sexta-feira, 30 de abril de 2010

SE EU FOSSE UM HOMEM - Regine Limaverde


(resposta a Dimas Macedo pelo seu poema "Sândalo")

Se eu fosse um homem
beijaria minha mulher
cada vez que a minha lança
nela se escondesse,
para lhe contar da explosão
quando tudo acontecesse.

Se eu fosse um homem
o ventre da minha fêmea
seria um regaço,
e os seus seios
fonte que me saciaria a fome,
leite que me sufocaria anseios
Se eu fosse um homem,
pela mulher me tornaria rei
e, a cada luta que por ela
entrasse, teria uma faca e espada
para cravar no peito dos inimigos
que não amassem a mulher amada.

(Ritos do Entardecer)

quinta-feira, 29 de abril de 2010

INFÂNCIA - Giselda Medeiros


Descoloriram o desenho da minha infância
e pisaram com botas de sete léguas
o canteiro de cirandas
que eu cultivava.
Soltaram da caixinha de sapatos
os sonhos que dormiam
tão tranqüilos.
E uma revoada de asas azuis
abriu-se no espaço das esperas.
Restou a criança grande
no pasmo da vida,
com fome de asas
com fome de cores
com fome de espaço
para o desenho da felicidade.
(Cantos Circunstanciais)

A ESTRUTURA DESMONTADA - Lançamento no Centro Cultural OBOÉ


F. S. Nascimento na noite de autógrafo de seu livro: "A Estrutura Desmontada".
Na foto, Ednilo Soárez, Giselda Medeiros (apresentadora da obra) e o autor.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Ciranda das Emoções - Giselda Medeiros


E há algazarra de corais e pérolas
no fundo dos mares.
E há sons de cirandas
de remotos afogados.
E há queixas e rezas de peixes expatriados,
que vêm morrer, boca aberta,
olho ferido de anzóis,
na areia tonta de emoções.
E penso nas âncoras inúteis
que nada prenderam
e se perderam em sua própria
metamorfose.
E penso mais no desalento dos búzios
querendo reter as vozes
das sereias que se desencantaram.
Ah, pobres sereias,
estrelas marinhas,
lentamente,
conduzidas ao pó,
desprendidas do céu,
desprendidas do mar....
Sou como vós,
corais e pérolas
e peixes e areias
e âncoras e búzios!
Sou como vós, sereias sem mares,
e meu destino invário
é carregar neste meu dorso amargo
essas vozes macias de saudade
da vossa ciranda de emoções!

terça-feira, 20 de abril de 2010

Yde (Adelaide) Schloenbach Blumenschein

COLOMBINA

Nasceu esta poetisa na cidade de São Paulo em 26 de maio de 1882, vindo a falecer na madrugada do dia 14 de março de 1963, vítima de um colapso cardíaco.
O amor é o leitmotiv que perpassa pela grande maioria de seus versos. No caso das trovas, preponderam versos que tratam do amor de forma mais inocente. Todavia, em outros poemas, a forma como rompe com as convenções burguesas ao falar dos desejos carnais provocou a crítica impiedosa por parte de muitos amigos e familiares. Um processo que eclode com o lançamento de seu último livro, Rapsódia Rubra: Poemas à Carne - livro composto de poemas eróticos.
Eis um de seus poemas:
INTIMIDADE
Toda alcova em penumbra. Em desalinho o leito,
onde, nus, o meu corpo e o teu corpo, estirados
na fadiga que vem do gozo satisfeito,
descansam do prazer, felizes, irmanados.
Tendo a minha cabeça encostada ao teu peito,
e, acariciando os meus cabelos desmanchados,
és tão meu…Sou tão tua. Ainda sob o efeito
da louca embriaguez dos momentos passados.
Porém, na tua carne insaciável, ardente,
o desejo reacende, estua…E, de repente,
dos meus seios em flor beijas a rósea ponta…
E se unem outra vez a lúbrica bacante
do meu ser e o teu sexo impávido, possante,
na comunhão sensual das delícias sem conta…

domingo, 18 de abril de 2010

O RETRATO FIEL - Gilka Machado


Não creias nos meus retratos,
nenhum deles me revela,
ai, não me julgues assim!
Minha cara verdadeira
fugiu às penas do corpo,
ficou isenta da vida.

Toda minha faceirice
e minha vaidade toda
estão na sonora face;
naquela que não foi vista
e que paira, levitando,
em meio a um mundo de cegos.

Os meus retratos são vários
e neles não terás nunca
o meu rosto de poesia.
Não olhes os meus retratos,
nem me suponhas em mim.

CANTARÃO OS GALOS - Cecília Meireles


Cantarão os galos, quando morrermos,
e uma brisa leve, de mãos delicadas,
tocará nas franjas, nas sedas
mortuárias.


E o sono da noite irá transpirando
sobre as claras vidraças.


