domingo, 28 de fevereiro de 2010

O TEMPO E SEUS MISTÉRIOS - Giselda Medeiros



O tempo, amado, é uma fina espada,
é um fluir constante de ilusão;
é um fremir de asas em revoada,
por sobre o pó do nosso coração.

O tempo, amado, é um carrossel de sonhos
desmantelados, rotos pelo chão;
é um galope de dragões medonhos
a vomitarem cinza em nossa mão.

O tempo, amado, é um rio caudaloso
a tremer silencioso em sua foz
para soltar seu grito ruidoso
sobre o oceano de nossa dor atroz.

O tempo, amado, é uma roda-gigante
que nos leva, em frêmito, abaixo e acima,
acima e abaixo, em volta circundante
sobre o estertor da dor que nos calcina.

Por isso, amado, é urgente que vivamos
este momento pleno de lirismo
antes que o pó a que nos destinamos
venha ceifar o nosso romantismo.

E vivamos como aquelas velhas árvores
altivas a exibir os frutos que gerarem...

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

BUSCA - Giselda Medeiros



Hoje quero tocar-te,
alcançar as dunas que circundam
a alvura de tuas praias.
Hoje queria ter
dedos insubmissos,
sentinelas destas mãos
que comandam a feroz audácia
de gestos indormidos.
Queria alongar-te pelo dorso manso
a inquietude de desejos secretos
até sentires a quentura gritante
da minha insaciável busca.

Sinto o tempo de amar,
o tempo de entrega.
Entanto, os meus olhos já se enublam
como um sol poente
nas águas sofridas de um rio.
E minha alma, cisne arisco,
já se inclina ante a miragem
do fogo de teus olhos.

Hoje queria tocar-te a superfície,
cadeia enervada de emoções.
Mas, que adianta!
Hoje é apenas um momento...
E o momento é breve como o canto
que te canto.
Depois... Somente a praia submersa
que se inclina
e o sol, pedaços de ânsias afogadas
na mansitude negra das águas.

TREVO- Giselda Medeiros



Tua ausência
é como este exílio
que me detém
feito pássaro sem asas
feito rio sem a foz
feito árvore sem frutos.

Tua ausência
é como este verão
que me calcina
que me alucina
que matou a menina
que deixaste
perdida na mina
do abandono.

Tua ausência
é toda esta saudade
que me invade
que me alaga as margens
soletrando adeus
taciturna
muda
no silêncio desta noite
cartilha em que aprendi
que o amor é coisa que não passa
é o túmulo onde jaz
o travo do trevo
plantado em tua boca
de adeus.

ACRÓSTICO PARA MÁRIO BARBOSA - Giselda Medeiros


Aos seus noventa anos

Mais um ano se junta ao calendário
Ativo de uma vida abençoada
Ritual que Deus promove e nos concede
Irmos também em sua caminhada
Onde só vemos bênçãos e ternura.

Beijamos, Mário, tua fronte altiva
Agradecendo a Deus por nos ter posto
Risonhamente no teu mar da vida
Barco a buscar as praias mais amenas
Onde águas claras de sabedoria
São os faróis que há noventa anos vemos
A irradiar-se de tua fronte altiva!

Giselda Medeiros
23/7/2009

domingo, 21 de fevereiro de 2010

INTERAÇÃO - Giselda Medeiros




Buscas, além, no infindo espaço, aquela
que, em luz, te banhe a fronte esmaecida,
a fronte que se alteia e chora e vela
a amada estrela, a luz da tua vida.

Persegue-a com a exaustão que te esfacela
a rima, o canto, o choro, o verso, a lida,
até o vazio imenso – a sentinela
do sonho que, em teu peito, se lapida.

Assim, também, sigo buscando o amor,
aquele que à minha alma, alegre, cante
uma canção que transfigure a dor.

Não vês? Iguais, então, são nossas dores,
igual, nossa paixão eletrizante
em procurar a luz desses amores...

A CANÇÃO DOS ESPELHOS - Giselda Medeiros




Na lâmina dos espelhos
o teu olhar de beduíno
crestou-me os caminhos.
Os olhos vermelharam espigas
e espigas pariram grãos.

