não me entreguei ao infortúnio. Nesse período de recuperação, estive hospedado na casa de meu grande amigo Luís Cornélio, cercado de carinho e atenção. Não deixei de escrever e recitar meus poemas para o pessoal da casa e para as bonitas moças que me visitavam e inspiravam. É... Não foram tão maus aqueles tempos (risos). No entanto, os meus pulmões não iam nada bem; acessos de tosse e febre deixavam-me constrangido. A saudade da minha pátria e a necessidade de cura em outro ambiente me fizeram retornar ao aconchego da família. Em novembro de 69, deixei o Rio de Janeiro. A travessia, transposta a enseada maravilhosa da Guanabara, sugeriu-me, com a saudade e o desengano, a idéia de reunir os meus poemas num volume que denominei Espumas flutuantes. Os meus versos eram as espumas que se formavam, flutuando à volta do navio. Essa lembrança está relatada no Prólogo do meu livro.

Quais são seus planos para o futuro?

Como já lhe disse, estou com Os escravos pronto, deve sair até o final do ano ou, no máximo, no princípio do ano que vem. A cachoeira de Paulo Afonso, livro de poemas, também já está acabado. E quero publicar o texto do meu Gonzaga, que já viajou por todo o Brasil, e, como o Senhor sabe, com grande sucesso de público e de crítica. Infelizmente nos últimos tempos não tenho trabalhado muito, a minha saúde não anda boa, e os médicos e as manas não querem que eu faça esforço. Para dar-lhe esta entrevista, tive que impor a minha autoridade de irmão mais velho (risos). Mas Deus vai me dar ânimo, pois tenho planos de voltar a declamar em público, no máximo daqui a um mês. Já encomendei até um novo terno preto, bem cortado, pois estou um pouco mais magro e quero me apresentar bem. Se Deus quiser.


NOTA: O poeta Castro Alves faleceu às 15h30min do dia 6 de julho de 1871, um mês após esta entrevista.