E os grilos, ao longe, serrarão silêncios,
talos de cristal, frios, longos, ermos,
e o enorme aroma das árvores.


Ah, que doce lua verá nossa calma
face ainda mais calma que o seu grande espelho
de prata!


Que frescura espessa em nossos cabelos,
livres como os campos pela madrugada!


Na névoa da aurora,
a última estrela
subirá pálida.


Que grande sossego, sem falas humanas,
sem o lábio dos rostos de lobo,
sem ódio, sem amor, sem nada!


Como escuros profetas perdidos,
conversarão apenas os cães, pelas várzeas.
Fortes perguntas. Vastas pausas.


Nós estaremos na morte
com aquele suave contorno
de uma concha dentro da água.


(Flor de Poemas)

ESCREVE-ME... - Florbela Espanca


Escreve-me! ainda que seja só
Uma palavra, uma palavra apenas,
Suave como o teu nome e casta
Como um perfume casto d'açucenas!

Escreve-me! Há tanto, há tanto tempo
Que não te vejo, amor! Meu coração
Morreu, já e no mundo aos pobres mortos
Ninguém nega uma frase d'oração

"Amo-te!" cinco letras pequeninas,
Folhas leves e tenras de boninas,
Um poema d'amor e felicidade"!

Não queres mandar-me esta palavra apenas?
Olha, manda então... brandas... serenas...
Cinco pétalas roxas de saudade...

(Poemas de Florbela Espanca)

LENDO-TE - Humberto de Campos


“As roseiras aqui já estão florindo...”
Mandas dizer... “As híspidas e pretas
Rochas da estrada já se estão cobrindo
De musgo verde... Há muitas borboletas...”

E eu me fico a pensar que agora e o lindo
Mês das rosas esplêndidas e inquietas
Asas: mês em que todo o ser anda sorrindo,
E em todos os pássaros são poetas.

Vejo tudo: a água canta entre os cafeeiros
Vejo o crespo crisântemo e a açucena
Estrelando a verdura dos canteiros.

Penso, então, que em tudo isso os olhos pousas...
E começo a chorar... Olha: tem pena,
Não me escrevas falando nessas cousas

quarta-feira, 14 de abril de 2010

IMPLOSÃO - Giselda Medeiros


Da palavra
eu nasci.
Na palavra
eu vivo.
Com a palavra
eu amo.
Pela palavra
eu luto.
Sem a palavra
sou caos
o mar sem água.
Sobre a palavra
debruço-me
e choro.
Sob a palavra
ergo tendas.
E para a Palavra
retornarei
ante a implosão
de Thanatos.

(Cantos Circunstanciais)

SIMBIOSE - Giselda Medeiros



Dizer que somos dois... ah, que mentira!
Eu sou a tua voz, e és tu a minha.
Minha também é tua boca, a lira,
que embala os sonhos meus, que me acarinha.

E teus dedos do amor a campainha
a despertar-me o gozo, a ardente pira
do meu castelo de emoções... Rainha
eu sou de um rei que, como eu, delira!

Andamos sós, errantes pela vida,
sob este céu que é meu, que é teu, no entanto,
dispersa nosso sonho que definha.


E, enquanto os dois vagueamos (que ferida!)
eu cuido ver, por trás do nosso pranto,
tua alma a soluçar dentro da minha!

segunda-feira, 12 de abril de 2010

POR AMOR AO SONETO - J. Udine


Amo o Soneto, incondicionalmente!
Para mim ele sempre foi imortal:
Com seus quatorze versos, tão somente,
Eu ergo em versos bela catedral!

Amo o Soneto em sua forma e arcabouço!
Com ou sem rimas...métrica perfeita...
Dentro de minha alma seu chamado ouço,
E vejo em flor a minha Musa eleita!...

Amo o Soneto! Mesmo Modernista
Sou poeta do Verbo, mero artista,
Mas sem fazer do verso, um escarcéu!

Amo o Soneto em sua forma pura;
Amo o Soneto na paz , na ternura:
Por ele ser simplesmente o meu Céu!...

12-04-2010

quarta-feira, 7 de abril de 2010

MOTIVOS - XVI


Sinto-me renascer, se te contemplo,
ó poeta, mesmo quando finges
esse pasmo indefinível suspenso em tua fronte
– espelho que te mostra a lágrima
geratriz de incansáveis solidões.
Inútil o gesto, inútil o grito e a tristeza de Narciso:
o espelho não reflete nada senão a lágrima.

A face te revela o que não queres decifrar:
a inexorável corrida do tempo à espera de ninguém.
Lembra-te, no entanto, poeta,
de que há cânticos celebrando a passagem dos sóis
e o lento alvoroço das auroras
despencadas das paredes onde as puseste
ou o sono dos ocasos dormindo em teus lençóis.