Na noite vigiei-te os passos
que iam e vinham
no doce mistério de secar os grãos
nesse intróito dos rituais
(lira incendiada de sol)
que a noite sonha conquistar.

Na lâmina dos espelhos
o meu olhar (harpa desafinada)
dilacerava-se em notas
para alimentar a canção andarilha
de tuas carnes
- ofertório, loucura, tempestade -
na noite do meu silêncio
posto na alvura das dunas
a refletir-se na lâmina dos espelhos...

Meus olhos ficaram cegos,
ficaram cegos os teus,
cúmplices da geometria
ambígua daquele adeus

A TRAVESSIA - Giselda Medeiros




Não sei onde deixei meu barco.
Na linha do horizonte, há teias que me confundem,
E há fuligem e pátina no cais onde me encontro.
Miro o oceano. Azul... Esmeralda...
Confundem-se em mim mar e firmamento,
Dor e alegria,
Melancolia e excitação,
Vontade de partir, desejos de ficar...
Mas, ir para onde?
Ficar, para quê?
De repente, o vento tange uma ária de Bach...
E, dispersas pelo espaço azul,
As nuvens dançam seu balé aéreo.
O passado distingue Isolda, O Lago dos Cisnes...
Principio a esvoaçar com as etéreas bailarinas,
Tão brancas e tão leves,
Tão únicas e múltiplas... sem começo, meio e fim.
Ah, saudades dos sonhos
Enfiados nas sapatilhas róseas!
Do brilho das finas saias,
Rodopiando, rodopiando...
E a bailarina, então, se alçava,
Quase levitando, livre, lépida, linda...

O vento. O vento me sacode...
A Realidade. A Travessia. La Traviata!
Meus Deus, a Travessia!

Ao longe, um barco...
Só de espumas é seu rastro.
Imóvel, o vejo sumir.
Não há mais rastro nem espuma.
Um ponto flutuante, apenas,
Longe, longe...

O Príncipe e sua Palavra - Giselda Medeiros


Para Artur Eduardo Benevides

A ti, ó Príncipe da Poesia,
meu louvor, feito prece,
feito estrela, e arco-íris
no céu de nossa amizade.
Glória a ti, ó deus sagrado da palavra,
essa força dionisíaca,
que em ti habita e rumoreja,
para resplandecer bela
no coração de teus súditos.
Abençoado sejas, ó Príncipe
Divino da Poesia,
em todos os séculos dos séculos,
por saberes espalhar sementes da palavra
grávida de Poesia!

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

ESPAÇO VERMELHO - Giselda Medeiros


Há flores pelas estradas do amor.
E há névoas
e há folhas dispersas pelo ar intangível.
Há a mão dourada do sol
espantando medos
e acorrentando emoções.
E há a mão gélida da noite
pelos longes do infinito
com seus dedos espantados de amante
fotografando ilusões esquivas.
Há gritos e silêncios
mudos e gritantes
cortando a vermelhidão do prazer.
E há o hálito quente de Eros
derramando-se por entre gestos e ânsias,
mistérios e palavras,
ondulando,
enlouquecendo,
atraindo.

(Cantos Circunstanciais)

DA ROSA - Giselda Medeiros


Poema de beleza
e de cores
é a rosa,
que também é mulher,
muitas vezes mal amada,
mais cobiçada, menos querida,
mais forma que conteúdo.
Quem se importará
com a dor de ver-se arrancada
do seu verde ramo?
No entanto,
humilde e generosa,
de beleza maior se reveste:
quanto maior a violência
da mão hostil que contra ele investe,
em volúpias de prazer,
retribui em dobro,
perfumando a mão que a fez morrer.
(Transparências - Poemas e Trovas)

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

ENTRE ANSEIOS E DESVELOS - Giselda Medeiros


Somente para ti são meus desvelos...
E o tempo, que não pára, move os dedos
Lânguidos da palavra adormecida
Ao fremir silencioso do poema.

