quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio - Ricardo Reis


Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio,
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento -
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.
Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.
E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.
(Obra Poética, volume único, Fernando Pessoa, Aguilar Editora, 1972)

Comentário
Repleto de simbologia, Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa, apela no poema para a metáfora do rio como imagem da vida que passa e convida a amada a enlaçar as mãos nessa caminhada inexorável, sem volta, que nos leva para um lugar mais distante que o dos deuses, uma vez que o fado é uma força superior a todos. A vida é efêmera e sua marcha é inexorável. De mãos enlaçadas ou não, é preciso evitar os grandes desassossegos, todo e qualquer excesso, nem amor, nem ódio nem paixão que levantem a voz, nem invejas ou cuidados exagerados. O importante é a serenidade que está além do amor, a fruição tranquila e contida da vida, sem grandes envolvimentos, a valorização do momento atual, colhendo o perfume de cada instante. O poeta remete à passagem para a outra vida na alusão ao barqueiro Caronte que transportava as almas dos mortos para o lado oposto do rio Aqueronte e reforça o apelo a uma serenidade e a uma conformidade pagãs diante da rápida passagem da vida que flui. Somente assim, na gozo de cada momento, com flores ao regaço, podemos evitar a dor da separação.
Myrson Lima