sexta-feira, 26 de março de 2010

MAR DISTANTE - Giselda Medeiros



Há um gemer de ondas
em minha voz aflita
quando te imagino mar
distante, inacessível.

Minhas mãos desfolham-se
em tristezas magoadas
por não poderem conter
a geometria do teu corpo
distante, inacessível.

Tudo foge
como o rumor das asas
em travessia.
Não há nuvens de canções sobre as auroras
afagando o céu de minhas emoções.
Sou uma longa tarde de estio
a contemplar o vôo das asas
em travessia...
E o trajeto do teu corpo,
mar distante e inacessível,
sob o imaginário do meu pensamento,
abre-se sobre mim qual gigante arco-íris
de sonho.


(Tempo das Esperas)

segunda-feira, 22 de março de 2010


"As ilusões sustentam a alma como as asas de um pássaro."


Victor Hugo

"Há coisas em que só acreditamos depois que sabemos e outras que só sabemos depois que acreditamos."
Santo Agostinho

SEM TI - Giselda Medeiros


Pousaste sobre mim
e fincaste estacas
em minhas profundidades.
Dançaste para mim a valsa
sob o pálio do arco-íris
na tarde que crescia.
Mordi o pêssego que me ofereceste
e, desde então,
fiz-me de ti peregrina,
fiz-me teu afoito bergantim,
tua nave viageira,
no luminoso azul que te dei.
Hoje, desfeito o azul,
tenho apenas sombras
e distâncias.

(Tempo das Esperas)

sexta-feira, 19 de março de 2010

E TU VIRÁS - Giselda Medeiros


É noite em mim...
noite de silêncios e tristezas
a pervagar nas canções dos andarilhos
que não têm para quem voltar.

É noite nas tímidas paisagens do luar,
no ciciar da brisa outonal
e na grande solidão das pedras.

E cresce a noite em mim,
em tudo,
como crescem os ais apaixonados
em seus lençóis de linho
tão branquinhos!
Ou os ais dos que se deram adeus
na tarde que se foi.

Mas não faz mal que a noite cresça...
Acenderei em mim
a branca luz do castiçal do amor,
e tu virás por ela,
entre ofuscado e amante,
beber da minha luz
e ouvir-me os versos que fiz.
Aí, então, cuidemos, meu amado,
que a noite será breve,
muito breve.


(Tempo das Esperas)

TROVAS - GISELDA MEDEIROS



É teu sorriso, querido,
ao se abrir com harmonia,
um sol maior sustenido,
na pauta azul da poesia.



Mentiras... Dize-as, não calas,
pois gosto delas. Deveras,
verdades de amor propalas
nessas mentiras sinceras.



O trovador vai, risonho,
a empinar, com arte nova,
pelos céus azuis do sonho,
as leves pipas da Trova.



Amei-te, amor, tanto e tanto...
Amei-te mais do que pude!
Tanto, tanto, que, hoje, o pranto
é a minha maior virtude...



] Da pátria do amor distante,
sem o brasão dos teus braços,
sou bandeira tremulante
no vazio dos espaços.



Meu amor, quando sorris
e quando me beijam, sábios,
teus lábios são colibris,
sugando o mel dos meus lábios.



Ser mulher é, com certeza,
trazer consigo os poderes
de, na aparente fraqueza,
ser o mais forte dos seres!



Talvez esses ais tristonhos
das ondas, sempre a chorar,
sejam lamentos de sonhos,
presos nas conchas do mar...

(Des)Espera - Giselda Medeiros



O olho da solidão
toca a imutabilidade do espaço.
E vesgo
derrama fogo na silhueta das sombras.
Abandono.
Resta a inércia
queimando sua última pupila
dilatada
sob o ranger de dentes
da inútil espera
que o tempo digere
dilata e dilui
deforma e doma.

(Cantos Circunstanciais)

DEPOIS DE TI - Giselda Medeiros


Depois que saboreei o mel da tua boca;
depois que conheci o afago de teus dedos;
depois que revelei-te os íntimos segredos,
eu ando pela vida estranhamente louca.

Depois de ti, senti que a luz do sol épouca,
que os sonhos não são mais do que longos degredos,
que sou um oceano indômito, sem medos,
que vem beijar a areia em mansitude rouca.