Somente para ti são meus desvelos...
E a folha branca que arde à minha escrita
Só fala desse mel posto em teus lábios,
O pasto onde se deitam meus anseios.

Somente para ti são meus desvelos...
E a poesia que escorre como sândalo
É a unção deste amor que me sustém.

Somente para ti são meus desvelos...
E tu, que és mar, jangada, onda e leme,
És âncora, também, dos meus segredos.

CANÇÃO EXTRAVIADA - Giselda Medeiros


A mim não importa a solidão.
Sou um rio que se vai
nas sombras – alimento – da paisagem
que escorre de meus dedos.

Minha voz é este verso
que carrego nas entranhas.
Com ele, expulso meus medos
construo sílabas na cartilha do Amor
ou rezo salmos à passagem dos mortos.

Com meu verso
velo o sono dos que se entregam a Eros
no desespero dos espelhos narcísicos
ou na obstinada esperança de Orfeu.
Com ele, coso a túnica dos sonhos
que resta, alva, entre solitários lençóis.

Meu verso é vento que se derrama
nos pórticos dos oráculos
e sabe o martírio dos surdos,
o desespero de Tântalo,
a perplexidade dos andarilhos
que não têm aonde ir.

Por isso, meu verso
é este tempo que não quer ruir
é esta linha que não se espanta
ante o martírio da pauta extraviada
pelo incêndio das horas metálicas
que interceptaram o som da nossa canção.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

GAIVOTA - Giselda Medeiros



Teu vulto
na noite
desenha sombras
e arabescos
de saudade.

Teu vulto
na noite
desperta o uivar
de um lobo faminto
de desejos.

Teu vulto
na noite
acende chamas
e borda reflexos
em meus espelhos.

Teu vulto
na noite
arde na pupila
do meu tempo
em cio constante
de mar
e de gaivota.

O QUE HÁ DE VIR - Giselda Medeiros



Aquele que há de vir ao meu encontro
deve trazer nas mãos o orvalho da manhã
para untar meus olhos de neblina.

Aquele que há de vir ao meu encontro
não há de ser nenhum deus e nenhum santo;
não será nem sol nem rei nem anjo.

Aquele que há de vir que seja apenas
um homem, simplesmente um homem pleno
de auroras, e de noites, e de céu,
de um céu azul, sem nuvens e tão limpo
que nele tatuemos nossos rastros.

Ó tempo, tu que vais indiferente
a tudo que meu peito cala e sente,
dize-me onde está aquele que há
de vir a mim cantando, simplesmente,
simples cantigas de embalar o amor,
simples cantigas de espantar a dor,
simples cantigas para eu sonhar

MINIPOEMA - GISELDA MEDEIROS


Assim como um grito,
teus dedos alongaram-se
sobre as minhas dunas...
E houve festa
no silêncio das areias.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

O BRINDE - GISELDA MEDEIROS


O sol esfrega os olhos
ainda úmidos de trevas
e desce para beber o vinho
na taça dos amores matinais
que sobreviveram ao espantoso combate
da noite em sua lascívia.
Amanhece...

Em agonia,
ergo a taça sonolenta do dia
e brindo ao vento,
esse dragão solitário,
que vem deitar em mim
suas promessas de cinza e pó.
Só.

O CORTEJO DO AMOR - GISELDA MEDEIROS


Em passos céleres,
o amor passa por mim
com seu cortejo
de espantos.
Valsas pálidas
choram o Chopin
adormecido
em minhas pupilas
queimadas.

Passa por mim
com seu cortejo
de ausências.
Lento me acena
e passa
sem saber
que, em minhas margens,
deixou tatuada
a forma amorfa
do seu nome
feito punhal
a me cortar
o vazio da máscara.

POEMA DA RENASCENÇA - GISELDA MEDEIROS



Não quero a ilusória cor dos efêmeros prazeres
nem o indecifrável tom das ilusões de ontem
que fizeram adormecer-me a alma há tanto insone.

Não quero saber da lista imensa de deveres,
das apólices do tempo que ruiu sobre nossos desvelos
nem da mineração dos sonhos bons
muito menos da escuridão dos pesadelos.