Depois que desvendei o teu mundo submerso;
depois que descobri ser curta esta existência,
eu pus a eternidade em rimas no meu verso.

E quis te dar o tudo, além da brevidade
da vida, que é nada, do amor, que é essência,
para entregar-te, amado, intacta, esta saudade...


(Cantos Circunstanciais)

quinta-feira, 11 de março de 2010

O ENCONTRO DAS MÃOS - Giselda Medeiros


Postas sobre o silêncio da mesa,
nossas mãos são como pássaros
querendo bicar o azul de um sonho adormecido.
A melodia do ar açoita-lhes as plumas,
macios desejos de voar.


Qual pássaro, tua mão pousa sobre a minha
e grita o silêncio que há em mim.
E eu querendo dizer-te da beleza das auroras...
Mas meu lábio mudo geme fagulhas de palavras,
para a lavratura do incêndio iminente.


De súbito, elas se erguem imantadas
e, atraídas, nossas mãos se juntam,
ajustam-se entrelaçadas.
Como pálpebras, vão-se fechando, lentamente,
conchas silentes,
na agonia do instante entre o gesto e o olhar
suspensos na palavra que não é dita,
mas sentida,
nos fragmentos dos espelhos
de nossa memória.


Então, trêmulas, uma na outra,
atiçam-nos as vértebras, músculos e nervos,
e sangram desejos
na geometria de nossos dedos unidos.

quarta-feira, 10 de março de 2010

CHAMAS - Giselda Medeiros



Derrama-se em brasas o sol morrente...
Há gritos de silêncio sobre a terra,
e a alma dos rios, silente, chora a vida
que morre entre as pedras submersas.

Pesado é o céu... E as aves agoureiras
descem as asas sobre a torre da matriz,
o rude bico, as penas eriçadas,
o canto mudo sofrendo na garganta.

No manto aflito do horizonte surgem
assustadas estrelas solitárias,
de brilho morno e, com olhos de surpresa,
espreitam tímidas a timidez da luz.

A noite segue em sua nave de mistério,
a negra mão a controlar as sombras,
a cabeleira densa sobre os montes
e o olhar a derramar-se nos caminhos


(Cantos Circunstanciais)

CANÇÃO DA ESPERA - Giselda Medeiros



Passas.
Teu vulto é um oásis
onde quero aprender
o ofício das areias
nas longas noites
em que as estrelas
fiam fios finos
de fluida luz.

Teus passos na tarde
ecoam ainda
em minhas manhãs,
alvacentas e lânguidas,
como o marulho das vagas
que ficaram para trás.

Mas passas,
indiferente e lento,
sobre meus anseios
com mãos enfeitadas de adeuses
a romper em flores
de esquecimento.

E passas tão perto de mim
e tão distante!
Não conheces o mapa
de meus arquipélagos
nem sabes da beleza
de meus profundos mares
onde há conchas e corais
em êxtase.

Talvez um dia
- um dia desses -
quando pisares as névoas
do meu tempo
e sentires pesar o teu tempo,
talvez, tu resolvas ficar
no tempo dos meus domínios...




(Tempo das Esperas)

domingo, 7 de março de 2010

A TI, MULHER! - Giselda Medeiros


Sei que tens o dom de amar,
O dom de excluir o estéril da vida,
de quebrar geleiras, lavrar sementes,
sofrer e amar em simbiose constante.

Sei que és capaz de abrir leiras de jardins
com tuas mãos de flores e de mármore.
Tornar o abstrato em concreto
no descanso de teus olhos de mulher.

Por trás do granito existe um rio de canções
que ensinas a teus filhos.
E eles cantam porque aprenderam de ti
que ao entardecer também há luz
nos olhos das estrelas.

E sei mais: que por amor
tornas gostoso o amargo do jiló
e que fazes nascer um sol indefinido
na escuridão dos eclipses da vida.

ANTIGÊNESE - Giselda Medeiros



E disse o homem:
Faça-se a minha vontade!
E poluiu as águas dos rios
e pôs veneno no caule das árvores
e pôs espelhos negros no fundo da alma
e pôs travancas no peito com chaves
e pôs muralhas no olhar das crianças
e pôs cimento no ventre da abelha
e pôs espadas na toca do amor
e pôs cortinas no altar da esperança
e pôs barragem na ilha da fé.
Depois de tudo isso
descansou nos braços da Morte.