Não quero provar o doce enjoento dos bombons da infância
tampouco da aflição da estrela azul em sua metamorfose.

Não quero saber do brinde nem da taça
esquecidos sobre a varanda do passado
nem do bulício do vento nas noites baças,
bordando mitos em nossas faces.

Não quero minerar no vácuo de um olhar esquecido
para a recuperação de estátuas mutiladas.
Mas quero, no veneno de um azul, envenenar-me,
injetar-me poesia na pupila adormecida
e renascer, à hora derradeira e múltipla, sem alarme,
de tuas mãos de artista, de anjo e de homem,
como o mais belo poema, que os tempos não consomem.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

POSSESSÃO - GISELDA MEDEIROS

Vejo-te no ar
átomos de fantasia
da distante ausência invisível.

Vejo-te na névoa
cambraia cinza
tecida pelas mãos de solidões gritantes.

Vejo-te latejante
no coração do mundo,
este armarinho de vivências incontidas
vermelho-sangue de ilusões e de ânsias.

Vejo-te no borbulhar da vida,
cadeia de pálidas emoções,
onde a tudo fere a lâmina do tempo.

E por ver-te assim
em tudo o que me cerca
é que te sinto estranha possessão:
o mito, o deus, o homem, o santo,
o espaço e a estrela
onde me perco
no imensurável caos de sonhos perdidos.

(Cantos Circunstanciais)

sábado, 6 de fevereiro de 2010

ONICANTO - GISELDA MEDEIROS


O que me faz cantar
não é a mansitude quente de teus olhos
nem a leveza morna de tua pele
nem mesmo a afoiteza de tuas mãos
quando me gritam: "terra a vista!"

O que me faz cantar
não é o murmurar róseo de teus lábios
nem o pulsar intangível de teu peito
junto ao meu
nas horas em que o amor nos vence.

O que me faz cantar assim,
e tanto, e tanto,
são essas âncoras com que me prendes
como hera e estrela,
como ponte e madrugada,
sem ausências nem adeuses,
no caminhar silente do tempo
que, nos consumindo,
faz de nós amantes e amados,
humanos e divinos.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

O POEMA - GISELDA MEDEIROS


O Poema é uma nave de sol
disseminando luz
nos aflitos silêncios
sulcando os horizontes
com rastros de esperas macias
e de inesperadas chegadas.
Em noites açulantes de saudade
vou esconder-me nesses rastros santos
- o poema -
artéria de promessas,
ruflar de borboletas
azuis, amarelas,
bêbadas de cores.
E o cheiro que goteja saboroso
explode da carne suculenta
e me fere prazeroso
e me prende em sua teia
de surpresas.
E renasço no poema.
(Tempo das Esperas)

RECOMEÇO - GISELDA MEDEIROS


Reinvento-me em alegrias.
Desfaço velhas bagagens.
Rasgo meus sonhos antigos...
Só para recomeçar...

Arrumo em novas malas
auroras e rosas brancas.
Fio um colar de poemas...
Só para recomeçar.

Depois de tudo refeito
a sal, suor, muitas lágrimas,
estando eu já pelo avesso,
não queres recomeçar...

(Tempo das Esperas)

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

VISÕES - GISELDA MEDEIROS

Surges... A manhã dorme em minhas pupilas.
Ainda não me fiz sol para o teu encanto.
Ainda não me fiz asas nem vento
para impulsionar-te.
Surges de um modo tão teu: esquivo e tímido.
Nem trazes uma rosa para meu deleite
nem dizes palavra alguma
nem me acenas com a esperança de ficares.

Tudo em ti é mito;
tudo em mim é poesia.
Tuas mãos derramam brindes;
minhas mãos derramam estrelas.

Há pássaros engaiolados em teus olhos;
nos meus há liberdade de nuvens em travessia.
Trazes uma dor que brinca de esconde-esconde;
trago uma alegria insone que brinca de ciranda.
Somos cara e coroa de uma ilusão a dois:
quando sou, não és;
quando estás, não estou.
Mesmo assim, de quando em quando,
surges, meu cometa!
E o meu céu inunda-se de tua luz